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PROER: a cesta básica dos banqueiros

Você ainda lembra disso?

O governo FHC justificou a criação do Proer com a alegação de que o sistema bancário precisava se modernizar para receber investimentos externos. Mas o que ocorreu foi que o grosso dos recursos do Proer foram distribuídos para salvar bancos falidos recebendo em troca títulos “podres” como forma de pagamentos.

Laurez Cerqueira

O Proer desapareceu do noticiário que todos os dias se mistura no túnel do tempo, descansa no cemitério de escândalos do governo Fernando Henrique Cardoso, enquanto ministros do Supremo Tribunal Federal dormem nas sessões tediosas da corte enrolados nas suas capas pretas, como “Vacas sagradas”, assim chamados pelo jurista e ex-senador José Paulo Bisol ou fazem pantomimas para se verem depois nos espelhos, agora telinhas de tv e de celulares. Os bancos sugam a seiva do trabalho dos brasileiros e muitos ainda dizem por aí que o Proer foi importante para a segurança bancária do Brasil.

Criado em novembro de 1995, no início do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, o Proer – Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, gastou R$ 37,76 bilhões com os bancos em funcionamento no país. Este valor foi apurado pela CPI dos Bancos, do Senado Federal, e consta do relatório final da comissão.

Desde 1994, mais de 70 bancos (múltiplos, comerciais, de desenvolvimento e de investimento) passaram por processos de ajuste, resultando em transferência de controle acionário, com assistência do Banco Central e com incorporação de outras instituições financeiras nacionais e estrangeiras.

A concentração bancária no Brasil se intensificou no governo Fernando Henrique. Essa concentração é fortemente marcada pela internacionalização do sistema financeiro brasileiro. Várias instituições internacionais passaram a operar no Brasil, adquirindo bancos brasileiros.

Dentre outras aquisições destacam-se a compra do Bamerindus pelo banco inglês Hong Kong & Shangai Banking Corporation (HSBC), do Banco Real pelo ABN-Amro, do Noroeste e do Banco Geral do Comércio pelo espanhol Santander, do Excel pelo Bilbao y Viscaya, do Garantia pelo CS First Boston e do Bandeirantes pelo português Caixa Geral de Depósitos. Ao todo foram 8 instituições estrangeiras que compraram 11 bancos nacionais, e passaram a disputar um mercado estimado, na época, em 50 milhões de correntistas. O potencial do setor financeiro nacional era o principal atrativo para as instituições estrangeiras. Apenas 17% dos brasileiros tinham conta em banco, enquanto na Espanha, por exemplo, esse índice chegava a 70% e no Chile, 50%.

O Professor Luiz Fernando de Paula, economista e pesquisador do Núcleo de Finanças e Macroeconomia da Universidade Cândido Mendes, estudou durante seis anos as mudanças no sistema financeiro internacional e seus impactos no Brasil. Segundo ele, a participação do capital estrangeiro no setor financeiro brasileiro, a partir de 1996, dobrou, passando de 9,79% para 18,38% até 1999, aumentando de 4,36% para 11,81%, o volume de dinheiro brasileiro depositado em instituições estrangeiras.

O governo Fernando Henrique Cardoso justificou a abertura do sistema financeiro brasileiro para a participação de instituições financeiras estrangeiras utilizando a surrada lei do livre mercado. Segundo o governo, a concorrência dos bancos estrangeiros traria benefícios para os correntistas nacionais. Mas o estudo do professor Luiz Fernando constatou o contrário. Os bancos institucionalizaram a cobrança de tarifas, argumentando que seria necessário para recompor os ganhos perdidos com o fim da inflação. Essas cobranças acabaram se transformando em mais um instrumento de captação de recursos: em 1994 as tarifas representavam apenas 2,41% de suas receitas. Quatro anos depois, o índice subiu para 6,26%. Os bancos estrangeiros não oferecem tarifas mais baixas do que os bancos nacionais e não demonstram disposição de ofertar crédito mais barato.

