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A força da mulher

O ano de 2002 marcou um fato inédito na história do Brasil: a eleição de um presidente operário. Agora, o povo brasileiro produz outro fato inédito: pela primeira vez elege uma mulher. Nunca se viu um ataque tão descabido, tão sórdido, tão abaixo da linha de cintura à figura da mulher como foi feito pela campanha do candidato adversário. Nossas ilusões nos levaram a pensar numa campanha de bom nível, face ao passado de Serra. Foi um grave engano. Nunca o nível baixou tanto, e contra uma mulher. O artigo é de Emiliano José.

Uma vitória do povo brasileiro. A vitória de um projeto político. A vitória de uma mulher. Talvez isso possa ser uma boa síntese das eleições deste domingo. O Brasil que a nova presidente encontra não é o mesmo de 2003, quando Lula assumiu. É muito melhor. No entanto, os desafios que Dilma Rousseff tem pela frente são enormes, sobretudo o de continuar a luta para diminuir a desigualdade social que ainda nos afronta, preocupação que ela manifestou sempre durante a campanha.

Tenho convicção de que a democracia está se consolidando no Brasil. Que o povo brasileiro amadurece cada vez mais. Que a cidadania cresceu. Que a consciência da nossa gente não se submete mais com tanta facilidade aos chamados meios de comunicação de massa, cujo núcleo central é escandalosamente partidarizado. Que os grotões desapareceram de nossa cena política. Que não há mais donos de votos no País, especialmente para as eleições majoritárias. Que não se subestime mais a capacidade do nosso povo.

Creio que definitivamente caiu por terra a noção da existência de formadores de opinião situados na chamada mídia hegemônica. Ou, dito de outra forma, a importância desses atores diminuiu muito. O povo reage é diante das políticas públicas, do resultado efetivo da atuação do governo face à sua vida. Por que razão o povo brasileiro iria deixar de votar numa candidata que representava a continuidade de políticas que o beneficiaram tanto nos últimos anos e trocá-la por outro, que representava tão nitidamente políticas que o prejudicaram enormemente, como o governo Fernando Henrique Cardoso?

Penso muito no desprezo que alguns daqueles que se acreditam formadores de opinião tem pelo povo brasileiro. Não se conformam com a popularidade do presidente Lula, tentam desqualificá-lo o tempo inteiro, confrontando-se com índices de aprovação superiores a 80%. E embarcaram de forma resoluta na tentativa de desqualificação da candidata Dilma Rousseff, inclusive na sordidez que envolviam os falsos dossiês sobre sua atuação política ou, ainda, sobre o odioso caso da posição diante do aborto.

O povo brasileiro elegeu Dilma com muita consciência de que apoiava um projeto político. Há aqueles que atribuem a eleição de Dilma apenas ao inegável carisma do presidente Lula, e não há dúvida de que isso contou. Parafraseando Caetano Veloso, que referiu-se a Roberto Carlos dizendo a gente sabe a quem chama de rei, o povo sabe a quem chama de líder.

Lula é o maior líder político e popular da história do Brasil. No entanto, não fosse o extraordinário governo feito nesses oito anos, com resultados nunca antes vistos, para melhor, nas condições de vida do povo brasileiro, e certamente não bastaria o carisma do presidente Lula.

O carisma se afirmou por conta, sobretudo, das políticas públicas que foram levadas a cabo pelo governo, fruto de um projeto político pensado pelo PT, desenvolvido com mais consistência entre o final dos anos 90 e início do novo milênio. Claro que esse projeto encontrou um ator singular, de uma capacidade rara, de uma intuição política fantástica, e que soube, portanto, dar consistência a tudo que havia sido pensado pelo PT.

O partido compreendeu a complexidade do Brasil. Superou quaisquer tentações isolacionistas, procurou alianças amplas e pensou uma revolução de longo prazo, uma revolução democrática, que enfrentasse a profunda desigualdade social que nos afronta há séculos, que situasse a Nação de forma soberana na arena mundial. Desde o seu nascimento, o partido havia superado a dicotomia entre socialismo e democracia. E no projeto concebido mais recentemente certamente reafirmou para si mesmo que o processo de mudanças no Brasil se daria no leito democrático, do qual nunca abriu mão.

