fetec@fetecpr.com.br | (41) 3322-9885 | (41) 3324-5636

Por 22:40 Sem categoria

O governo Lula e a ideologia das classes sociais

O governo Lula e a ideologia das classes sociais (II)

É erro grave que o respeito de amplas massas por um líder vindo de suas entranhas e que tem sido capaz de construir, com políticas públicas, um novo ambiente econômico e social para o desenvolvimento de milhões, seja entendido como uma ameaça populista.

Em meus breves comentários no primeiro artigo desta série, chamei atenção para o perigo conceitual que representa imaginar-se que todos os pobres sejam sub-proletários, no sentido clássico. Parto, portanto, do princípio de que muitos dos que, situados nos andares de baixo da sociedade, embora não se enquadrem nos grupos “organizados” da mesma, longe estão da situação clássica de serem despolitizados, inorgânicos, ávidos por serem liderados por um messias.

Pois bem, gostaria de explorar um pouco alguns outros conceitos presentes no texto que sintetiza o trabalho de André Singer. Comecemos pela idéia de que Lula optou por um caminho conservador, vindo de iniciativas tomadas de cima para baixo, abraçando a política neoliberal macroeconômica de FHC e, para compensar tudo isso, tomou iniciativas que promoveram a ascensão social dos mais pobres, mas não no caminho revolucionário da ruptura por baixo, e sim pela via sancionada do acesso ao mercado, deus supremo do modelo capitalista.

Começo lembrando que o Consenso de Washington pugnava que o Estado fosse mínimo, se retirasse do mercado, deixasse-o resolver tudo. Defendia a privatização das empresas estatais, inclusive as prestadoras de serviços (como os bancos). Defendia não ser necessárias políticas de proteção social de massa, mas apenas algumas intervenções focadas em pontos críticos. Combatia subsídios, embora os países centrais os praticassem. Além do consenso, mas coerente com ele, seus adeptos queriam que tivéssemos (e tivemos), uma política exterior subordinada ao nosso maior parceiro comercial, que deveria estar no centro de nossa estratégia de comércio exterior a partir da nossa adesão a ALCA. E por aí vai.

Quando vejo a decisão de não privatizar a Caixa, a Petrobrás e o BB. De fabricar aqui as nossas plataformas de petróleo. De não vender as áreas produtoras do pré-sal. De ter uma política de massa visando o fortalecimento econômico dos mais pobres e não apenas focal, vejo um governo cujas ações centrais divergiram, no âmago, do receituário liberal. Entender que a manutenção do superávit primário, das metas de inflação e do respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) significa abraçar a política macroeconômica de FHC, é não só exagero, mas equívoco histórico.

Em que manual está escrito que ter uma lei de responsabilidade fiscal é algo conservador? Por que não supor que nós, do PT, antes de chegarmos ao poder, não enxergávamos que, para governar, seja uma bodega, um orçamento doméstico, um município, um estado ou um país é necessário equilíbrio entre gastos e receitas, no presente e ao longo do tempo? Desde quando tabelar preços é de esquerda e controlar gastos correntes é de direita?

Falemos de ruptura. Um governo do PT teria que ser de ruptura. Que ruptura? Romper o que, com quem e para que? Romper com os princípios do capitalismo apoiando-se nas massas organizadas do proletariado (e na intelectualidade progressista), visando implantar o socialismo? Qual o modelo de socialismo que, então, iríamos implantar? O cubano ou o chinês? Se for o chinês, teríamos que revogar os direitos trabalhistas hoje vigentes. E se fosse o cubano, teríamos que arrumar um jeito de reduzir os partidos a um só, Deus sabe como.

Considero-me socialista e entendo que o desafio que a história nos coloca no Brasil é o de construir um caminho democrático para a consolidação de um sistema econômico, político e social onde o interesse coletivo cada vez mais se imponha sobre o interesse individual. Categorias como propriedade privada, lucro e salários, não se transformam por decreto. São categorias sociais que, para cederem espaço a outras, de novo conteúdo, e que reflitam uma nova ordem social, política, econômica e ideológica, haverão de passar, por longos caminhos, que nossa capacidade de prever, tão limitada, longe está de alcançar.

O documento de Singer, ao procurar contrapor a “nova política do Lula” ao que deveria ser um governo de esquerda, anunciando a chegada de um novo ciclo populista no país, esquece-se de apontar as limitações reais do governo Lula.

A tal política macroeconômica, ao permitir que o BACEN e o Copon definam juros à luz, fundamentalmente, da ótica do mercado financeiro, relegando a segundo plano fatores como investimento, emprego e equilíbrio social, mantém um viés que precisa ser combatido, não com a retórica fácil de que o financeiro deva ser substituído pelo social, mas de que o país precisa encontrar uma nova gestão macroeconômica onde as decisões sejam tomadas por colegiado não só responsável mas que reflita interesses não só do mercado financeiro, mas do mundo da produção e do trabalho. Tremendo desafio, não só tecnicamente difícil, mas também politicamente.