Os títulos públicos se transformaram na principal ração que alimenta os lucros dos bancos, são como um prato feito de taxas de juros suculentas. Com as altas taxas de juros oferecidas pelo governo para remunerar a compra de títulos públicos, os bancos não se animaram a aumentar as linhas de crédito, preferiam investir os títulos públicos porque o risco até hoje é zero. Ou seja, a internacionalização do sistema financeiro promovida pelo governo não atendeu a demanda por investimentos na economia e serviu para aumentar a especulação financeira, sugando os recursos da riqueza produzida por quem trabalha. Dados do Banco Central comprovam isso: depois da intensificação das fusões o volume de títulos públicos vendidos a bancos estrangeiros aumentou de 15,2% em 1994 para 32% em 1999, enquanto a disponibilidade de crédito foi reduzida de 41,5% para 33,3%, no mesmo período.

A receita do conjunto das instituições financeiras com a compra de títulos da dívida pública interna triplicou entre 1994 e 2001, passou de R$ 13,6 bilhões para R$ 41,7 bilhões. O estoque dos títulos públicos em poder dos bancos, que em 1994 era de R$ 53 bilhões saltou para R$ 282 bilhões, um aumento real de 171,5% (descontada a inflação da carteira de títulos públicos em poder dos bancos).

O lucro dos 20 maiores bancos que atuavam com títulos públicos, que em 1994 foi de R$ 13,6 bilhões, em 2001 chegou a R$ 37,6 bilhões, um aumento de 56,5%. A parcela dos lucros com investimentos em títulos sobre a receita total dos bancos, que em 1994 era de 22,5%, atingiu a marca de 41,1%, em 2001.

Arminio Fraga, ex-consultor de um dos maiores especuladores financeiros do mundo, George Soros, assumiu a presidência do Banco Central, em 1999 e uma das medidas dele foi liberar o depósito compulsório dos bancos em vários momentos sob a alegação de possibilitar a oferta de crédito, mas o que se verificou foi que a oferta não ocorreu. Os bancos optaram pela compra de títulos públicos, porque o lucro desde então é fácil, as taxas de juros são muito altas. Os bancos nunca ganharam tanto dinheiro no Brasil quanto durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Os lucros aumentaram cerca de 364%, segundo dados da Federação Brasileira dos Bancos, publicados no segundo semestre de 2001.

O governo justificou a criação do Proer com a alegação de que o sistema bancário precisava se modernizar para receber investimentos externos.
Mas o que ocorreu foi que o grosso dos recursos do Proer foram distribuídos para salvar bancos falidos recebendo em troca títulos “podres” como forma de pagamentos e para dar garantia a grupos estrangeiros para comprar bancos brasileiros. O Banco Econômico, o Nacional e o Bamerindus deram um calote de mais de R$ 10 bilhões de reais ao Banco Central. O Banco Nacional, da família Magalhães Pinto, que tinha uma das filhas, Ana Lúcia Catão de Magalhães Pinto, casada com Pedro Henrique Cardoso, filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, recebeu uma linha de crédito de R$ 6 bilhões de reais para pagar suas dívidas, antes que o fosse vendido para o Unibanco. O Nacional, só em fraudes contábeis, que vinham sendo praticadas desde 1986, sem a fiscalização do Banco Central, levou R$ 5,3 bilhões de reais.

