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A esquerda pós-Lula

O PT não pode se confundir com sua principal liderança que, na percepção do eleitorado, se autonomizou do partido. A legenda vive o dilema de não poder permanecer a reboque de Lula e muito menos a ele se opor em qualquer questão. Essa fragilidade revela o quê?

Talvez 2009 venha a ser a hora e a vez de Augusto Matraga para o campo progressista. Tal como no conto de Guimarães Rosa, o próximo ano trará em si um convite à reflexão sobre conflitos internos e discussões que não deveriam ser adiadas. É preciso realizar o inventário de nossos erros e acertos. Não parece um bom caminho adiar a discussão necessária, usando como argumento os bons números das pesquisas. Eles refletem o êxito obtido, mas não garantem que a agenda liberal-conservadora tenha sido sepultada em alguma esquina do passado. Os que aprendem com a história sabem que uma política de reversão de quadros é sempre uma possibilidade viva.

Como já destacou, aqui mesmo, o sociólogo Emir Sader, o Partido dos Trabalhadores “precisa revigorar-se social e ideologicamente, para voltar a desempenhar um papel importante no campo político e ideológico do país”. Ignorar tal exigência ou protelá-la, como tem sido feito, pode levar a uma perigosa junção: o otimismo ingênuo do pensamento coincidindo com a paralisia da ação. É a pior forma de pavimentar a estrada da direita.

Lula já assegurou seu lugar na história. Foi o fiador bem-sucedido de um novo projeto de país. Sob seu comando o Brasil cresceu, possibilitando o ataque imediato aos problemas de exclusão social, incorporando dezenas de milhões de brasileiros ao mundo do consumo. Sem abandonar a estabilidade, operou de forma consistente processos de redistribuição de renda que, contribuindo para a ampliação do mercado interno, tiveram função irradiadora sobre o conjunto da economia, incluindo tanto os setores de bens duráveis como os de bens de capital. Para quem ainda afirma que a equipe econômica nomeada pelo presidente seguiu à risca o modelo neoliberal defendido pelos ministros do governo anterior os números falam por si: o aumento real do salário mínimo, que subiu mais do que o triplo da inflação acumulada desde 2003 e a redução da relação dívida/PIB de 55,5% para 36,6%, enquanto que no governo FHC subiu de 30% para 55,5% são bons exemplos de ruptura.

Mas não podemos esquecer que a crise de 2005 enfraqueceu o partido que um dia se definiu como pós-comunista e pós-social-democrata. Não devemos esquecer que a ilusão de modificar a sociedade a partir do Estado foi o principal erro de uma direção que, descolada dos movimentos organizados, centralizou o poder e interditou o debate com outras tendências. Em artigo publicado na revista “Teoria e Debate”, o cientista político Fábio Wanderley afirmou que a reparação seria “incerta e será no mínimo demorada, envolvendo a difícil tarefa de juntar os cacos da fusão inédita que parecia haver na trajetória petista entre o vigor do capital simbólico e os fatores propícios à inserção realista e eficiente no processo político-eleitoral”.

E esse é um processo que ainda precisa ser superado. Para tanto o PT não pode mesmo se confundir com sua principal liderança que, na percepção do eleitorado, se autonomizou do partido. A legenda vive o dilema de não poder permanecer a reboque de Lula e muito menos a ele se opor em qualquer questão. Essa fragilidade revela o quê? Incapacidade de formulação estratégica? Ausência de novas lideranças carismáticas? Descolamento do pulsar dinâmico dos movimentos sociais, mananciais inesgotáveis de intelectuais orgânicos? Ou a conjunção de todos os fatores citados?

Ousar compor, durante o processo eleitoral, com setores que historicamente se situaram no campo oposto ao da esquerda democrática, foi um gesto de ousadia. Como bem destacou Plínio de Arruda Sampaio, em entrevista ao JB, em 2005: há plena consciência, em todos os setores da esquerda, de que o PT chegou ao governo, mas não ao poder”.