E pôde experimentar nesses oito anos, ao lado dos partidos aliados que chamou para o projeto, o quanto é possível mudar o Brasil, as condições de vida do povo brasileiro, no exercício pleno da democracia. Tirar quase 30 milhões da pobreza absoluta e elevar mais de 30 milhões da pobreza à classe média é o maior triunfo desse projeto. Foi nele que o povo votou.

E foi a vitória de uma mulher. A vitória da mulher brasileira. O ano de 2002 marcou um fato inédito na história do Brasil: a eleição de um presidente operário. Agora, o povo brasileiro produz outro fato inédito: pela primeira vez elege uma mulher.

Nunca se viu um ataque tão descabido, tão sórdido, tão abaixo da linha de cintura à figura da mulher como foi feito pela campanha do candidato adversário. Nossas ilusões nos levaram a pensar numa campanha de bom nível, face ao passado de Serra. Foi um grave engano.

Nunca o nível baixou tanto, e contra uma mulher. E procurando buscar nos recantos obscuros da alma da sociedade brasileira os elementos que suscitassem o ódio, que alimentassem os preconceitos, que suscitassem a raiva contra a mulher, contra todas as mulheres, e especialmente contra aquelas que eventualmente tivessem que recorrer ao aborto.

E a chamaram despreparada, e a chamaram teleguiada, e quiseram-na sem vida política, e a denominaram terrorista, como se terroristas fossem todos os que resistiram à ditadura. E semearam mentiras, e fizeram milhões de telefonemas clandestinos com toda sorte de calúnias contra ela.

E ela ganhou. Ganhou a grande mulher que é Dilma, que soube superar uma doença, que não se abalou com a sordidez que se alevantou contra ela, e se torna assim a nossa primeira presidente mulher. As mulheres do Brasil estão em festa. E os homens também. Há um caldo de revolução cultural na eleição dessa mulher. Os homens viverão uma experiência nova: a mulher que sempre soube cuidar dos filhos e da casa, e que nunca deixou também de viver intensamente a vida pública, irá agora dirigir os homens e mulheres do Pais, cuidar com imenso carinho de todo o povo brasileiro, acelerando o processo de distribuição de renda iniciado com tanta firmeza pelo presidente Lula.

Por Emiliano José, que é jornalista, escritor e professor.

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Bem-vinda, presidente Dilma Rousseff

Os miasmas da intolerância e de um fascismo travestido de faniquitos democráticos não muito bem explicados em manifestos e editoriais jornalísticos, em telejornais e revistas de final de semana, em violência e profanação religiosa, em tentativa de manipulação da opinião do eleitor, nos últimos três meses, ou se quisermos, nos últimos oito anos, não foram suficientes para desviar milhões de eleitores brasileiros da rota de um desejo sincero de ver o Brasil mais justo, mais independente e de olhos postos no futuro e não no passado. O artigo é de Izaías Almada.

Bem que o Brasil do atraso tentou, o Brasil da calúnia, da infâmia, da subserviência, o Brasil que perdeu a noção da História e da realidade em que vive e da realidade que o cerca. Não adiantou o cidadão e candidato José Serra e a oposição que representa construírem uma estratégia eleitoral torpe, baseada no ódio, na intolerância e no preconceito, pois o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrou que parte de sua acertada estratégia política está cumprida ao eleger sua candidata e sucessora.

Vitória da perspicácia, da sensibilidade no trato das coisas políticas, da coragem pessoal em confrontar, à sua maneira, a oligarquia que deixou o governo em 2002. E o fez com paciência e tentativas de diálogo e – sobretudo – com o conhecimento do seu povo. É preciso reconhecer: haja sociologia para explicar 83% de aprovação popular a um governo no Brasil. Já disse alguém que a política é a arte do possível. Para muitos, infelizmente, ainda é difícil entender isso. À direita e à esquerda.

Ontem, 31 de outubro de 2010, venceu o Brasil que quer continuar mudando, que busca alternativas para se tornar um país mais soberano e menos injusto. Venceu o povo brasileiro mais sofrido e humilde. Venceu novamente a esperança. Ou, para os menos otimistas, a possibilidade de se continuar tendo esperança. E ouso dizer também que, mais do que o Brasil, venceu a nova América Latina de Chávez, Morales, Correa, Lugo, Cristina e Nestor, Castro, Funes, Mujica e Ortega.

