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A janela aberta para o desenvolvimento

O diretor do Instituto de Economia da Unicamp vê uma chance única criada pela venda de bens primários

Não há contradição entre ser um país exportador de commodities e promover o desenvolvimento econômico, garante o diretor do Instituto de Economia da Unicamp, Mariano Laplane. O que não quer dizer que a abundância de recursos naturais e a crescente demanda internacional por esses produtos sejam a garantia de um futuro promissor. Estudioso do processo de industrialização brasileiro, o professor alerta para a importância de fugir de visões maniqueístas e definir uma estratégia para aproveitar a janela aberta temporariamente para inserir o País no novo cenário mundial.

Um dos primeiros passos para qualificar esse debate, segundo Laplane, foi a organização do seminário Produção de Commodities e Desenvolvimento Econômico, realizado na segunda-feira 29. O evento é o primeiro passo de um acordo de cooperação recentemente assinado com a Vale, para aproximar a universidade do setor privado. Esta e outras alternativas capazes de promover a diversificação da economia brasileira foram discutidas nesta entrevista a CartaCapital.

CartaCapital: Está superada a ideia de que a produção de commodities relega o País a uma participação menor na economia globalizada?

Mariano Laplane: Não quero simplificar uma questão complexa e perder de vista aspectos que a discussão, até hoje, apenas tangencia. Precisamos enxergar além da visão maniqueísta, porque não há contradição em ser uma economia com essas características e promover o desenvolvimento. Basta lembrar a riqueza dos EUA em recursos naturais e, apesar disso, ou até graças a isso, se desenvolveu.

CC: A conjuntura internacional favorável à venda de commodities significa uma oportunidade para o Brasil utilizar seus recursos naturais na promoção do crescimento?

ML: O debate oscila. Há a visão do milagre, do agora vai, com base no pré-sal, no agronegócio, como se o desenvolvimento agora fosse inevitável e automático. De outro lado está o fantasma da volta ao passado, algo como a economia primária e exportadora reloaded. Nenhuma das duas visões é inevitável. O passado não volta, mas tampouco podemos ter a ilusão de que automaticamente nos transformaremos em um país desenvolvido.

CC: Não é real o risco de nos limitarmos a ser uma economia primária, asfixiando outros setores?

ML: O risco da doença holandesa é uma evidência histórica. Não sou favorável a metáforas panglossianas, mas a economia não é mais a do século XIX. A Ásia viveu um processo de urbanização e industrialização em escala fantástica, criando uma demanda também fantástica. É uma economia muito mais integrada e complexa. Não faz mais sentido a imagem do centro industrializado e da periferia subdesenvolvida.

CC: O mundo estaria em uma nova etapa histórica, a chamada economia do conhecimento?

ML: A economia do conhecimento não chega a ser uma novidade. Desde a Revolução Industrial se busca aplicar o conhecimento aos processos. Onde as oportunidades tecnológicas se concentram é que há inovações e novos produtos. O que tem ocorrido é que essa lógica industrial tem transbordado das atividades manufatureiras para outros setores. A atual lógica do agronegócio, com as técnicas de correção do solo e produção de sementes, é a industrial. A mesma coisa acontece nos serviços, com novas técnicas de gestão. Não vejo o conhecimento como uma nuvem pairando sobre as economias. O Brasil, por exemplo, tem um sistema científico de ponta em determinadas áreas, mas a conexão com o mundo dos negócios ainda é muito fraca. A indústria eletrônica da Ásia começou com aparelhos commoditizados e evoluiu para chips e softwares. A Índia não faz apenas o outsourcing de serviços. A industrialização periférica é o resultado de iniciativas planejadas para promover o desenvolvimento desses países. E certamente há oportunidades para um país com recursos diversificados.

CC: As cadeias de produção de commodities incorporam uma série de atividades que exigem tecnologia e investimento. Realizar esses processos dentro do País é o caminho para promover o desenvolvimento?

ML: Isto é fato, mas os processos existem em graus diferentes, de acordo com a atividade. Não temos de fazer uma escolha, temos de pensar em estratégias de desenvolvimento. Há uma janela para aprofundar a industrialização, que não exclui a criação de uma economia moderna de serviços. Desenvolvimento é um processo de diversificação da economia, distribuição de recursos e promoção de bem-estar. Nos anos 80, uma dessas janelas foi aberta para a industrialização. Alguns países asiáticos aproveitaram, mas não a América Latina.

