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Sem colarinho, a espuma mercantil da publicidade

Até que ponto a publicidade, mais do que produtos, vende relações capitalistas que precarizam a vida? Se técnicas de apelo pela imagem, música e embalagem fazem parte da estética da mercadoria, qual a singularidade possível para indivíduos que são validados unicamente por sua capacidade de se definir como consumidores do fetiche?

Os artigos de Emir Sader e Eduardo Galeano, publicados recentemente em Carta Maior, reacenderam um velho debate. Até que ponto a publicidade, mais do que produtos, vende relações capitalistas que precarizam a vida? Não é o caso de pensarmos o marketing apenas como artifício de venda, mas como elemento estruturador de controle social. Se técnicas de apelo pela imagem, música e embalagem fazem parte da estética da mercadoria, qual a singularidade possível para indivíduos que são validados unicamente por sua capacidade de se definir como consumidores do fetiche? Como compradores encantados de produtos que lhes parecem sobre-humanos, destituídos de história.

Há cinco anos, o fascínio do produto sobre o produtor, “a velha consciência invertida de uma realidade invertida” de que nos falou o materialismo histórico, ocupou páginas e telas. Sorrateiramente o discurso publicitário apresentou o estatuto ontológico do homem no consumo espetacular; seu discurso de palavras evanescentes, entrecortadas pelo vazio mercantil. É importante voltar no tempo e resgatar o episódio.

“Corações e Mentes” é o título de um documentário sobre a guerra do Vietnã, exibido nos anos 1970. Fosse produzido no início do século 21, em solo brasileiro, talvez retratasse outro embate: o da guerra das cervejas.
Tudo começou, naquele início de 2004, quando um sambista “abandonou” sua marca preferida de cerveja (Brahma) pela concorrente (Schincariol), aconselhou aos demais a fazerem o mesmo e, sob irrecusáveis três milhões de reais, mudou de opinião e voltou à predileção inicial. A trama, aparentemente banal, é por demais significativa para ser ignorada por quem se propõe a analisar o discurso noticioso em suas interações com o marketing.

Campo tensional por excelência, jornalismo e publicidade sempre viveram uma relação de complementaridade conflitante. Se a convivência era necessária, em que momento haveria o risco de um vir a ser confundido com o outro? Quando o discurso noticioso, despido de suas fantasias de objetividade e isenção, tomaria o fato publicitário como objeto jornalístico? E mais, ainda, o roteirizariam como um caso de amor, tal como pretendiam os anunciantes?

O amor romântico, concebido na renascença, não envolve apenas o casal enamorado. Cala fundo no imaginário e enlaça a todos nas juras, desditas e desventuras dos amantes. A empatia da narrativa folhetinesca prende a respiração de quem a lê ou ouve. Impossível ficar indiferente. Afinal, sejamos sinceros, quem nunca teve um amor de verão? Tão insensato quanto fugaz, até encontrar aquele que, por ser o verdadeiro, redefine sentidos e restitui a inteireza afetiva do apaixonado.

A trama do sambista e da cerveja que envolveu o noticiário conteve todos os ingredientes requeridos pelo gênero: traição, arrependimento, reconciliação e imprecações da amante abandonada. Ocupou espaços generosos nas primeiras páginas dos principais jornais, produziu reflexões supostamente éticas em colunistas entediados e análises formuladas a partir de várias angulações. Grosso modo podemos dizer que, ao longo de um trimestre, Zeca Pagodinho não mais experimentava a Ambev o espremia, a Schin espanava e a imprensa espumava. Subsumido pelo marketing que parece anunciar o fim da intermediação, o jornalismo se assumia como apêndice.

Talvez tais episódios reflitam um processo mais amplo. O fetichismo da mercadoria que alcança o campo jornalístico não é um acontecimento súbito. Basta uma leitura rápida nas editorias de economia para observar a qualidade da análise produzida pelos articulistas mais renomados, bem como o tratamento dispensado ao noticiário macroeconômico. Índices e categorias são tratadas como manifestações concretas, explicáveis per si, dispensando qualquer referência ao contexto histórico em que são produzidas.

Seria o caso de relembrar dois alertas de Marx: “As categorias econômicas não são mais que abstrações das relações sociais”; ou, quando se refere à fraude de economia burguesa que se pretendia natural, denuncia economistas que percebem as leis econômicas como “leis eternas que devem reger sempre a sociedade. De modo que até agora houve história, mas agora já não há”(Miséria da Filosofia).

Há mais de 150 anos, o materialismo histórico prenunciava o surgimento do pensamento único. Se alguém pretende ler uma coluna, que, sob um pretenso didatismo, nada mais faz que entronizar os axiomas do capitalismo financeiro, deve, por exemplo, visitar “Panorama Econômico” do jornal O Globo. Desconfiem da clareza do texto de Miriam Leitão. Às vezes simplicidade implica simplificação grosseira. Renúncia à análise e entrega do espaço a consultores de corporações e grandes bancos. Tudo estupidamente gelado.

Não há como ignorar que a ética que preside a produção capitalista é o lucro. Se considerarmos mercadoria tudo o que tem valor de uso e de troca, terá muito sentido cobrar das partes envolvidas posicionamentos que colidam com a lei do valor? Numa esfera em que os homens se coisificam e as coisas se humanizam, Zeca Pagodinho, Schin e Brahma puderam enfim se amar (ainda que dure uma estação), trair, e urdirem vinganças (na resposta da Schin, um homem afirmava que por 3 milhões de reais faria qualquer coisa) sem qualquer problema de ordem moral.