O Banco Bamerindus, do ex-senador Andrade Vieira, PTB/PR, um dos maiores colaboradores da campanha de Fernando Henrique, que deu dinheiro e emprestou jatinhos para viagens do candidato à presidência, foi vendido para o grupo inglês HSBC por um preço subestimado de R$ 381,6 milhões de reais. O HSBC comprou só a parte boa e a parte podre ficou com o Banco Central. Além de outros bens o patrimônio do Bamerindus tinha 1.241 agências, ativos no valor de R$ 10 bilhões e uma seguradora das mais rentáveis do país. Como se não bastassem essas vantagens, o Banco Central deu R$ 431 milhões ao HSBC para informatização e outras despesas e garantia de R$ 1,27 bilhão em títulos da dívida externa.
Andrade Vieira, que foi ministro de Fernando Henrique Cardoso, saiu do governo acusando Pedro Malan de ludibriá-lo na venda do Bamerindus. Vieira queria mais dinheiro para salvar o banco, mas o ministro da fazenda preferiu os ingleses.

Quatro anos depois que o Bamerindus quebrou os técnicos do Banco Central concluíram o inquérito administrativo. No relatório do BC, segundo a revista Istoé Dinheiro, de 30 de novembro de 2001, consta o pedido de indiciamento, por formação de quadrilha, de dezenas de pessoas. Essas pessoas estão sendo acusadas de manipulação de uma carteira no valor de R$ 2 bilhões em créditos podres. Os indícios de crimes são: um total de 56 imóveis com valores superfaturados para quitar dívidas de devedores do banco, pagamentos indevidos de comissões a intermediários e contratação de empresas de administração de contratos imobiliários com preços muito acima dos praticados no mercado.

O texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, de 1999, estabelecia que o Executivo teria que divulgar os resultados do Banco Central discriminando os reflexos das operações de saneamento do sistema financeiro, cujos valores somaram R$ 20 bilhões de reais relativos ao ano de 1997, e os projetados para os anos de 1998 e 1999. Porém, o governo federal simplesmente decidiu não prestar contas ao Congresso Nacional sobre o impacto das operações de injeção de recursos do Proer nos bancos. O presidente Fernando Henrique Cardoso vetou 14 dispositivos da LDO de 1999, sobre o assunto. O Senado Federal, sob a presidência de Antônio Carlos Magalhães, recebeu o texto da lei de volta, mandou publicar no Diário Oficial e ponto final.

O problema é que arroubos tecnocráticos como esse consumiu uma fábula de recursos e nenhuma instituição acadêmica se dispôs até o momento a fazer as contas para saber quanto custou para o país a moeda Real e quanto perdemos com a vulnerabilidade externa do período Fernando Henrique, que permitiu tantos ataques especulativos, sendo que R$ 37,76 bilhões foram “investidos” na chamada “segurança bancária.

(*) Jornalista e escritor, autor, entre outros trabalhos de Florestan Fernandes – vida e obra, Florestan Fernandes – um mestre radical e O Outro Lado do Real, em parceria com o deputado Henrique Fontana.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.cartamaior.com.br

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História bancária em movimento

Brasil está no estágio da “bancarização”: contas correntes simplificadas, acesso à crédito e mais consumo

Vivemos na história bancária brasileira o estágio de acesso popular a bancos, com “bancarização”, via abertura de contas correntes simplificadas, crédito em consignação,  crédito ao consumo popular e mesmo o microcrédito. Há também ganho de economia de escala com fusões e aquisições e a elevação da competitividade internacional dos bancos nacionais

Brasil está no estágio da "bancarização": contas correntes simplificadas

Brasil está no estágio da “bancarização”: contas correntes simplificadas, acesso à crédito e mais consumo

Foto: Valter Campanato/ABr

A história dos bancos no Brasil apresenta dois séculos para análise e há, de fato, muito que se aprender com ela. Curiosamente, com tanta crítica à “história (restrita à) dos vencedores”, e consequente estímulo para escrever a “história dos vencidos”, deparamo-nos, tendo completado o século 20, com relativo desconhecimento da origem, do crescimento e do auge dos principais bancos nacional. Lendo “os intérpretes do Brasil”, percebe-se a ausência de personagem e instituição fundamentais: o banqueiro e seu banco.