A interlocução com atores conservadores continua se fazendo necessária se queremos obter êxito no repactuamento reivindicado por amplos setores da sociedade civil. Isso é indiscutível. Mas, no interior desse bloco, cabe ao PT reafirmar seu papel de esquerda socialista. Compete a ele a interlocução privilegiada com o MST e outros movimentos organizados. Há uma reforma agrária por fazer, um latifúndio intocado e uma militância a ser reanimada através da práxis. Os segmentos pobres que apóiam o governo precisam de organização para não estagnar em um perigoso consenso passivo.

Resgatar um projeto hegemônico requer coragem para confrontar erros recentes. A ação da esquerda nos marcos do Estado de Direito deve conciliar a política institucional com a dinâmica dos movimentos sociais dos quais se origina. Lutar pela conjugação de forças dos mundos do trabalho e da cultura é imperativo. E, à luz de tudo por que passamos recentemente, aperfeiçoar mecanismos de controle do capital na esfera política. Por fim, reconhecer o “lulismo” como expressão de um momento vitorioso, mas que precisa ser superado dialeticamente e não vivido de forma messiânica.

Politicamente interessada na desestabilização do governo, a oposição, no entanto, sabe dos riscos e do alto grau de incerteza de um quadro de completa desagregação política. As declarações de líderes oposicionistas são sintomas desse desinteresse por uma corrosão completa do sistema político, indicando a preferência por trabalhar em um cenário com alguma previsibilidade. Para a grande imprensa o “pós-Lula” tem o odor de terra arrasada. De desconstrução de políticas públicas implementadas nos dois mandatos e de restabelecimento de uma agenda externa submissa aos interesses estadunidenses. Para enfrentar esse cenário, o PT precisará reiventar-se a partir de sua própria história.

Por Gilson Caroni Filho, que é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.

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“PT envelheceu internamente e precisa se revigorar”

O impulso inicial que deu vida ao PT e desembocou no governo Lula, se esgotou. O dinamismo, a referência hoje está no governo e não no PT. Este precisa revigorar-se social e ideologicamente, para voltar a desempenhar um papel importante no campo político e ideológico do país, que tem na conjuntura já aberta da sucessão presidencial a maior das suas batalhas contemporâneas. A análise é de Emir Sader.

O PT foi a maior esperança da esquerda brasileira – e talvez mundial, em um momento de esgotamento da esquerda tradicional. Depois de mais de duas décadas de existência, desembocou no governo Lula que, medido pela imagem ideológica que o partido tinha na sua fundação ou que exibiu na sua primeira década de vida, seria irreconhecível.

Não se trata agora de fazer uma breve história do partido e saber onde aquele fio original foi cortado e outro perfil foi se desenhando. Certamente ele tem a ver com a projeção da imagem de Lula, por cima e, de certa forma, de maneira independente do partido. Trata-se agora de tentar entender a situação em que se encontra o partido – paradoxalmente com um perfil político extremamente baixo, quando Lula exibe níveis recordes de apoio, de 80%. Em suma, o sucesso do governo não é o sucesso do PT, que ainda não saiu das duas crises que o envolveram nos últimos anos.

O PT sofreu dois duros golpes desde a vitória de Lula, em 2002. O primeiro, o perfil assumido pelo governo, com Palocci funcionando quase como um primeiro-ministro e impondo uma hegemonia neoliberal e continuísta ao governo. Tal como havia se configurado na parte final e decisiva da campanha eleitoral, se constituiu em torno de Lula um núcleo dirigente do governo, que tinha em dois dos arquitetos da vitória – Palocci, com a Carta aos brasileiros, e Duda, com o “Lulinha, paz e amor” -, referências fundamentais.

Palocci dava a linha geral, manejava os recursos, impunha – até mesmo a Lula – o discurso geral do governo. O PT presenciou tudo isso, ferido pela crise de expulsão e posterior saída de outros de seus membros, impotente. Não conseguir defender a reforma da previdência, que atentava contra tudo o que havia defendido, nem as orientações econômicas do duo Palocci-Meirelles, se defendia das posições de ultra-esquerda, que prenunciavam um caminho de isolamento, sectarismo e derrota.

