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Ainda as analogias com o governo Lula

Os argumentos teóricos de alguns setores da esquerda, contrários ao governo Lula, reconhecem que nesse governo o Estado não é somente financiador e investidor, mas também instrumento provedor de políticas sociais, sobretudo de mitigação da pobreza.

Eles também reconhecem que, ao contrário da política exterior raquítica do governo FHC, a política internacional de Lula caracteriza-se pelo reposicionamento do Brasil na geopolítica mundial. Tal reposicionamento teria elevado o Brasil à condição de potência e o transformado num player global. Ainda segundo eles, com Lula o país teria se tornado uma nação estratégica no continente latino-americano, fazendo-se ouvir nos grandes fóruns internacionais. De mero coadjuvante, o Brasil teria passado a importante protagonista nos debates mundiais.

Por outro lado, aqueles argumentos teóricos sustentam que a política interna de Lula, embora se contrapondo à hegemonia da aliança tucano-pefelista, mas secundada pelo adesismo peemedebista, transformou seu governo no tertius da luta de classes. Isto é, conciliador de classes, absorvendo as representações corporativas de trabalhadores e empresários, mediando e administrando interesses conflitantes.

Aqui, limitam-se a fazer analogia do governo Lula com o governo FHC. Asseguram que Lula manteve a macroeconomia do governo anterior, tendo como pilares a disciplina fiscal e monetária. Neste sentido, os sinais seriam abundantes: aumento na taxa de juros, aumento do superávit primário, cortes no orçamento que atingiram a área social, renovação do acordo com o FMI etc. etc.

Assim, a expectativa da chegada de Lula ao poder, que deveria refundar o Brasil, dar início a uma nova era, reagir ao Consenso de Washington, trilhar caminhos diferentes da ortodoxia neoliberal e retomar um projeto de nação, de caráter nacional popular, teria sido frustrada desde a guinada da Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, que reafirmara o compromisso em honrar os pagamentos aos credores.

Esses argumentos teóricos pecam, preliminarmente, em dissociar a política externa da interna e colocar as expectativas fora do contexto. Qual era a real correlação de forças que poderia levar Lula e o PT, não ao poder, mas apenas ao governo? Só os sonhadores, desligados da realidade social e política do país, poderiam supor que a vitória eleitoral de Lula propiciaria uma refundação do Brasil. Aliás, o próprio uso do conceito de refundação demonstra alienação diante da evolução e do desenvolvimento histórico.

A vitória de Lula começou a se delinear já em 2000, não pela ascensão das mobilizações e lutas sociais, mas pelo aprofundamento das divisões no seio da burguesia, diante do estrago que a política neoliberal de recomposição patrimonial da riqueza brasileira causava a grandes parcelas das burguesias industrial e comercial e das pequenas burguesias urbana e rural.

Portanto, a tática política que poderia levar à vitória eleitoral de Lula teria que considerar seriamente a aliança com esses setores da burguesia. Por um lado, para isolar a grande burguesia, especialmente seu setor financeiro. Por outro, para fazer com que a burguesia afrouxasse sua hegemonia ideológica histórica sobre grandes parcelas populares, deixando momentaneamente de lado seu mote de que um operário seria incapaz de governar o país.

Em outras palavras, falando francamente, Lula chegou ao governo não só porque a burguesia estava dividida, mas porque uma parte dela saiu da neutralidade e o apoiou, permitindo-lhe cravar com mais facilidade, nas mentes e corações da grande massa popular do país, a idéia de que alguém, com mente e coração iguais, poderia governar e fazer muito mais por ela e pelo país.

Achar que isso não imporia um preço à vitória é pensamento típico de idealistas que desdenham a realidade. Para piorar, a burguesia financeira nacional e internacional deu indicações de que estava disposta a retaliar seriamente, caso Lula seguisse os conselhos de refundar o país, não pagar aos credores etc. etc. Subestimar o poderio e a capacidade desse setor da burguesia, e pagar para ver, talvez não fosse a atitude tática mais adequada. A Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, foi um recuo tático e o preço pago para não correr tal risco.

É evidente que, também em política, só se resolve um problema criando dois ou mais. Os recuos programáticos e as alianças levaram à incorporação de aliados duvidosos a postos chaves do governo, e alguns petistas tomaram o recuo tático como estratégico, causando ainda maiores dificuldades para a retomada da iniciativa política.