O livro Brasil dos Bancos, recém-publicado, apresenta síntese de minhas pesquisas sobre a atuação dos bancos na economia brasileira, tema a que me dedico desde minha dissertação de mestrado, Bancos em Minas Gerais (1889-1964), defendida em 1978. A pergunta-chave, que então me despertou o interesse pelo assunto, ainda não tinha resposta na historiografia brasileira: “Por que os bancos mineiros, sediados em uma economia mais frágil, eram os maiores bancos privados do Brasil?” Minha hipótese é que, simplesmente, os bancos não eram mineiros, mas sim nacionais! Foram os primeiros cuja rede de agências ultrapassara as fronteiras estaduais para conquistar (e unificar) o mercado bancário brasileiro.

Por que os banqueiros constituíram uma das frações mais poderosas, econômica e politicamente, da classe social dominante no país? Resumidamente, o dinheiro tem o poder de comandar decisões, sejam econômicas, sejam políticas. O sistema bancário, através do multiplicador monetário, cria esse poder de maneira ilimitada, a não ser pela exigência de recolhimento de depósito compulsório por parte da autoridade monetária e por retirada de papel-moeda dos clientes. Para tanto, o setor bancário se constitui em rede de agências. No passado, devido a seu status social, principalmente em pequenas cidades, os gerentes podiam servir de “cabos eleitorais”. Alguns banqueiros foram eleitos devido a esse “poder de convencimento”. Após o golpe militar, eles deixaram de ter participação direta nas eleições, passando a influenciar indiretamente, por meio do financiamento de candidatos.

Os gestores dos bancos líderes se profissionalizaram. Ouvi representante de um desses bancos, na Federação Brasileira de Bancos (Febraban), dizer: “Nós financiamos todos os partidos porque estamos financiando o fortalecimento da democracia brasileira”!

Fases históricas do sistema bancário
No Primeiro Estágio (1808-1905), houve indefinição a respeito do padrão monetário, se se adotava o “metalista” ou o “papelista”, cada qual refletindo determinado interesse, respectivamente, o dos importadores de produtos industriais e o dos produtores de café. Esse conflito de interesses entre criar ou não bancos emissores repercutiu também na criação-destruição-recriação do Banco do Brasil. O atual foi o quarto com o mesmo nome, recriado em 1905.

No Segundo Estágio (1905-1930), ocorreu a abertura financeira ao exterior, permitindo o ingresso de capitais externos e o predomínio de bancos estrangeiros. As duas experiências brasileiras do século passado com o padrão-ouro foram a Caixa de Conversão, entre 1906 e 1914, e a Caixa de Estabilização, entre 1926-1930. Foi um período importante, com a elaboração das condições institucionais necessárias para a criação da moeda bancária, ou seja, uso generalizado de cheque, câmara de compensação e carteira de redesconto, e, consequentemente, devido a sua especialização, o descolamento da fração bancária do capital cafeeiro.

No Terceiro Estágio (1930-1945), embora se tenha debatido a criação de um banco central no Brasil, inclusive com a vinda de missão de apoio inglesa, em 1931, foram outros os fatos que mais marcaram a história bancária brasileira nesse período. Ocorreu a socialização das perdas bancárias, devido à crise de 1929. O governo de Getúlio Vargas fez a imposição da reserva de mercado, no varejo bancário, em favor dos bancos brasileiros. Adotou-se legislação liberal propícia a fundações de bancos nacionais. Foi também o início do uso de bancos públicos (federais e estaduais) para atuação desenvolvimentista.

O Quarto Estágio (1946-1964) marca o fim da fase competitiva e o início do processo de concentração bancária. Com a criação de novas instituições financeiras – Sumoc, BNDE e financeiras –, até ocorrer a reforma financeira, após o golpe militar de 1964, a prioridade da política econômica foi concedida ao financiamento do surto de desenvolvimento econômico. Em 1964, o Banco Central do Brasil foi criado. Alguns desenvolvimentistas alegam até que, tivesse ele sido fundado antes, a prioridade teria sido a estabilização inflacionária em defesa do poder aquisitivo da moeda nacional, a forma mais líquida de riqueza. O desenvolvimento estaria ainda atrasado.

