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Lula não enfrentou os barões da mídia

Por Altamiro Borges, na revista Teoria e Debate:

O professor Venício A. de Lima é um dos maiores especialistas em comunicação do Brasil. Já produziu centenas de artigos e vários livros sobre o tema. Intelectual rigoroso e refinado, também é um ativo militante da luta pela democratização da mídia. Nessa longa jornada, porém, mostra-se pessimista quanto aos avanços alcançados nessa área estratégica. No seu mais recente livro, Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), conclui que o setor continua altamente monopolizado e com enorme poder de manipulação sobre a agenda política do país.

Para ele, o ex-presidente operou mudanças progressistas em vários setores da sociedade, mas não conseguiu enfrentar o poder dos barões da mídia. “Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao fim de seus dois mandatos presidenciais exibindo recordes mundiais de aprovação popular… Não há dúvida de que foi um governo bem-sucedido”. Mas, quando se analisam os dados sobre o campo das comunicações, o autor conclui que o resultado foi frustrante. “A maioria das propostas de políticas públicas que segmentos populares da sociedade civil organizada consideram avanços – embora haja importantes exceções – não logrou sucesso nos oito anos dos governos Lula. Ao contrário, muitas propostas foram abandonadas ou substituídas por outras que negam as intenções originais.”

O livro reúne 89 artigos que foram publicados originalmente nos sítios do Observatório da Imprensa e da Carta Maior no período de agosto de 2004 a dezembro de 2010. Faz um balanço minucioso dos embates travados entre os governos Lula e os impérios midiáticos em várias frentes da comunicação, com seus avanços e recuos. Um destaque é para o tema estratégico da regulação da mídia. Conforme aponta Venício, o ex-presidente até tentou pautar o debate sobre o novo marco regulatório. Montou três comissões interministeriais sobre o tema, apresentou os projetos de criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Ancinav, incluiu itens sobre o direito à comunicação no III Programa Nacional de Direitos Humanos, entre outras iniciativas.

No geral, porém, o governo não teve forças para promover as necessárias mudanças nesse setor. Os barões da mídia, que contam com expressiva bancada no Congresso Nacional e seduzem e atemorizam a sociedade com sua capacidade de incidir sobre a agenda política e de influenciar a subjetividade social, conseguiram barrar até mesmo a regulamentação dos artigos já inscritos na Constituição de 1988. Maior prova desse fiasco é que quase nada foi feito para inibir a concentração da propriedade, a formação de monopólios e a aberração da propriedade cruzada – que é vetada até mesmo nos EUA. Enquanto em vários países da América do Sul o debate sobre a democratização da comunicação deu passos significativos, no Brasil ele ficou empacado.

Venício até aponta algumas mudanças que ocorreram no setor nesses oito anos. Cita o positivo processo de descentralização da publicidade oficial, elevando de 499 para 7.047 o número de veículos beneficiados; a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que envolveu milhares de pessoas nesse debate pedagógico, apesar do boicote autoritário dos principais impérios midiáticos; a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), um primeiro passo rumo à construção de um sistema público, conforme o que está inscrito na Constituição Federal; e o lançamento do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que visa garantir o acesso à internet aos “excluídos digitais” brasileiros.

Mas, para o intelectual e militante, esses avanços foram tímidos. Não mexeram no principal, que é a concentração da propriedade nas mãos de meia dúzia de famílias – autênticos feudos. Para ele, não é possível democratizar os atuais impérios midiáticos, que hoje exercem o papel de partidos políticos – como confessou a própria presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito. É urgente promover políticas públicas e mudanças totalizantes na legislação que estimulem a diversidade e a pluralidade informativas. Nesse sentido, Venício enfatiza que o papel do Estado é estratégico. No caso do rádio e da televisão, essa função é ainda mais decisiva. “A radiodifusão privada é uma concessão pública” e não pode ficar sob o domínio exclusivo do “mercado”.