Os miasmas da intolerância e de um fascismo travestido de faniquitos democráticos não muito bem explicados em manifestos e editoriais jornalísticos, em telejornais e revistas de final de semana, em violência e profanação religiosa, em tentativa de manipulação da opinião do eleitor, nos últimos três meses, ou se quisermos, nos últimos oito anos, não foram suficientes para desviar milhões de eleitores brasileiros da rota de um desejo sincero de ver o Brasil mais justo, mais independente e de olhos postos no futuro e não no passado.

Retomando a História interrompida com a morte de Getúlio Vargas e traumatizada pelo golpe civil/militar de 1964, que derrubou um governo eleito democraticamente, a vitória de Dilma Roussef faz uma ponte com nosso passado ainda recente e relança as bases de um protagonismo popular para o futuro, fazendo o país voltar ao leito democrático de onde foi retirado pela força de tanques e baionetas apoiados pelo Departamento de Estado norte americano, esse mesmo Estado que continua a insistir com sua política de desestabilizar governos eleitos democraticamente, como a Venezuela de Chávez, a Bolívia de Evo Morales, a Honduras de Manuel Zelaya ou o Equador de Rafael Correa. E que, com certeza, não dará tréguas ao governo de Dilma Roussef. É bom que não nos esqueçamos disto no calor e na alegria da vitória.

No vácuo da repressão policial/militar da ditadura, com a sua falta de garantias democráticas plenas, instalou-se também no Brasil, em anos mais recentes, a ditadura do poder econômico, impondo-se entre nós o pensamento e a prática hegemônica neoliberal, assumida por uma social democracia encantada com a possibilidade de chegar ao poder político, como de fato chegou, com a chamada redemocratização do país na metade dos anos oitenta. E com o sonho de lá permanecer por pelo menos 20 anos, no dizer de alguns de seus caciques, começando com a imoral compra de votos para a reeleição do seu até então maior ideólogo, Fernando Henrique Cardoso, o presidente das privatarias e traidor do povo brasileiro. Essa prática política encantou àqueles que olharam o país e a História com o binóculo posto ao contrário.

Nesses últimos cinquenta anos de História, tanto uma, a ditadura, quanto o outro, o poder econômico imposto pelo Consenso de Washington, tiveram a seu lado aquele que pode ser considerado o mais forte aliado do mundo contemporâneo: a força do quarto poder, a mídia. Jornais, rádios, televisões, revistas, em grande parte subsidiados ideologicamente por pensadores e acadêmicos de dentro e de fora do país, fizeram de seus editoriais e matérias jornalísticas a apologia diária do paraíso para o capital transnacional, com seus deslumbrados e submissos defensores internos, ao mesmo tempo em que combatiam e dilapidavam as garantias e a defesa dos direitos dos trabalhadores através do arrocho salarial, da terceirização de serviços, do aumento do desemprego, do desestí mulo às reivindicações de inúmeras categorias profissionais, da privatização de empresas nacionais estratégicas, agindo contra os interesses nacionais, da criminalização dos movimentos sociais, mantendo intacto – de certa maneira – o arcabouço repressivo ditatorial com um inquestionável conservadorismo na sua prática política.

Tudo isso sustentado por uma democracia e uma Constituição, aquela que melhor se pode arranjar em 1988, a tal Constituição Cidadã, um imenso tratado com quase quinhentos artigos, tamanho o número de interesses a serem contemplados e acomodados, e que ainda assim, na prática, vem sendo solapada e substituída no dia a dia por um mecanismo anacrônico denominado Medida Provisória, que sempre poderá agradar ou desagradar a gregos e troianos, conforme os interesses de momento e o grupo que estiver no poder político.

Em verdade, passamos a viver a partir da segunda metade dos anos 80 um arremedo de democracia. Dá para o gasto, é claro, pois sempre podemos encher a boca e dizer que vivemos num país democrático, e sob vários aspectos isso é verdade, muito embora os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, com as honrosas exceções de sempre, se deixaram ou ainda se deixam escorregar tentadoramente por caminhos tortuosos, para dizer o menos, quando fica bastante evidente a verdadeira luta de classes no país.