O Quinto Estágio (1965-1987) foi a da chamada “repressão financeira”, que modernizou e fortaleceu o sistema bancário nacional, através de reformas monetária, habitacional e do mercado de capitais. Houve a indução do processo de concentração bancária e conglomeração financeira, durante o “milagre econômico” brasileiro, como estímulo à internacionalização dos bancos públicos e privados nacionais.

No Sexto Estágio (1988-1994), após a Constituinte, houve a liberalização financeira com a desregulamentação do mercado bancário, inclusive com o fim da exigência de carta-patente. A abertura à entrada de capital externo pôs fim à reserva de mercado do varejo bancário brasileiro. Permitiu-se excessiva facilidade para a criação de “bancos múltiplos”, principalmente a partir de corretoras e distribuidoras. Os “bancos de negócios”, cujo objetivo principal era administrar fortunas pessoais, criaram problemas, posteriormente.

O Sétimo Estágio (1995-2002) foi a partir do impacto da estabilização inflacionária, em 1994, com a breve bolha de consumo e a longa sobrevalorização da moeda nacional. Foi fator fundamental na eleição e na reeleição de Fernando Henrique Cardoso. O que restou foi o estágio transitório de crise bancária, com a liquidação de grandes bancos privados nacionais, a privatização de bancos estaduais, a reestruturação patrimonial das instituições financeiras públicas federais, a concentração e a desnacionalização bancária.

Vivemos, então, o Oitavo Estágio (2003-2012), de acesso popular a bancos, com “bancarização”, via abertura de contas correntes simplificadas, o acesso a crédito em consignação, o crédito ao consumo popular e mesmo o microcrédito. Há também ganho de economia de escala com fusões e aquisições e a elevação da competitividade internacional dos bancos brasileiros com a apreciação da moeda nacional e a crise bancária nos países de capitalismo maduro.

Um movimento que possivelmente explica a lógica dessa evolução histórica é o derivado da progressiva busca de conquista de mercado (clientes): desde o local-urbano, passando pelo estadual, regional e nacional, até deparar com a necessidade de escala e competitividade para o enfrentamento internacional. Era preciso fazer análise dos limites de cada um desses mercados e da necessidade de ultrapassar fronteiras locais. Ainda não tinha sido feita investigação da dimensão da clientela de cada tipo de banco. Tampouco discutidas de maneira suficiente as consequências financeiras e tecnológicas das características particulares dessa clientela bancária, em um país que possui uma das piores concentrações de renda e de riqueza e uma das maiores dimensões populacional e territorial no mundo.

Bancos públicos
É possível unificar duzentos anos da história do Banco do Brasil em torno da hipótese de que, embora ele tenha experimentado, periodicamente, “crises de identidade”, alternando-se entre boas e más administrações, predominou sempre, em última análise, seu papel de “banco do governo”. Nesse sentido, a contínua troca de direções, seja em regime ditatorial, seja em regime democrático, devido à alternância de poder, tornou um problema a descontinuidade administrativa e estratégica. Mas colou a história do banco à do Brasil.

Os “monopólios” da Caixa Econômica Federal lhe deram condições financeiras de atuar no papel de fomento econômico e social. Em 1931, Getúlio Vargas entendeu que, para isso, a instituição deveria ser depositária dos depósitos judiciais. Em 1937, acabou com as “casas de prego” privadas e concedeu-lhe o monopólio do penhor. Em 1961, quando a Caixa completou 100 anos, as loterias ficaram sob sua responsabilidade. Em 1986, ao incorporar o BNH, assumiu a administração do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A ameaça a essas exclusividades significa o desvio de recursos públicos para obter lucro privado. Eventual lucro dos bancos federais, seja com ações comerciais, seja com políticas públicas, acaba beneficiando a própria sociedade brasileira, através dos dividendos repassados ao Tesouro Nacional.

