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Erradicar fome é prioridade

Legado deixado por José de Castro continua vivo

Adital – Num momento em que se discute questões como escassez de alimentos, desigualdades sociais e necessidade de redefinir as prioridades do mundo, lembrar a vida e a obra de Josué de Castro é mais do que necessário. Se estivesse vivo, o sociólogo pernambucano completaria 100 anos no último dia 5 de setembro. Para homenagear o seu patrono, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) realizou a primeira plenária fora de Brasília, com a participação da socióloga Anna Maria de Castro, filha de Josué. Nesta entrevista, Anna Maria fala da convivência com o pai, da atualidade do legado deixado por Josué de Castro e da urgência em se colocar o mal da fome como uma prioridade a ser solucionada.

Adital – Na convivência com Josué de Castro, em que momento você percebeu que, além de seu pai, ele era um homem com uma atuação social e política?

Anna Maria de Castro – Ser filha de Josué e Castro tem sido uma experiência profundamente enriquecedora para minha formação pessoal e profissional. Ao longo de minha vida, na condição de sua filha, desfrutei de momentos de orgulho e alegria e, vivi, noutro extremo, situações de tristeza e angústia. Entretanto, quando recordo o passado e examino o presente, verifico que há mais razões para o orgulho do que para o pesar. A despeito do desaparecimento, temporário, de seus livros e do teor de suas conferências, seu pensamento hoje ressurge com força, seus ensinamentos prosperam e suas sugestões se transformam em políticas públicas. Assim, aplacadas as mágoas, tenho hoje a consciência plena da importância de seu trabalho a favor dos excluídos de nosso País. Cresci ouvindo falar de fome desde a mais tenra idade. A princípio, como mera e atenta ouvinte, após como jovem interessada e finalmente como, também cientista social, fascinada pelo tema e pelas idéias. Alimento, ainda hoje, passados muitos anos, uma profunda e sentida sensação de tristeza, quando recordo o homem afetuoso com quem convivi e cientista incansável a quem admirei em razão de suas claras e entusiasmadas explanações feitas, quase todas as noites, em torno da mesa em que realizávamos nossas refeições. Discorria sobre suas descobertas, sobre suas propostas, que acreditava poderiam solucionar, se implementadas, parte dos problemas mais agudos da sociedade. Foi por intermédio de suas palavras que pude reconhecer o quanto é difícil viver neste mundo de homens que são capazes de criar infinitas belezas, capazes tecnicamente de controlar a natureza, capazes de cantar a paz, mas, também, diversamente de outros animais que só atacam para saciar a fome, praticar atrocidades inomináveis contra seus semelhantes. São capazes de aprisionar, torturar e escravizar outros homens, produzir alimentos e não distribuí-los para todos, romper com o equilíbrio ecológico, poluir rios e mares, destruir florestas, consolidando a desigualdade, aumentando a pobreza, e tudo em busca de mais riqueza. Respondendo objetivamente sua questão foi quando do meu ingresso na vida universitária. Sem dúvida, sua trajetória vitoriosa no campo das ciências sociais foi decisiva para minha escolha pela sociologia. Melhor preparada pude ter a dimensão exata do valor de seus trabalhos científicos e do quanto poderiam ser decisivas para o desenvolvimento de nosso País, as medidas por ele propostas. A repercussão da Geografia da Fome, sem dúvida seu mais importante livro, colocava o pensamento social brasileiro em destaque. Sua passagem pela Presidência do Conselho da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), posição que nunca tinha sido ocupada por nenhum brasileiro, ampliavam seu prestigio internacional.

Adital – Um dos pontos marcantes da obra de Josué de Castro é a análise interdisciplinar a partir da observação da realidade que, no caso brasileiro, ainda hoje é de grandes contrastes. Na sua opinião, o que a realidade atual pode nos dizer sobre a questão da fome, em termos de conquistas e desafios?