Pouco tempo depois, quando o governo ainda não decolava, veio a chamada “crise do mensalão”, em um momento em que o partido ainda não tinha se refeito da primeira crise. Foram os piores anos da história do PT – 2003-2005. A imagem do partido foi revertida de partido ético, da transparência, para partido vinculado a negociatas e à corrupção, uma reversão da qual não conseguiu e dificilmente conseguirá sair. Apesar das eleições internas, que recuperaram um pouco da auto-estima, sem forjar uma nova direção com capacidade de redefinir o papel do PT e suas relações com o governo.

Lula e o governo se safaram da crise a partir dos efeitos das políticas sociais que se fortaleceram com as mudanças dentro do governo – especialmente a queda de Palocci e o enfraquecimento das suas orientações dentro do governo – e com o papel dinâmico que Dilma Rouseff passou a imprimir nas ações governamentais.

Mas, de alguma maneira o governo se safou com a crise exportada para o PT. A imagem que ficou foi a de que “os petistas” haviam cometido graves erros, que quase comprometeram irremediavelmente o governo Lula. E as acusações sobre José Dirceu e sobre os principais dirigentes partidários confirmavam essa versão. E o baixo perfil das direções posteriores, tanto a que foi eleita no PEC, quanto posteriormente pelo Congresso, foram na mesma direção, pelo baixo perfil dessas direções, pela falta de capacidade de iniciativa política e de mobilização da própria militância do PT.

O Congresso, ao invés de um grande balanço do primeiro governo de esquerda, conquistado ao longo das lutas de toda a história do PT, acabou sendo mais um acerto de contas entre as tendências sobre a crise do partido. Criticas à política econômica reafirmaram certo grau de independência diante do governo, mas em geral a avaliação deste e, sobretudo, as propostas para o segundo governo, não foram o centro do Congresso, desperdiçado para recuperar a capacidade de ação do PT.

No entanto, os problemas vêm de mais atrás e são mais profundos. A via moderada escolhida pelo PT já se assentava numa perda do peso da militância jovem e da militância social, marcante já no Congresso de 2000, realizado em Pernambuco. O partido perdeu capacidade de empolgar e mobilizar os que lutam ou poderiam ser despertados para a luta por um outro país, por “um outro mundo possível”. Uma parte destes trabalham em torno do MST ou de outros movimentos sociais, outros permanecem no PT, mas sem ímpeto de ação. O envelhecimento interno do partido é óbvio, não apenas na idade dos seus membros, mas também na falta de idéias, de criatividade, de alegria, de encarar os novos desafios com um rico e pluralista debate interno.

É como se o PT estivesse ainda sofrendo os efeitos de uma quase morte da experiência de governo, tivesse se safado por pouco, mas tivesse exaurido suas energias na sobrevivência, não voltando a ganhar ímpeto, criatividade, iniciativa, capacidade de liderança e, principalmente, de mobilização de novas camadas.

A elaboração de uma plataforma pós-neoliberal e o apoio decidido à organização das bases sociais pobres que apóiam substancialmente ao governo Lula – se constituem nas duas maiores tarefas que o PT tem que enfrentar, para se renovar, se revigorar. Encarar frontalmente o tema da plataforma com que vai lutar para o governo posterior ao de Lula e recompor suas bases sociais de apoio, na direção das grande massas do nordeste e das periferias das grandes metrópoles – onde residem os imensos bolsões de pobreza beneficiados pelas políticas sociais do governo – para reconquistar energia, capacidade de luta, de mobilização.

Porque o impulso inicial, o que deu vida ao PT e desembocou no governo Lula, se esgotou. O dinamismo, a referência hoje está no governo e não no PT. Este precisa revigorar-se social e ideologicamente, para voltar a desempenhar um papel importante no campo político e ideológico do país, que tem na conjuntura já aberta da sucessão presidencial a maior das suas batalhas contemporâneas. É uma nova grande possibilidade para o PT, onde se disputa o futuro do Brasil na primeira metade do século – na consolidação, correção de rumos, aprofundamento das linhas progressistas do governo atual ou no catastrófico retorno do bloco de direita ao governo.

O papel do PT será essencial se assumir a luta pelo cumprimento desses dois objetivos essenciais: formulação da plataforma pós-neoliberal para a campanha de 2010 e trabalho duro na organização das grandes camadas pobres que dão sustentação ao governo Lula.

Por Emir Sader.

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