O debate a respeito do papel dos bancos públicos é extremamente controverso, mas mesmo os privatizantes tiveram de reconhecer suas várias virtudes. Os neoliberais não os privatizaram porque “eles corrigem falhas de mercado”. Os desenvolvimentistas defendem-nos para realocar recursos para regiões (Norte/Nordeste) e/ou setores (agricultura, habitação, infraestrutura) prioritários, mas não tão lucrativos e atraentes para iniciativas particulares. Também captam recursos no mercado, complementando recursos fiscais escassos. Fazem alavancagem financeira desses recursos, multiplicando o valor empregado em suas capitalizações. Carregam títulos de dívida pública. Obtêm lucros para pagar dividendos ao Tesouro Nacional, elevando o superávit primário. Compensam eventuais perdas no cumprimento de missão social com ganhos na ação comercial. Executam políticas públicas, por exemplo, com correspondentes bancários, crédito consignado, contas simplificadas, programas de habitação e de apoio à agricultura familiar. Usam, para isso, fundos sociais, evitando lucros privados com dinheiro público. Essas missões sociais são imprescindíveis na história brasileira de construção de nação civilizada.

Mas há críticas contra sua atuação que têm igualmente de ser consideradas. Infelizmente, eles têm também defeitos. Um deles é o corporativismo, quando há a defesa exclusiva dos próprios interesses profissionais por parte da categoria funcional, ou seja, espírito de corpo ou de grupo, e não espírito público. Outro é o apadrinhamento político, isto é, o favorecimento ou a proteção de alguns servidores ou a indicação de dirigentes por parte de deputados, senadores, governadores, ministros. Ainda há ineficiência, embora isso não seja problema exclusivo deles. Na verdade, eles são muito carentes da característica de conseguir o melhor rendimento com o mínimo de erros e/ou dispêndio de energia, tempo, dinheiro ou meios.

Bancos privados
Os traços comuns no esboço dos perfis dos “bancos privados líderes”, sinteticamente, são cinco. Todos os bancos privados nacionais, em conjunto com empresas não financeiras, fazem parte de algum grupo econômico forte. Eles atuam em todas as atividades bancárias, seja de varejo, seja de atacado, entretanto, sem perder o foco em seu nicho de mercado específico. Todos cresceram através de fusões e aquisições bancárias, ganhando assim abrangência nacional, apesar de sempre privilegiarem a disputa de negócios na região mais dinâmica e no centro financeiro, isto é, em São Paulo. Conseguiram opor barreira tecnológica a seus concorrentes. Antes da última fase de concentração bancária e de apreciação da moeda nacional, ainda não tinham escala para almejar maior inserção internacional. Agora, esse é o grande desafio.

No que se refere às bancarrotas, há algumas características comuns dos casos expressivos entre os bancos “perdedores”, isto é, aqueles cujas marcas desapareceram, nos anos 1990, que são a promiscuidade com o instável poder político, o autofinanciamento do grupo econômico-financeiro, o vínculo maior com sua base regional, a defasagem tecnológica em relação aos maiores concorrentes, a vulnerabilidade face às mudanças no contexto macroeconômico, a gestão familiar, não profissional, e fraudulenta.

Desesperado com a redução dos lucros distribuídos, o banqueiro procura ainda manipular o “lucro líquido” por meio de alguns expedientes fraudulentos como reduzir as “provisões para devedores duvidosos”, isto é, o dinheiro que precisaria reservar para fazer frente a maus pagadores, rolando indefinidamente créditos ruins ou aceitando a superposição de garantias pouco eficazes. Outro expediente é antecipar a contabilização das receitas para o início da operação, por exemplo, de crédito consignado, quando deveria ser no momento do pagamento final, para contabilizar corretamente eventual inadimplência, e postergar as despesas para o fim. Após essa “gestão de maquilagem”, passa para a “gestão desesperada”, inclusive com a proibida autoconcessão de crédito através do próprio grupo econômico.

