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A política econômica de Dilma vista pelos setores conservadores: o caso da desvalorização cambial

Um dos temas mais controversos do debate econômico brasileiro atual é a análise das consequências que a desvalorização cambial pode ter sobre o desempenho da economia. Vale a pena analisar como alguns jornais – Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Valor Econômico – e analistas econômicos mais conservadores têm visto a questão nos últimos dias.

Mário Almeida

A questão cambial

O fracasso político e econômico do neoliberalismo, a adoção progressiva de medidas heterodoxas pelos governos petistas sem consequências trágicas para a economia, a crise de 2008 e seus sucessivos desdobramentos e as mudanças mais recentes na condução das políticas monetária e cambial enfraqueceram, cada um a seu modo, a hegemonia e a força das ideias de economistas e publicações mais liberais.

Talvez, um dos temas mais controversos do debate econômico brasileiro atual seja a análise das consequências que a desvalorização cambial pode ter sobre o desempenho de nossa economia. Vale a pena, desse modo, analisar como alguns grandes jornais – Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Valor Econômico – e analistas econômicos mais conservadores têm visto a questão nos últimos dias.

Em maio, o dólar chegou a atingir a marca de R$ 2,10. Depois de seguidas intervenções do Banco Central, a moeda americana foi perdendo valor; mesmo assim, fechou o mês passado valendo R$ 2,02, o que significou uma desvalorização de 5,79% da moeda brasileira em relação a abril. Jornais e analistas econômicos repercutiram de forma ampla o recente movimento no câmbio. Mesmo aqueles mais conservadores, sempre céticos em relação à eficácia de medidas governamentais para influenciar a taxa de câmbio, parecem concordar que, para além do cenário internacional, os discursos e as medidas das autoridades em favor de um câmbio mais desvalorizado tiveram impacto na evolução do valor da moeda brasileira não só no mês de maio, mas desde a adoção das primeiras medidas de intervenção no mercado cambial. No entanto, quando se analisa o debate sobre as consequências que a desvalorização tem sobre a inflação, a indústria, as contas públicas e o balanço de pagamentos, o mesmo “consenso” já não pode ser encontrado.

Câmbio e inflação
Em relação aos impactos sobre a inflação, grande temor da maior parte dos economistas e álibi para manter o câmbio sobrevalorizado por vários anos, o debate parece mais equilibrado. O Estadão, em seu Editorial Econômico de 25 de maio, tem posição isolada ao escrever que “o governo parece menosprezar o efeito da desvalorização cambial, mas o BC já se mostra preocupado com sua evolução, que pode ter repercussão altamente negativas sobre a inflação”. Mais moderado, o Editorial da Folha de São Paulo, de 17 de maio de 2012, destacou que os impactos sobre a inflação dependeriam de uma série de fatores – ritmo da atividade econômica, preços das commodities e período em que o cambio ficará desvalorizado-, mas alertou para o risco de reaparecimento de pressões inflacionárias e da interrupção do processo de queda dos juros, preocupação compartilhada pelo economista Luis Mendonça de Barros, em entrevista ao Valor Econômico(30 de maio de 2012).O Editorial do Valor (18 de maio de 2012), por outro lado, destacou que, embora a inflação não deva convergir para a meta, as previsões tanto para 2012 como para 2013 estão bem abaixo do teto da meta. No mesmo sentido, Gustavo Loyola (ex-Presidente do Banco Central durante os Governos Itamar e FHC), também em entrevista ao Valor (30 de maio de 2012), reconhece que “os repasses da desvalorização para os preços estão limitados.”

A equipe econômica da Presidenta Dilma vem defendendo que os impactos da depreciação do real sobre os índices de preços não devem ser significativos. Guido Mantega, Ministro da Fazenda, em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, chegou a mencionar que, de acordo com cálculos de técnicos da sua pasta, uma desvalorização de 10% da moeda brasileira teria um impacto aproximado de 0,3 pontos percentuais nos índices de preços. Esse cálculo não computaria os efeitos deflacionários do atual estágio da economia internacional.