A recente campanha eleitoral deixou à mostra como muitos brasileiros entendem a democracia: um regime de privilégios que é preciso manter a ferro e fogo, sempre e quando para isso se use tais “privilégios” para arrasar o adversário, assassinar sua reputação, atribuindo-lhe as piores qualidades morais e profissionais. São os democratas de fins de semana, dos almoços dominicais com a família. Hipocrisia que a campanha do candidato José Serra mostrou à perfeição.

Nesse quadro político e institucional, os homens que queriam governar “por 20 anos” descuidaram-se e o sentimento de mudanças que permeava partidos de esquerda e movimentos sociais desde o período ditatorial, soube se movimentar, mesmo com suas divergências, contradições e até defecções, criando condições para que o país buscasse alternativas para o sufoco neoliberal.

Incrédulos com a vitória do metalúrgico semi-analfabeto em 2002, os serviçais e bajuladores da “Casa Grande”, fiéis leitores da cartilha econômica do neoliberalismo, apostaram suas fichas no fracasso e na incompetência do operário, sem jamais esconder o seu preconceito de classe e seu espírito impatriótico. À medida que o tempo avançou e o fracasso esperado do governo Lula não vinha, os órgãos de comunicação social foram mais uma vez acionados com bastante virulência no ano de 2005, pois nova derrota eleitoral seria o início do desastre.

De nada adiantou a campanha moralista naquela altura, curiosamente liderada por alguns dos políticos mais imorais e corruptos do país, alguns deles felizmente defenestrados nas recentes eleições, ou as CPIs policialescas instaladas nas duas casas do Congresso Nacional, onde a pregação intolerante contra o Partido dos Trabalhadores e a esquerda de um modo geral chegou a ser defendida com o chamamento à eliminação “dessa gente” da política brasileira. Bravatas, arrogância e intolerância substituíam os discursos políticos daquilo que se poderia esperar de uma oposição minimamente civilizada, se é que se pode chamar de civilizados um grande número de dilapidadores do patrimônio nacional em beneficio próprio.

Acuado, o governo soube esperar a hora do contra ataque. E o fez no seu segundo mandato, aprofundando as suas políticas sociais e de infraestrutura econômica. Lula se reelegeu em 2006 e chega a 2010, no final do seu governo, com um índice de popularidade “nunca visto antes na história desse país”. E mais: sai o operário e entra uma mulher. Impensável no Brasil de dez anos atrás.

O desafio que tem pela frente a presidente Dilma Roussef é enorme, a começar pela guerra diária que lhe imporá a vetusta oligarquia brasileira e sua velha mídia incompetente, desonesta e oportunista.

Mas, guerra é guerra e o povo, atento e organizado, sempre que chamado, irá se manifestar através de sindicatos, dos movimentos sociais, das entidades estudantis e dos partidos políticos comprometidos com a soberania do país e das suas conquistas sociais, fazendo avançar essas conquistas. E também através de uma nova mídia que se forma pela internet ou – o que espera o país – ver alguns jornais, revistas e televisões tendo que se ajustar a um novo marco regulatório para a comunicação social, tornando-a verdadeiramente democrática.

De hoje em diante toda atenção é pouca, porque o conservadorismo, agora efetivamente de mãos dadas com o emergente fascismo tupiniquim não irá descansar. E essa é uma união mais do que perigosa. Alguém já disse que para onde pender o Brasil, deverá pender a América Latina. Não deixemos que a vitória nos faça esquecer que o inimigo é forte e continuará sua insidiosa luta no dia a dia das calúnias, das mentiras, dos factóides, tentando minar a confiança do povo no seu novo governo.

Felicidades, presidente Dilma Roussef! Seja bem-vinda.

Por Izaías Almada, que é escritor, dramaturgo, autor – entre outros – do livro “Teatro de Arena: uma estética de resistência” (Boitempo) e “Venezuela povo e Forças Armadas” (Caros Amigos).

ARTIGOS COLHIDOS NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

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