CC: A demora em definir essa estratégia explica os problemas que enfrentamos na área cambial, por exemplo?

ML: O debate pode ser levado para a questão macro, de modo a se avaliar o custo e o benefício de exportar em larga escala. Por um lado, há a garantia de que não haverá restrição de recursos. De outro, a apreciação cambial pode eliminar outros setores do comércio internacional, causando a doença holandesa. Mas não dá para reduzir o debate, porque há outras variáveis, como a política de juros e a permeabilidade à entrada do capital estrangeiro. Se vamos definir que a estratégia é crescer e diversificar a economia, aproveitando as oportunidades identificadas no mundo, então teremos de qualificar mais esse debate. Os setores ligados às commodities, pelas dimensões, pela escala global e pelo crescimento da demanda, colocam questões que vão além da lógica privada. A localização das jazidas e terras e os requisitos de investimentos em logística fazem com que sejam elementos de reorganização do espaço físico nacional fortíssimo.

CC: Quais as principais ameaças a uma interação positiva com o setor privado?

ML: Dado que o País parte de grandes vantagens comparativas e disponibilidade de recursos naturais, há o risco do rentismo, um traço comportamental extremamente pernicioso para o desenvolvimento. Como colocar tais recursos aqui não é resultado do esforço de ninguém, não é justo que as rendas de propriedade e monopólio sejam apropriadas por poucos. Um país que já sofre da doença do rentismo financeiro não pode pegar também a doença do rentismo dos produtos naturais. Temos um problema de distribuição de renda e equidade que não é trivial. Um exemplo é a discussão sobre a divisão dos royalties do petróleo. O assunto causou uma tensão no pacto federativo. A intuição me diz que seria mais fácil vincular os recursos a projetos que possam gerar benefícios para todos, em vez de brigar por uma fatia para gastar hoje. Há aqui um problema de transferência de benefícios que ultrapassa tudo o que o mercado pode resolver. Há países que conseguiram construir modelos que a sociedade civil aceitou, como a Noruega. Para um país no estágio das instituições brasileiras a tarefa é mais árdua, mas a enfrentaremos galhardamente.

CC: Por onde se inicia a reorganização?

ML: Precisamos de marcos institucionais. O sucesso temporário da ditadura com o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) é um exemplo de salto que não conseguiu legitimidade institucional. As oportunidades existem, mas exigem engenharia empresarial, políticas públicas, um marco institucional complexo. Quanto mais longe do maniqueísmo e das frases de efeito, quanto mais interlocutores forem envolvidos, melhor. Depois de duas décadas perdidas do ponto de vista do desenvolvimento, o mercado doméstico é uma base para termos empresas com dinamismo assegurado, lideranças empresariais com outra cara. Durante os 20 anos de estagnação, as empresas adotavam estratégias defensivas. Os obstáculos colocados pela estagnação e pelo rentismo financeiro tornaram nossos empresários tímidos quanto a investimentos de alto risco. Não por falha de caráter, mas diante das condições em que os negócios eram estruturados. Eram empresas pouco inovadoras, que só saíam do País quando havia uma vantagem natural, ou por falta de alternativa. O empreendedor é uma figura rara no País, que podemos contar nos dedos de uma mão.

CC: Um ambiente de negócios mais estável basta para despertar o empreendedor?

ML: Não é uma coisa trivial. Lutamos contra a combinação de dois genes: uma tradição patrimonialista, que visa preservar a riqueza com o menor esforço, e características que o mercado financeiro incorporou: títulos de curtíssimo prazo e títulos da dívida pública, com inexistência de mercado secundário. Ainda é só uma expectativa, mas quero crer que o ambiente está se tornando mais dinâmico, com menos rentismo. Para usar mais um exemplo otimista, vejo com simpatia o crescimento do número de empresas brasileiras que investem no exterior. As discussões sobre o desenvolvimento estão em curso, e na hora certa.

Por André Siqueira.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.cartacapital.com.br.

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