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Por 12:43 Sem categoria

Nada além do trabalho

Com a crise econômica mundial, milhares de pessoas correm o risco de perder seus empregos e suas referências a curto e médio prazo. Nesse contexto, a noção de trabalho permanece como um ponto central na reflexão sobre a organização da sociedade e do bem-estar.

Em que medida os mecanismos utilizados pelos Estados e seus governantes serão suficientes para poupar ou pelo menos atenuar o impacto da atual crise econômica sobre a vida de milhares dos trabalhadores?

Várias respostas já foram formuladas em diferentes etapas e crises vividas pelo mundo moderno. Lembro aqui de pelo menos duas.

A primeira foi fornecida pelo sociólogo Claus Offe nos seus estudos sobre o papel do trabalho nas sociedades contemporâneas.

Para Offe, o papel fundamental do trabalho na definição e estruturação das identidades individuais e coletivas teria pouco a pouco se esvaziado, tendo em vista fatores como a organização taylorista do trabalho, os crescentes custos cobrados aos trabalhadores que perceberiam cada vez mais seus desejos e aspirações fora do espaço do trabalho e a precarização dos vínculos criados no mundo do trabalho devido à rotatividade e desemprego dos trabalhadores.

Já o escritor e ensaísta italiano Franco Berardi abordou inúmeros aspectos sobre as formas mais recentes de trabalho e seu significado no mundo contemporâneo. Berardi lembra que na estruturação do sistema produtivo capitalista o desejo e prazer foram cada vez mais sublimados e direcionados para a economia.

Houve ainda significativa parcela de prazer não-vivido que produziu muita tristeza e infelicidade.

Em vários momentos, esse desejo sublimado assumiu também formas libertárias, antiautoritárias, anárquicas e autônomas como ocorreu recentemente nos anos 60.

Entretanto, esse espírito inovador também acabou sendo redirecionado e apropriado pela economia capitalista, pois “menos do que qualquer outra época, podemos crer na abolição do capitalismo. O capital é uma modalidade de semiotização do mundo que impregnou irreversivelmente as formas cognitivas, os comportamentos, as expectativas, as motivações”.

Tais escritos são do início da atual década, após as manifestações dos primeiros sintomas da crise capitalista, aprofundada de forma mais drástica em 2008/2009.

A felicidade tão prometida pelo progresso da modernidade se traduziu na infelicidade da competição, da derrota e da culpabilidade. O empobrecimento simbólico e material decorrente de mais uma crise do capitalismo não é nenhuma surpresa.

Sem bússola ou leme, para Berardi, não sabemos para onde queremos ir. Ou melhor, os trabalhadores não têm para onde ir, a não ser para o mundo contingente e precário do trabalho, visto que com a rarefação dos laços comunitários, a deserotização da vida diária, o investimento no trabalho é único que permanece como certo e confirmador de algum tipo de individualidade.

Na atual crise do capital, os mecanismos adotados pelos Estados visam em sua maioria amenizar as possíveis perdas do empresariado.

Já os trabalhadores ficam cada vez mais reféns e amedrontados diante de um futuro incerto.

O trabalho permanece como central na definição das identidades coletivas e individuais.

Enfim, os trabalhadores não têm outro horizonte a não ser o trabalho e percebem que não há vida além do mundo do trabalho, mesmo que seja uma vida desrotizada, precária e sem fim.

O que se coloca no momento é de que forma os trabalhadores podem enfrentar o processo de pulverização política ocorrido nas últimas décadas e construir alternativas no âmbito do próprio sistema de produção capitalista.

É provável que não sejam as melhores alternativas, mas podem ser aquelas que gerarão menos sofrimento e algum sentido para milhares de trabalhadores e abram espaço para questionamentos sobre a reestruturação e o fortalecimento do capital.

Por Maria Lúcia de Santana Braga, que é socióloga e doutora em Sociologia, é colaboradora do Diap. E-mail: mluciabraga@uol.com.br. Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

Notas:
Conferir Claus OFFE. Trabalho e sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, vol. 1, 1989.

Conferir Franco Berardi. A fábrica da infelicidade: trabalho cognitivo e crise da new economy. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2005, p.35.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.diap.org.br.

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