Neste sentido, alguns sinais de continuísmo foram realmente abundantes. O Banco Central continuou utilizando as taxas de juros como instrumento de controle, não só da inflação, mas também de qualquer tentativa de crescimento. O superávit primário manteve o sistema financeiro tranqüilo, mas impediu a elevação da taxa de investimento. Cortes no orçamento atingiram algumas áreas sociais, penalizando principalmente setores médios da população. E a renovação do acordo com o FMI foi uma indicação de que o governo não pretendia confrontos com o sistema financeiro internacional.

No entanto, também havia sinais de que o governo Lula trabalhava para realizar uma inflexão de rota, embora de forma silenciosa e paulatina, e evitando confrontos. Alguns desses sinais já eram evidentes no programa contra a fome, na retomada do planejamento, nos esforços para realizar investimentos estatais e configurar uma política industrial, na diversificação das parcerias econômicas e políticas internacionais, na política de integração sul-americana e na firmeza de contrapor-se às tentativas de criminalização dos movimentos sociais.

Os teóricos de diferentes procedências desprezaram tais sinais, simplesmente porque jogariam por terra a analogia com o governo FHC. Porém, o que mais impressiona é que, mesmo com tais sinais de mudança de rota suficientemente evidentes, os argumentos daquelas parcelas da esquerda continuem dando ênfase a sinais de continuidade que já foram superados, ou estão em processo de superação.

Por Wladimir Pomar, que é analista político e escritor.

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Analogias com o governo Lula

Alguns setores da esquerda, na tentativa de justificar sua oposição ao governo Lula, fazem longa fundamentação teórica de sua postura, partindo do pressuposto de que o período do governo Lula provavelmente será marcado, no futuro, como a segunda revolução silenciosa da história brasileira.

A primeira teria sido capitaneada pelo governo FHC, caracterizada pelo desmonte da Era Vargas, na brutal transferência de ativos do Estado para o mercado e a inserção subordinada à economia internacional. Já a revolução silenciosa de Lula teria como característica a retomada do nacional-desenvolvimentismo. Isto, por um lado utilizando o Estado como instrumento financiador de grupos privados em setores estratégicos, principalmente através do BNDES. Por outro, utilizando o Estado como instrumento investidor, em obras de infra-estrutura.

O nacional-desenvolvimentismo de Lula seria diferente do de Vargas, porque o Estado de Vargas seria o proprietário das empresas, enquanto que, com Lula, o Estado seria apenas alavanca para criar gigantes privados, que tenham capacidade de disputa no mercado interno e internacional. Nesse sentido, o período de Lula se assemelharia mais ao de JK, entre 1956 e 1961, quando o Estado teria se prestado, antes de tudo, ao fortalecimento do capital privado.

Ainda segundo essa argumentação, teria sido no governo JK que ocorrera a formação do tripé Estado, empresas estrangeiras e empresas nacionais. Neste tripé, teria ficado por conta do Estado responder às demandas de infra-estrutura, para atender aos interesses dos capitais privados nacional e transnacional.

Essa análise analógica peca por alguns deslizes históricos. Supor que o tripé Estado, empresas estrangeiras e empresas nacionais é uma criação do período JK é ignorar o que verdadeiramente foi o governo Vargas no processo de industrialização capitalista no Brasil. A aliança entre os capitais estatais, privados nacionais e privados estrangeiros foi uma criação varguista, aproveitando as contradições do capitalismo mundial, que desembocaram na II Guerra Mundial.

Vargas não criou apenas empresas estatais, como faz crer a análise. Embora o Estado varguista tenha sido instrumento investidor e proprietário, tanto na produção de insumos estratégicos, como aço, quanto na construção da infra-estrutura, ele também foi instrumento investidor na criação de grandes grupos privados, alguns dos quais continuam presentes ainda hoje, como o Votorantim, dos Ermírio de Moraes. Criar diferenças entre o nacional-desenvolvimentismo de Vargas e de Lula, pelo menos nesta questão, é o mesmo que criar pelo em ovo.

A aliança tripartite de capitais estatais e privados, nacionais e estrangeiros, manteve-se no período JK. A diferença entre o período JK e o período Vargas, em relação a esse aspecto, é que no período Vargas essa aliança foi feita num contexto em que o capital dos países industrializados ainda não havia alcançado um excedente que lhe empurrasse a instalar plantas produtivas em países periféricos.