Tenho dificuldade de entender um novo líder populista opondo-se a muitos de seu partido e na contramão de amplos segmentos da população, contrariando o desejo deles vê-lo reeleito pela terceira vez. O sociólogo democrata sucumbiu ao canto da sereia e deu o golpe branco da reeleição. O que seria um aprendiz de populista negou-se a repetir o feito.

É erro grave que o respeito de amplas massas por um líder vindo de suas entranhas e que tem sido capaz de construir, com políticas públicas, um novo ambiente econômico e social para o desenvolvimento de milhões, seja entendido como uma ameaça populista. É urgente combater, isto sim, o sectarismo ideológico e a incapacidade política de todos os que, à esquerda, se neguem a reconhecer que este novo espaço nos confere imensas oportunidades e a responsabilidade de termos de construir, ai sim, de baixo para cima, um país mais democrático. Ou não somos todos nós, construtores do futuro?

Por Pedro Eugênio, que é deputado federal pelo PT de Pernambuco, mestre em economia e professor da UFPE.

=================================================

O governo Lula e a ideologia das classes sociais (I)

Deveríamos é rever os conceitos clássicos que nos guiaram por tanto tempo aceitando o desafio de conhecer melhor nossa realidade. Fazer esta grande massa ascender socialmente talvez seja mais revolucionário do que possa parecer.

Lendo o texto produzido pela revista Novos Estudos – Cebrap, nº 85, que resume trabalho de André Singer, denominado “Raízes Sociais e Ideológicas do Lulismo” fiquei tentado a opinar. Tendo sido acadêmico durante alguns anos e tendo deixado a universidade para ingressar na política real, na verdade nunca deixei de lado a veleidade de agir a partir da formulação de idéias estruturantes da atividade política.
Vem daí meu interesse em colocar minha colher nesta panela em que se cozinham conceitos que mexem com a ação dos que querem agir para transformar – para melhor, é claro – nosso espaço social.

Iniciarei neste artigo uma série de comentários que pretendo ir produzindo sobre o assunto. Comecemos pela questão dos sub-proletários. É verdade que a base social do eleitorado do presidente Lula passou de segmentos da classe média de esquerda, principalmente funcionários públicos sindicalizados e de operários organizados para faixas mais pobres e desorganizadas da população. Quem são estes sub-proletários, tenho cá minhas dúvidas e quero conceituá-las (as dúvidas). Vejamos: o mundo do trabalho descrito por Marx e Engels era o dos primórdios do capitalismo industrial. Ali os pobres que sobravam das fábricas eram reserva de trabalho (o chamado “exército industrial de reserva”) que tinha, no esquema de Marx, uma funcionalidade clara, qual seja a de deprimir o preço do trabalho – o salário.

Subclasse em todos os sentidos, estas hordas de marginalizados – o lumpenproletariado, não tem ideologia, caráter, capacidade organizativa. Pergunto se este esquema é capaz de explicar a natureza política e ideológica de nossos pobres. Ando muito pelo campo, tenho muito contacto com os trabalhadores rurais nordestinos. É gente muito politizada. Organizada nos seus sindicatos ou nos movimentos sociais. Não são desempregados. Não moram em favelas nem debaixo das pontes. Acredito, que, pela renda baixíssima deste segmento social eles devem estar na estatística dos novos apoiadores paupérrimos do Lula.

Por outro lado, o capitalismo moderno vem destruindo emprego industrial em uma ferocidade incrível, precarizando relações de trabalho mundo a fora e criando emprego também fortemente no chamado setor de serviços, onde impera, em nosso país, o trabalho informal. São miseráveis sem caráter, desprovidos de ideologia? Qual o significado do processo de movimentos segmentados (associações de bairro, movimentos organizados por corte racial, de gênero, de envolvimento cultural – as tribos urbanas). E o significado ideológico deste exército de trabalhadores informais que agregam valor a cadeias de produção capitalista?

Manter essa tropa toda sob a classificação de sub-proletariado é perigoso, pois daí chamá-los de lumpen sem caráter é um passo. Entendo que estamos perante um caso em que nossos partidos de esquerda – o meu PT à frente – é que não têm sido capazes de tratar objetivamente esta realidade. Creio estarmos face a uma inadequação da teoria face a uma realidade que mudou. Não é demais lembrar que um princípio chave do pensamento marxista é que a teoria deve nascer do conhecimento da realidade. Lula, ao viajar Brasil afora nas caravanas do PT, talvez tenha observado que esta massa existe e é muito mais complexa do que poderia sugerir um velho manual de economia política.

Deveríamos é rever os conceitos clássicos que nos guiaram por tanto tempo aceitando o desafio de conhecer melhor nossa realidade. Fazer esta grande massa ascender socialmente talvez seja mais revolucionário do que possa parecer.

Por Pedro Eugênio, que é deputado federal pelo PT de Pernambuco, mestre em economia e professor da UFPE.

ARTIGOS COLHIDOS NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

Close