Com sua larga e rica experiência, o professor Venício A. de Lima sabe que avanços mais profundos no setor dependem de intensa pressão da sociedade. Os latifundiários da mídia exercem forte influência política e não toleram nenhuma mudança – no máximo, uma autorregulamentação cosmética. Antidemocráticos, não aceitam sequer pautar esse debate na sociedade. Tudo o que se relaciona ao tema é rotulado de “censura”, de “atentado à liberdade”. Confundem, propositalmente, liberdade de expressão com liberdade de monopólios. A resistência é tão brutal que a legislação do setor – o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) – completará cinquenta anos em agosto próximo e nunca sofreu alterações mais consistentes. “É velha e desatualizada.”

“O exemplo mais conhecido do poder dos radiodifusores talvez seja a derrubada, pelo Congresso Nacional, de todos os 52 vetos que o então presidente João Goulart impôs ao projeto de lei que viria a se transformar no CBT (Lei nº 4.117). A ampla articulação de empresários da radiodifusão e parlamentares que permitiu tamanha façanha foi liderada pelo então diretor-geral dos Diários e Emissoras Associados, João Calmon (já falecido), e dela resultou a criação da Abert – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão”, relembra Venício. Essa mesma entidade patronal e várias outras do setor também impediram que os preceitos fixados na Constituição Cidadã de 1988 fossem regulamentados. Sabotaram ainda as 672 propostas aprovadas na 1ª Confecom.

No último capítulo do livro, “Contexto e estratégias”, o autor reafirma seu pessimismo no diagnóstico. “Uma das dificuldades de quem acompanha e observa criticamente o setor de mídia no Brasil é, contraditoriamente, sua previsibilidade. Por mais que se tente renovar o ‘otimismo da vontade’, as lições da história e as evidências do presente se encarregam de mostrar como os patrões se repetem. Nada de realmente substantivo se altera no setor.” Em contrapartida, na sua inabalável militância ele também aponta o surgimento de fatores novos – como o maior engajamento dos movimentos sociais e o florescimento de uma militância crítica na internet, que serve de contraponto às manipulações e põe em xeque o modelo de negócios dos impérios midiáticos.

Parafraseando novamente o intelectual italiano Antonio Gramsci, ele conclui que “o velho está morrendo e o novo apenas acaba de nascer” e aposta suas energias numa intensa e unitária luta pela “conquista do direito à comunicação pela cidadania”.

Por Altamiro Borges.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/07/lula-nao-enfrentou-os-baroes-da-midia.html#more

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A semana e a comunicação em dois atos

Estavam previstos esta última semana dois eventos com potencial relevância para as lutas pelo direito à democratização da comunicação na América Latina. Na Colômbia, a reafirmação de uma prioridade; no Equador, a votação da “Ley de medios”, prevista para a última quinta, representava um possível respaldo jurídico para as reivindicações por uma divisão mais igualitária do disputado bolo das concessões no setor de radiodifusão e, portanto, por maiores ganhos de visibilidade. O artigo é de Maria Luiza de Castro Muniz.

Maria Luiza de Castro Muniz (*)

Estavam previstos para a última semana dois eventos com potencial relevância para as lutas pelo direito à democratização da comunicação na América Latina. Na Colômbia, a reafirmação de uma prioridade; no Equador, a votação da Ley de medios, que estava prevista para a última quinta-feira, representava um possível respaldo jurídico para as reivindicações por uma divisão mais igualitária do disputado bolo das concessões no setor de radiodifusão e, portanto, por maiores ganhos de visibilidade.

PRIMEIRO ATO: a comunicação em pauta no III Congresso da CAOI

O primeiro evento, o III Congreso da Coordinadora Andina das Organizações Indígenas (CAOI), durou três dias e se encerrou na última quarta-feira (17) com a reafirmação do “fortalecimiento y empoderamiento de los procesos de comunicación” entre os temas prioritários do novo Conselho Diretivo (2012-2014), sob coordenação geral de Gerardo Jumí Tapia, da Organização Nacional Indígena Colombiana (ONIC). Para os que desconhecem o recente histórico de ações da CAOI, talvez ajude acrescentar que esta instância contribui, desde sua criação em julho de 2006, para articular organizações indígenas de seis países Bolívia, Equador, Peru, Colômbia, Chile e Argentina.