O governo Vargas teve que utilizar uma grande dose de barganha e chantagem para que o capital norte-americano, no contexto de uma guerra mundial, fosse induzido, por seu Estado, a investir no exterior. No período JK, o capital dos países industrializados já produzia excedentes que precisavam ser exportados. Para manter crescente a taxa média de lucro, viam-se constrangidos a aproveitar-se das vantagens de custos inferiores de mão-de-obra, matérias-primas e outros fatores existentes nos países periféricos.

JK aproveitou-se desse novo contexto internacional para realizar aquilo que chamou de crescimento de 50 anos em 5. Seu período também continuou marcado pela aliança entre os três tipos de capitais, e seu Estado foi tanto financiador dos capitais estatais e privados quanto investidor em infra-estrutura e em empresas produtivas. É evidente que no período JK a participação do capital estrangeiro cresceu significativamente, mas a aliança tripartite se manteve como estrutura básica do capitalismo nacional.

Portanto, os contextos históricos dos períodos Vargas e JK são diferentes, mas o nacional-desenvolvimentismo de ambos guarda mais similaridades básicas do que diferenças. Do ponto de vista estrito da reestruturação capitalista interna, o mesmo pode ser dito do período do regime militar. Nesta época, de triste memória, a participação do capital privado estrangeiro cresceu muito, mas o mesmo aconteceu com a participação do capital estatal. Neste caso, paradoxalmente, em sentido inverso ao que a própria burguesia esperava.

A era FHC não foi apenas uma tentativa de desmonte da era Vargas. Foi a tentativa mais profunda de rompimento com qualquer veleidade nacional-desenvolvimentista, num contexto internacional de formação e ofensiva dos capitais corporativos internacionais. Melhor seria chamá-la de contra-revolução escrachada, nada silenciosa. Tudo na ilusão colonizada da invencibilidade unipolar norte-americana e do capital corporativo, e da inevitabilidade da inserção subordinada dos povos de todo o mundo a ambos.

Assim, se é correto fazer analogias do governo Lula com os períodos históricos anteriores, é adequado que não se distorça a história para criar teorias que justifiquem posições políticas. Mesmo porque, em tais casos, são sempre os criadores dessas teorias os maiores prejudicados diante da própria história.

Por Wladimir Pomar, que é analista político e escritor.

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Revolução?

Pelo andar da carruagem, parece que a campanha de 2010 voltará a assistir baixarias da pior espécie. Talvez a utilização do caso Lurian-Mirian Cordeiro, em 1989, se torne brincadeira infantil diante do tipo de acusação assacada por Folha de São Paulo-César Benjamin contra Lula. Sem bandeira, a direita parece disposta a ultrapassar todos os limites, na mesma suposição de Goebbels de que uma mentira, repetida mil vezes, se transforme em verdade.

Enquanto uma parte da esquerda flerta com essa aventura de viés fascista, outra amacia a crítica ao período FHC, caracterizando-o como revolução silenciosa. Para compreender o caráter do que chama de nova revolução silenciosa do governo Lula, essa parte da esquerda considera essencial entender os anos dourados do neoliberalismo, que tiveram por base as políticas de liberalização, privatização e desregulação, propugnadas pelo Consenso de Washington e aplicadas pelo FMI e Banco Mundial. Segundo ela, para combater a crise de recessão e desemprego, que se espraiara pelo mundo nos anos 1980.

Ainda segundo essa análise, a revolução silenciosa de FHC, cujo maior mote foi “o Estado é mau gestor” e “o Mercado tudo resolve”, teve como eixos as reformas estruturais nas contas públicas, impondo a disciplina fiscal, no comércio externo, abrindo o mercado doméstico aos produtos e investimentos estrangeiros no Estado, retirando-o das atividades econômicas através das privatizações, e também na desregulação trabalhista, através da flexibilização das leis do trabalho.

Para início de conversa, cabe o reparo sobre as razões do Consenso de Washington. Ele não foi costurado para combater a crise de recessão e desemprego, mas para elevar a taxa média de lucro das corporações transnacionais, mesmo que isto aprofundasse a recessão e o desemprego nas economias nacionais. As políticas de liberalização, privatização e desregulação, aplicadas com denodo por FHC, tinham esse caráter preciso.

