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O Brasil e as negociações na OMC: o dumping agrícola norte-americano

Entre 1994 e 2004, o total da produção de alimentos nos países em desenvolvimento caiu 10% em relação aos 10 anos anteriores, enquanto nos países centrais, a produção cresceu 33%

Aqueles elementos que sempre defenderam que o nosso mercado deveria ser um privilégio dos monopólios norte-americanos – e que executaram tal política no governo Fernando Henrique, com o resultado de quebrar o país – apressam-se agora a atacar o governo por seu recuo na Rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC). Realmente, não nos pareceu uma decisão acertada. Mas quem são esses estelionatários da pena para criticar o atual governo, quando ele resolve momentaneamente concordar com algo que eles sempre defenderam, de forma muito mais violenta, mais brutal, sem escrúpulos e sem pruridos? Em suma, não existe nisso mais do que cinismo.

Nesta mesma página, nosso colaborador Gílson Caroni Filho faz algumas considerações bastante pertinentes sobre o assunto.

O fato é que a proposta, apresentada pelo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, de que os EUA reduzam o teto dos seus “subsídios” agrícolas de US$ 15 bilhões para US$ 14,5 bilhões é um escárnio. O chamado teto é apenas uma previsão orçamentária. No ano passado, o gasto efetivo do Estado norte-americano com “subsídios” agrícolas ascendeu a cerca de US$ 7,5 bilhões. Portanto, a proposta apresentada por Lamy é, na verdade, uma autorização para que os EUA, se quiserem, possam dobrar o que gastam com “subsídios” agrícolas, em troca de que os outros países sejam proibidos de proteger sua agricultura aumentando as tarifas de importação (exceto quando essas importações aumentarem em 140% ou mais, o que é outro escárnio: quando isso acontecer, para a maioria dos países, Inês estará morta e sepultada, junto com uma parte do povo).

É justa a reivindicação do Brasil de que os “subsídios” agrícolas, sobretudo aqueles dos EUA, mas também aqueles dos outros países centrais, sejam limitados. Esses “subsídios” não são verdadeiramente subsídios – se fossem, nada teríamos a opor, até porque não existe agricultura de país em crescimento que não demande algum subsídio, em virtude dos problemas sazonais, das dificuldades naturais ou para impulsionar o desenvolvimento industrial barateando os preços dos produtos agrícolas.

Entretanto, os “subsídios” agrícolas dos EUA não existem para tornar melhor a vida do povo norte-americano. Eles são um mal disfarçado dumping para quebrar a agricultura dos países periféricos, em prol dos monopólios – as Cargill, Bunge e outras poucas – que dominam o setor nos EUA.

Por causa desse dumping, os países menos desenvolvidos, que eram exportadores agrícolas, se transformaram, em poucos anos, em importadores. Por exemplo, nos 10 anos que transcorreram entre 1994 e 2004, o total da produção de alimentos nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos caiu 10% em relação aos 10 anos anteriores, enquanto o total da produção dos países centrais aumentou 33% (cf. Aurelio Suárez Montoya, “La Bolsa de Valores y el control mundial de alimentos”). O mesmo autor mostra que enquanto se liquidavam, em nome da fraude do “livre mercado”, com os acordos de cotas de produção e de preços, os monopólios dos “países do Norte, encabeçados pelos Estados Unidos, tomaram o controle mundial dos alimentos, graças aos bilhões de dólares diários de subsídios estatais que lhes permitem exportar seus excedentes a preços abaixo do custo e quebrar as produções domésticas do Sul, ao qual, para facilitar o assalto, se obrigou a eliminar ou reduzir as tarifas [sobre as importações]”.

Isso é verdade não somente em relação aos alimentos, mas aos outros produtos agrícolas, e os agricultores sabem disso – o que explica a contrariedade, diante da decisão do Brasil na Rodada de Doha, do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, personalidade política sem afinidades com a esquerda, mas que tem muita afinidade com os agricultores do Paraná.

Somente o ministro Miguel Jorge mostrou satisfação com o apoio a essa proposta. Trata-se de um ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio que é entusiasmado com a escalada de juros, apesar (ou por causa) dela ser uma sabotagem impudica à política de crescimento industrial do presidente Lula. Logo, não é um espanto que ele, homem sensível que é, declare que “não ter acordo é sempre muito frustrante para quem está negociando”. Por essa razão, digamos, psicológica, ele opina que qualquer acordo é melhor do que nenhum. Pela teoria desse ministro, nós ainda seríamos colônia de Portugal. Evidentemente, não ter acordo é muito melhor do que um – para nós e para quase todos os países – mau acordo. Mas, sejamos justos: não é de Portugal que ele gostaria que o Brasil fosse colônia.

Nos dispensamos de expor mais detalhes da proposta apresentada por Lamy, porque o dito já expõe a sua essência – e as minúcias só agravam as conseqüências que adviriam, se essa proposta fosse aceita pela maioria. Para terminar, diremos apenas que seus limites de tarifas de importação convidam a que os monopólios norte-americanos nos obriguem a comprar couve de Maryland para fazer couve à mineira ou a importar nabo de Massachusetts para fazer cozido – a um preço que, se pudessem, igualariam ao do caviar beluga.

O que nos faz escapar dessa sorte é ter Lula – ou outra pessoa honrada – na Presidência. Certamente, em Doha foi cometido um erro. Mas aprende-se com os erros. Há até quem ache, com fundadas razões, que aprende-se mais com os erros do que com os acertos.

O dumping disfarçado de subsídio e a imposição de tarifas de importação mais baixas aos países mais pobres são dois aspectos da mesma política. Não seria sábio trocar uma redução ridícula do teto desse dumping (redução que, na verdade, é uma autorização para que eles dobrem o que efetivamente gastam com ele) por uma aceitação de tarifas de importação mais baixas. Por isso a Índia, a Argentina, a África do Sul, a China e mais de 80 países resistem a isso, mesmo depois que o Brasil apoiou a proposta. Quando fechamos esta edição, até o próprio Lamy havia declarado que a Rodada estava moribunda. Que a terra lhe seja não muito leve.

Por CARLOS LOPES.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.horadopovo.com.br.

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