Anna Maria de Castro – Creio que o País avançou. Hoje as condições de vida da população são melhores do que na década de quarenta, quando Josué escreveu a Geografia da Fome. Desta forma, podemos assinalar algumas importantes conquistas. No governo do presidente Itamar Franco, realizamos a Primeira Conferência Nacional de Segurança Alimentar e criamos o Conselho Nacional de Segurança Alimentar, que teve seu funcionamento interrompido no governo subseqüente. Mais adiante, ganhou força no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, após recolocar o tema da fome na agenda nacional e mundial, com o Programa Fome Zero, fez novamente funcionar o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), além de impulsionar os conselhos regionais. Ainda na administração do presidente Lula, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, por ele criado e gerido com competência pelo ministro Patrus Ananias, instituiu o programa Bolsa Família, sem dúvida a mais importante política publica presente no Brasil contemporâneo de combate a fome. Assinale-se, ainda, que se fortaleceu o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional, que após a II Conferencia Nacional realizada em Olinda, consagrou o direito à alimentação como um direito básico de todo ser humano. Finalmente, entre as recentes conquistas, relembramos a Losan, Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, que institucionaliza o combate a fome no Brasil, tornado-a dever do Estado e não só dos governantes. Quanto aos desafios, resta ao Brasil realizar uma consistente reforma agrária capaz de conter a migração do campo e ampliar a agricultura familiar.

Adital – No livro Geografia da Fome, de 1946, Josué de Castro é categórico ao afirmar que a fome não é uma fatalidade causada por fenômenos naturais, e sim o resultado de sistemas econômicos e sociais excludentes, mas que poderiam ser alterados. Nos dias atuais, em que vivemos uma situação de crise mundial de alimentos, não se faz necessário reforçar essa afirmação?

Anna Maria de Castro – Sim, admito que é necessário reforçar a afirmação de que a fome não é um fenômeno natural, resultado da ação cruel da natureza, ao contrário deve-se a ação do próprio homem. Há um pensamento de Josué que define, com clareza esta situação:

“O mundo tem recursos suficientes para nutrir uma população muito mais densa do que a população atual. A natureza não é ingrata, ela tem recursos suficientes, ela é boa, ela é generosa. Aqueles que não têm sido muito generosos são alguns grupos humanos que se apoderaram dos recursos naturais e fizeram uma divisão destes recursos de forma injusta e ilegal. Vivemos num mundo de abundância em meio à miséria”.

Portanto, não há escassez de alimentos, e sim má distribuição dos mesmos ou falta de recursos para adquiri-los.

Adital – No Brasil, como a senhora avalia a atuação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea)? A senhora acredita que a questão da fome tem sido prioridade no governo atual? O que ainda é possível fazer, diante de uma realidade regional tão complexa quanto a nossa?

Anna Maria de Castro – A atuação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional tem sido bastante consistente. Tanto na administração do presidente Francisco Menezes como na atual, que tem a frente o presidente Renato Maluf, a participação da sociedade civil foi ampliada consideravelmente. Os conselhos regionais têm estado ativos e as conferências nacionais ocorrem com a regularidade desejável. A atuação do Consea possibilitou o envio ao Congresso Nacional de Projeto de Lei do qual resultou a Losan e está em pleno andamento a regulamentação da Lei, passo final para sua plena implementação.

Adital – Quais são as atividades previstas para as comemorações do centenário de nascimento de Josué de Castro?

Anna Maria de Castro – As atividades são numerosas e excederam, em muito, minha expectativa. Efetivamente, vencida a emoção dos primeiros momentos, estou segura, como afirmei em recente solenidade ocorrida no Recife e promovida pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, que Josué de Castro, no ano de seu centenário de nascimento, entrava para a Historia do Brasil pela porta principal, tal o reconhecimento de autoridades, intelectuais e da própria população da importância de suas idéias e de seus feitos.

Adital – Na sua opinião, o que a obra e a atuação de Josué de Castro tem a ensinar para as gerações atuais e futuras?

Anna Maria de Castro – O exemplo de um homem que, a despeito da adversidade, não desistiu dos seus princípios nem abandonou suas convicções. Que sempre acreditou que seria possível atingir seu ideal de um mundo sem fome e com uma paz duradoura. Teve clareza sobre o valor da educação, da ciência e da tecnologia, como fatores indispensáveis para se atingir o desenvolvimento que colocaria o homem como centro e objeto. Finalmente, foi um homem que amou seu País e que lutou, bravamente pelo bem estar de seu povo e, acreditou possível mudar a história de seu país.

As matérias sobre Segurança Alimentar são produzidas com o apoio do Banco do Nordeste do Brasil.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.adital.org.br.

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