Os impactos da desnacionalização bancária na era neoliberal entre 1988 e 2002 não foram os esperados por seus ideólogos. Os bancos estrangeiros não causaram modificações significativas no varejo bancário brasileiro, quer em termos de competitividade e de eficiência, quer no estímulo ao crescimento por meio da ampliação na oferta de crédito. A razão básica para isso foi que não entraram no mercado brasileiro para ser instituições inovadoras. Os maiores objetivos foram aproveitar a oportunidade da abertura e usufruir da elevada rentabilidade do mercado doméstico, principalmente com títulos da dívida pública indexados ao dólar. Como efeito retardado da desnacionalização, atualmente a remessa de lucros para o exterior provoca déficit na conta de serviços do balanço de pagamentos brasileiro.

Funções dos bancos
Uma das funções dos bancos é viabilizar o sistema de pagamentos brasileiro. Eles não só cumprem essa necessidade de criação de moeda bancária eletrônica como também constituem o mercado de reservas bancárias, que é essencial para viabilizar a política monetária e, em última análise, a fixação da taxa de juros básica pelo Banco Central do Brasil. Os depósitos compulsórios são a condição para a regulação do mercado de reservas bancárias, em que a política monetária é executada de maneira dinâmica. Esta ocorre, principalmente, através das operações de mercado aberto, para a fixação da taxa de juros. A obrigatoriedade de recolhimento em espécie de parcela dos depósitos ao Banco Central dita padrão de comportamento para as instituições bancárias. Define a demanda por reservas bancárias. Sendo assim, resta ao Banco Central gerenciar as operações diárias que aumentam ou reduzem as disponibilidades de liquidez, ou seja, a oferta de moeda, para colocar a Selic-mercado no nível da Selic-meta anunciada pelo Comitê de Política Monetária (Copom).

Os bancos também oferecem produtos financeiros a seus clientes para captar funding, ou seja, fundos para lastrear financiamentos. É possível resumir, brevemente, a história da riqueza brasileira até sua “financeirização”. Grande parte da riqueza de “novos ricos”, no Brasil, pré-reforma do mercado financeiro e do mercado de capitais, surgiu de atividades não produtivas, geralmente ligadas a ganhos de capital por meio de valorizações patrimoniais, como a comercialização de bens – imóveis, fazendas, empresas, participações etc. – comprados a preços baixos e vendidos após forte alta. Os investimentos e, consequentemente, as necessidades de financiamento das empresas privadas nacionais foram limitados e atendidos pelos lucros retidos e por créditos de fornecedores e de bancos oficiais.

Desenvolveu-se, aqui, economia de endividamento, e não a economia de mercado de capitais. O desafio histórico será securitizar os créditos concedidos em longo prazo, vendendo-os em mercado secundário, para investidores institucionais e estrangeiros.

Quanto à atividade de financiar, o maior risco dos bancos ocorre quando a diferença entre o valor de mercado dos ativos do banco e o valor de mercado de seus passivos fica negativa. Ela é chamada de “passivo a descoberto”. O patrimônio líquido do banco, que é o valor econômico do capital dos proprietários do banco, não consegue suportar os compromissos assumidos com seus depositantes. Indica a soma que os acionistas conseguiriam se pudessem liquidar os ativos e passivos do banco aos preços correntes nos mercados financeiros, vendendo empréstimos e obrigações e concedendo o resgate dos  depósitos. Nesse caso, os acionistas majoritários são chamados a capitalizar os bancos. Caso isso não ocorra, o banco quebrará. Antes disso, para a autoridade monetária atuar como emprestadora de última instância, os proprietários de “bancos grandes demais para falir” devem ser desapropriados. Os choques de taxas de juros são exógenos ao banco, resultando de mudanças da política monetária adotada pelo Banco Central, e provocam “marcação a mercado” dos ativos. O que está sob o controle de sua administração é a magnitude, seja em anos, seja em dias, do hiato de prazos entre os ativos e os passivos, além de sua escala, que determina o tamanho absoluto da exposição ao risco de descasamento do banco. O administrador pode utilizar informações relativas ao chamado “hiato de duration” do banco para reestruturar seu balanço, visando proteger o patrimônio dos acionistas contra o risco de variação de taxa de juros.