Em nota publicada na página do Enlace indígena na Internet, representantes da CAOI apontaram o III Congresso como um momento de atualizar estratégias, dentre as quais se encontra a intenção de “repensar a política de comunicação desde a visão dos povos indígenas para a incidência internacional, fortalecendo alianças com outras redes e movimentos sociais repensando as políticas de articulação”. A preocupação com a questão da comunicação emerge no cotidiano dos conflitos contra a militarização, em defesa de novos modelos de desenvolvimento baseados no Buen vivir, nos direitos da Pacha Mama e em três princípios norteadores: reciprocidade, complementaridade e equilíbrio.

A respeito do recente enfrentamento entre a Guarda Indígena e o exército colombiano ao norte do departamento de Cauca, comunicadores indígenas demonstraram a insatisfação com a cobertura da mídia comercial através do texto Ejercer la palabra y la acción es el camino para defender la Madre Tierra : “Os meios massivos promoveram o ódio e o racismo com nossa Guarda Indígena dizendo que somos selvagens e terroristas (…). Como é possível que se indignem porque expulsamos o exército para fora de nosso território e não protestem quando estes assassinam, massacram, violam e inundam de violência nosso país em defesa do regime? Nós passamos séculos chorando nossa dor e a humilhação da ganância em nossos territórios.” Mais adiante, os comunicadores fazem um apelo aos leitores: “Por favor, companheiros e companheiras cooptados pela propaganda midiática, não se conformem com as criminosass sínteses dos meios massivos. Visitem nossa página na web www.nasaacin.org e os demais meios alternativos para conhecerem a realidade”.

A Declaração da Cumbre Continental de Comunicação Indígena de Abya Yala [1] /América Latina, organizada pela CAOI em 2010, apresentou à época inúmeras exigências, dentre as quais o “cumprimento de legislações existentes que obrigam aos meios públicos e privados a incluir em sua programação conteúdos que difundam valores culturais, linguísticos, assim como realidades socioculturais e políticas dos povos e culturas originárias do continente Abya Yala, para o fomento da interculturalidade”. Além disso, definiu-se que 2012 seria o Ano Internacional da Comunicação Indígena.

SEGUNDO ATO: o desafio de institucionalizar
O segundo ato, previsto para a última quinta-feira, não ocorreu por conta da ausência de alguns atores. Foi suspensa a sessão 136, onde seria votado, artigo por artigo, o projeto de Lei Orgânica de Comunicação, a Ley de Medios equatoriana. O presidente da Assembleia Nacional anunciou a suspensão porque não teria sido possível fechar a conta dos votos necessários para aprovação da lei (63 de 124), tendo em vista a ausência de alguns parlamentares na Casa.

Seguindo o exemplo argentino, o projeto de Lei polemiza ao confrontar a primazia da propriedade privada dos meios de comunicação, definindo em seu Artigo 112 a distribuição equitativa de frequências, ou seja, com a aprovação do PL as frequências destinadas ao funcionamento de estações de rádio e televisão de sinal aberto serão distribuídas equitativamente em três partes. Assim, está prevista uma virtual “reforma agrária do ar” com a reserva de 33% para a operação de meios públicos, 33% para operação de meios privados e 34% para meios comunitários. Além disso, seguindo a orientação plurinacional da Constituição daquele país, o Artigo 34 define o Direito à comunicação intercultural e plurinacional. Há ainda outro ponto de discordância: a composição do Conselho de Regulação e Desenvolvimento da Comunicação (o executivo poderá nomear um dos cinco representantes).