É verdade que, como todo contra-revolucionário, FHC procurou chamar sua agenda neoliberal de revolução silenciosa. Se os golpistas de 1964 chamaram sua contra-revolução de revolução redentora, por que FHC não teria o direito de fazer o mesmo? No entanto, quando uma parte da esquerda aceita chamar uma contra-revolução de revolução, isso apenas pode significar que ela não leva a sério o conteúdo desses conceitos.

Em relação à era FHC, José Luiz Fiori tinha razão em dizer que houve “uma imensa recomposição patrimonial da riqueza brasileira, (…) movida por uma transferência gigantesca de riqueza ou privatização de riqueza”. Francisco de Oliveira também estava certo ao afirmar que se assistiu à criação de “uma nova burguesia no país” e que “o governo perdeu boa parte da capacidade que tinha de distribuir favores no Estado entre seus aliados”. Portanto, o que a contra-revolução de FHC realizou foi uma brutal reorganização do capitalismo brasileiro, reduzindo a participação do capital estatal na economia.

Para o tucanato, o tripé que sustentava o capitalismo desde a era Vargas (capital estatal, capital privado nacional e capital privado estrangeiro), deveria tornar-se um bipé com elefantíase, tendo o capital estrangeiro como principal. Ao Estado caberia apenas o papel de facilitador da relocalização empresarial, ao mesmo tempo em que fingia ser regulador e compensador dos desequilíbrios sociais. Nessas condições, supor que os tucanos apoiavam as políticas neoliberais por acreditarem que esta seria a condição necessária para o crescimento econômico e a inserção competitiva no mercado internacional é o mesmo que acreditar em fadas.

Os tucanos e seus associados, do mesmo modo que todos os segmentos sociais e políticos que, em qualquer época, apoiaram a colonização de seu país por invasores estrangeiros, na verdade acreditavam que o neoliberalismo era a salvação de seu grupo particular. Muitos membros desse grupo se transformaram em parte daquela nova burguesia, resultante da recomposição patrimonial da riqueza. Confundir interesses particulares com interesses nacionais é erro primário.

Na era FHC o problema não foi somente que o Estado tenha deixado de ser o principal indutor da economia e delegado este papel para o mercado. Ou que ele tenha desregulado, quebrado monopólios, vendido empresas estatais e tentado desmontar a CLT. Ou, ainda, que o país tenha se tornado “o paraíso para investimentos internacionais” e que os movimentos sociais tenham passado a ser criminalizados e desqualificados como forças reacionárias contrárias à modernização.

Esse tipo de lista genérica esconde o conteúdo de cada um desses atos. Na verdade, ocorreu uma tentativa criminosa de quebrar o Estado e transformá-lo no principal freio ao desenvolvimento econômico. Ele quebrou somente monopólios estatais, enquanto estimulava a monopolização e a oligopolização privada. A pretensa venda de empresas estatais foi, em geral, uma transferência nebulosa de ativos públicos para o setor privado estrangeiro e nacional, quase no estilo mafioso russo. E os investimentos estrangeiros vieram apenas para lucrar nesses negócios escusos e no cassino das bolsas de valores, ou para fechar indústrias concorrentes.

Nessas condições, os anos FHC não foram uma década perdida para seus autores, nem um fracasso para a inserção subordinada do país na economia internacional. Eles conseguiram legar às gerações futuras uma herança contra-revolucionária extremamente complexa, com um Estado quase desmontado, incapaz de planejar e projetar, e com visões econômicas ainda fortes, para as quais políticas industriais estão fora de moda, crescimento e consumo sempre geram inflação e elevar a renda dos pobres é populismo.

Essa caminhada só foi momentaneamente paralisada porque os resultados de seu programa de governo introduziram uma cunha profunda na massa da burguesia, ao beneficiarem somente a um pequeno setor dessa classe, e porque os movimentos populares souberam aproveitar-se das contradições no meio da burguesia para derrotar eleitoralmente aquele setor.

Assim, a rigor, ao invés de revolução silenciosa de FHC, o que ocorreu foi uma contra-revolução inacabada. E, no caso da vitória de Lula, ela foi, no máximo, uma revolução cultural, o que já é muito para um país em que a hegemonia ideológica e política das classes dominantes ainda é avassaladora.

Por Wladimir Pomar, que é analista político e escritor.

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