Já vivemos o amor de Romeu e Julieta e Tristão e Isolda. Ambos denunciavam a intolerância. Hoje, o amor possível, um dos poucos a agregar valor, parece ser o do pagodeiro pela sua cerveja. Aguardemos os próximos capítulos que nos serão servidos pelas campanhas veiculadas em jornais, revistas e televisão. Com precisão, riqueza de detalhes e colarinho.

Por Gilson Caroni Filho, que é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil.

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Ética contra a publicidade

As novas regras de publicidade impedem que pessoas consideradas celebridades façam propaganda de remédios vendidos sem receita. É o mínimo de defesa dos cidadãos que se pode estabelecer. Se coloca em questão, pela primeira vez, uma das expressões mais instrumentalizadoras de personagens tornados famosos pela mídia, para vender qualquer tipo de produto.

Me lembro perfeitamente das publicidades milionárias do governo FHC para privatizar a Vale do Rio Doce, feitas por Raul Cortez. Um artista que conquistou fama por seu meritório trabalho no teatro e por um muito menos em telenovelas da Globo, se valia da empatia com sua imagem, para vender a privatização da maior empresa do seu ramo no mundo, com argumentos que se revelaram totalmente falazes com o passar do tempo.

Da mesma forma outros artistas ou esportistas vendem, a preço de ouro, suas imagens, para promover a comercialização de mortadelas, apartamentos, carros, bancos, cervejas, entre tantas outras mercadorias. O que tem a ver a imagem de cada um deles com os produtos que anunciam? Não são nem sequer suas preferências pessoais. Veja-se como Zeca Pagodinho anunciou uma cerveja que se conhecia não ser da sua preferência, mas que lhe pagou mais. Depois voltou àquela que prefere, não por ter mudado de marca, mas por uma oferta publicitária maior.

Em vários países escandinavos é proibida qualquer publicidade nos horários prioritários das crianças verem televisão, por considerar que elas são excessivamente frágeis, indefesas, diante da agressividade das ofertas das mercadorias que lhes são oferecidas pela televisão. Enquanto que o mercado deita e rola encima das crianças, um nicho de mercado bombardeado com comidas, roupas, celulares, entre tantas outras coisas.

A mercantilização da vida se propaga através da publicidade, veiculada de forma privilegiada pela televisão. Vale tudo para vender. Um conhecido publicitário brasileiro disse, com toda sinceridade, que a publicidade não tem ética. Dêem-me um produto e eu encontrarei a fórmula de dizer que é bom para as pessoas, que vale a pena comprá-lo. O sucesso de vendas de um produto não está na aceitação das pessoas, no reconhecimento das suas qualidades, mas no mérito das campanhas que o promovem. Da mesma forma que se diz que um processo na Justiça não é ganho por quem é inocente, mas por quem disponde do melhor advogado. Isso se estende às eleições, em que os marqueteiros passaram a ser mais importantes do que as plataformas que os candidatos defendem.

O marketing, a publicidade, são expressões da concepção de mundo que buscar mercantilizar a tudo, que trata de que tudo tenha preço, tudo se venda, tudo se compre, da visão da sociedade como uma espécie de shopping-center, da vitória do mercado contra o direito.

Democratizar é desmercantilizar, é afirmar direitos e a esfera pública contra o reino do mercado e do marketing.

Por Emir Sader.

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A palavra e a publicidade

Se você busca a verdade, beba a cerveja Heineken. Quer autenticidade? Fume cigarros Winston. Busca a rebeldia? Compre uma máquina Canon. Está inconformado com a situação do mundo? Coma um hambúrguer da Burger King. Deseja afirmar sua personalidade? Use um cartão Visa. Quer defender o meio ambiente? Espelhe-se no exemplo da Shell. Hoje em dia, a publicidade tem a seu cargo o dicionário da linguagem universal. Se ela, a publicidade, fosse Pinóquio, seu nariz daria várias voltas ao mundo. O texto é de Eduardo Galeano.

Hoje em dia, a publicidade tem a seu cargo o dicionário da linguagem universal. Se ela, a publicidade, fosse Pinóquio, seu nariz daria várias voltas ao mundo.

“Busque a verdade”: a verdade está na cerveja Heineken.

“Você deve apreciar a autenticidade em todas suas formas”: a autenticidade fumega nos cigarros Winston.

Os tênis Converse são solidários e a nova câmara fotográfica da Canon se chama Rebelde: “Para que você mostre do que é capaz”.

No novo universo da computação, a empresa Oracle proclama a revolução: “A revolução está em nosso destino”. A Microsoft convida ao heroísmo: “Podemos ser heróis”. A Apple propõe a liberdade: “Pense diferente”.

Comendo hambúrgueres Burger King, você pode manifestar seu inconformismo: “Às vezes é preciso rasgar as regras”.

Contra a inibição, Kodak, que “fotografa sem limites”.

A resposta está nos cartões de crédito Diners: “A resposta correta em qualquer idioma”. Os cartões Visa afirmam a personalidade: “Eu posso”.

Os automóveis Rover permitem que “você expresse sua potência”, e a empresa Ford gostaria que “a vida estivesse tão bem feita” quanto seu último modelo.

Não há melhor amiga da natureza do que a empresa petrolífera Shell: “Nossa prioridade é a proteção do meio ambiente”.

Os perfumes Givenchy dão eternidade; os perfumes dão eternidade; os perfumes Dior, evasão; os lenços Hermès, sonhos e lendas.

Que não sabe que a chispa da vida se acende para quem bebe Coca-Cola?

Se você quer saber, fotocópias Xerox, “para compartilhar o conhecimento”.

Contra a dúvida, os desodorantes Gillette: “Para você se sentir seguro de si mesmo”.

Por Eduardo Galeano.

ARTIGOS COLHIDOS NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

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