O estatal El ciudadano publicou no início da semana, em sua página na Internet, artigo denunciando que Os laços entre a imprensa privada e os Estados Unidos tentaram obstruir Ley de medios na Argentina. Além disso, o periódico ressaltou notícias relativas aos “excessos de Correa” contra jornalistas equatorianos como sendo tentativas de última hora para frear a votação. O jornal La Hora, por outro lado, destacou na última quarta-feira, dia 18, opiniões, como a do presidente da Unión Nacional de Periodistas (UNP), Vicente Ordóñez, para quem o projeto de lei representa uma “mordaça”, uma iniciativa destinada a “amedrontar aqueles que têm o trabalho de informar”.

Para “descolonizar la palabra”
Durante a Cúpula dos Povos, realizada em no mês passado, Miguel Palacín Quispe, importante liderança comunitária e indígena no Peru e agora ex-coordenador geral de CAOI, afirmou que a entidade faz parte de uma bem articulada rede de comunicação na região, numa reação à exclusão pelos meios de comunicação massiva: “Nós desenvolvemos um trabalho baseado em nossa visão, ou seja, somos questionadores do modelo. Esse é um tema que os meios de comunicação que estão no sistema veem como um perigo”.

Qual seria o perigo à vista? O periódico equatoriano Hoy, publicou na última quinta-feira o editorial A lei Mordaza: “O que busca a chamada Lei de Comunicação é simplesmente consagrar o controle absoluto da informação: anular a crítica, o debate, a circulação de ideais; transformar o espaço público em um espaço governamental, burocrático, de boletins de imprensa mal redigidos”.

Menos que apresentar defesas incontestes ao projeto de Lei equatoriano, quem dedica-se a estudar os meios de comunicação comerciais como atores políticos de peso na América Latina saberá quão restritas foram ao longo dos anos e décadas passadas as possibilidades de debate e circulação de ideias por meios daqueles. Pode-se argumentar que as ditaduras militares cercearam a liberdade de imprensa, e em seguida teremos que exercitar nossas memórias para lembrar que justamente os meios de comunicação massivos que advogam em favor da democracia e da liberdade de expressão foram entusiastas do autoritarismo como forma de lidar com mobilizações e reivindicações populares – vide o caso do Clarín, na Argentina, ou das Organizações Globo, no Brasil.

Na conjuntura equatoriana recente, os grupos de comunicação – muitos dos quais são acionistas ou sócios de uma mesma empresa – constituíam grandes grupos empresariais (verdadeiras holdings), manejando rádios, revistas, jornais impressos, e também atividades junto ao setor de alimentos e bebidas, financeiras e bancos. Não é exclusividade daquele país, mas lá, desde o ano passado, a Constituição proibiu que as empresas de comunicação, seus diretores ou acionistas tivessem participação acionária em empresas de outro setor econômico, marcando um primeiro impacto sobre os interesses de mercado em jogo.

São esses interesses que desafiam tentativas voltadas a institucionalizar a democratização da comunicação. É preciso, portanto, que o debate seja fortalecido fora das Casas Legislativas, a exemplo das audiências públicas que ajudaram na constituição do projeto em vias de ser votado. Cumpre definir mais claramente os mecanismos da participação cidadã, de forma a garantir o caráter público do projeto. E essa é uma lição também para nós brasileiros.

Redes sociais, listas de discussão virtuais, escolas, universidades, praças: estes podem ser alguns dos espaços onde a comunicação deve estar em pauta, inclusive como disciplina, no caso específico das instituições de ensino. Eis um importante caminho para, ainda que a longo prazo, como disse Jóse Ignacio López Vigil na Cumbre Continental de Comunicación Indígena del Abya Yala (2010), “descolonizar la palabra”.

NOTA

[1] Abya Yala é o nome que desde a década de 2000 os povos originários utilizaram para designar o continente denominado pelos colonizadores e pela elite criolla/colonial como América. Ver PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter 2009 [2006] Abya Yala. In: SADER, Emir et al 2009 [2006]. Latinoamericana:

(*) Historiadora, mestre em Ciência Política e doutoranda em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB).

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.cartamaior.com.br

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