Câmbio e indústria
Se os impactos da desvalorização cambial sobre a inflação estão sendo analisados de maneira mais prudente pela maior parte dos grandes jornais e por economistas mais conservadores, o mesmo não pode ser dito em relação às implicações positivas da depreciação. O mencionado Editorial da Folha leva o título de “miopia cambial” e afirma que os benefícios da desvalorização para a indústria seriam de curto prazo: “é por isso que tais políticas, de alvo em aparência certeiro, precisam mirar além do curto prazo.” Celso Ming, escrevendo no Estadão, vem batendo na tecla de que a indústria não está reagindo à recente desvalorização cambial, e que o Governo deveria focar seus esforços na redução dos custos e nas reformas institucionais, como a da Justiça. Sem isso, afirma, desvalorização cambial e queda na SELIC não se sustentam (22 e 25/05/2012).

Criticando a suposta ênfase do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, em utilizar o câmbio como forma de aumentar a rentabilidade da indústria, Luis Mendonça de Barros, na já mencionada entrevista ao Valor, aponta que a desvalorização do real pode ter feitos negativos sobre as empresas endividadas em dólar, além de trazer prejuízos para o financiamento da dívida pública e do déficit em transações correntes.

Câmbio e dívida pública
Em relação ao financiamento da dívida pública, o ex-Presidente do BNDES durante o Governo FHCdestaca que o movimento recente do câmbio atrapalha o investidor estrangeiro, que, em sua opinião, ajuda o governo a alongar o prazo e a diminuir os juros dos títulos públicos. Para além da polêmica sobre os custos efetivos dos investimentos estrangeiros em títulos públicos, vale mencionar apenas que a desvalorização cambial traz a diminuição da dívida pública líquida, uma vez que o Governo brasileiro é credor em dólares. Em maio, a dívida pública líquida fechou em sua mínima histórica, fortemente influenciada pela desvalorização do real.

Câmbio e transações correntes
As relações entre taxa de câmbio e o tamanho do déficit de transações correntes parecem, por sua vez, ser tema proibido para jornais e economistas mais conservadores. Quando tratam do tema, a exemplo Mendonça de Barros e Loyola na já mencionada entrevista ao Valor, costumam salientar os impactos negativos que a volatibilidade da taxa cambial tem sobre as decisões dos investidores internacionais, o que, em um país com déficit em transações correntes não desprezível, poderia trazer problemas. Sem deixar de reconhecer a validade do argumento, é importante notar o “esquecimento” desses economistas quanto aos efeitos positivos da desvalorização sobre o próprio resultado das transações correntes. Não só as exportações tendem a ser incentivadas como os gastos com turismo, as remessas de lucro e as importações tendem a diminuir ou a crescer mais lentamente. De fato, já podemos verificar, ao menos parcialmente, esses efeitos.

Esse “silêncio” sugere que economistas liberais e jornais mais conservadores não julgam relevante a relação entre taxa de câmbio e déficit em transações correntes. Apesar das diversas crises que o Brasil sofreu em consequência de sua fragilidade externa (1982 e 1998) e dos diversos exemplos indicando outra direção (China, Argentina, EUA- ao contrário), boa parte dos economistas conservadores continuam a acreditar na tese da insuficiência de poupança dos países relativamente mais pobres e, por isso, na essencialidade do aumento dos fluxos de capitais estrangeiros para possibilitar um crescimento econômico maior.

A breve análise das opiniões de alguns dos grandes jornais do Brasil e de alguns economistas mais conservadores aponta para o fato de que as mudanças no cenário econômico brasileiro e mundial levaram, tirando o exemplo do Estado de São Paulo, a ajustes em algumas posições desses atores. No entanto, é importante notar que, pelo menos no que se refere à desvalorização cambial, economistas mais liberais e grandes jornais temem demasiadamente seus efeitos negativos e desconsideram ou minimizam suas consequências positivas.

(*) Mestre em desenvolvimento econômico (Unicamp) e membro do corpo diplomático do Itamaraty.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.cartamaior.com.br

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