Um dos motivos da baixa competição entre os bancos brasileiros é porque eles “precificam” esse risco de perda dentro do spread – diferença entre a taxa de juros de empréstimo e a de captação – para concessão de créditos. As instituições financeiras líderes tentam evitar “guerra de preços”, que desandaria o mercado. Competem fortemente, mas através das inovações financeiras, da oferta de outros serviços, de tecnologia e da publicidade, entre outros atributos, mais do que por preços.

Quanto a esses juros de empréstimos, cada qual observa seu cluster, ou seja, os competidores diretos de mesmo porte, e tenta não se afastar muito dos preços – juros e tarifas – deles. Esse conluio surge de forma espontânea ou informal. Se sua taxa de juros for fixada acima da de seus concorrentes, só os maus clientes rejeitados por eles aceitarão contratá-la, pois intencionam mesmo não pagá-la… Se ela for fixada sistematicamente muito abaixo, haverá custo de oportunidade, e o controlador poderá despedir o precificador! “É melhor errar de maneira coletiva, quando você se apresenta como ‘vítima dos acontecimentos’ que atingiram a todos, do que individualmente, quando você não terá uma boa desculpa”: essa é a máxima dos profissionais do mercado financeiro.

Sendo assim, o “cadastro positivo de bons pagadores” não melhorará as condições de crédito tanto como se espera. Isso por causa da maneira como é feita a precificação do crédito. O pressuposto por qualquer banco é que ele conceda empréstimos com base em recursos de terceiros dos quais, mais tarde, terá de prestar contas, provando seu uso adequado. Portanto, ele nunca poderá perder dinheiro em operações de crédito!

O custo da perda, devido à inadimplência, tem de ser transferido aos tomadores de crédito adimplentes. No modelo-padrão de apreçamento, a mitigação de risco tem um peso fundamental, pois “os justos pagam pelos pecadores”, em espécie de “aval solidário”, sem que os bons clientes tenham consciência disso.

No entanto, a principal função social dos bancos, que é financiar todas as atividades econômicas, evoluiu muito nos governos de Lula e de Dilma. Eu acreditava, inicialmente, no potencial para a atuação, na área de microcrédito, dos outros bancos públicos federais, além do Banco do Nordeste do Brasil. Pensava que poderiam fazer parcerias com Sociedades de Crédito ao Microempreendedor ou ONGs para os programas de microcrédito, de fato, terem impacto social significativo. No entanto, as modalidades de crédito popular da Caixa e do Banco do Brasil não seguiram o modelo puro do microcrédito produtivo orientado com grupos de aval solidário, devido a seu custo significativo e sua abrangência restrita. Acabaram criando modelo propriamente brasileiro, que foi construído para tecnologia bancária avançada enfrentar problemas específicos de sociedade urbana, massificada, espalhada em território imenso, com grande desigualdade de renda. Essa política de acesso maciço a crédito fomentou o mercado de consumo popular no país.

Perspectivas dos negócios bancários
A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) prevê que o país será o maior produtor mundial de alimentos nesta década. A despeito dessas extraordinárias transformações produtivistas ocorridas na economia rural nos últimos anos, os bancos privados ainda se mostram reticentes a financiar, voluntariamente, o setor. Por esse motivo, os mecanismos parafiscais, os bancos públicos e os recursos de aplicação compulsória dos bancos comerciais respondem pela quase totalidade do financiamento da atividade corrente e de investimento do setor rural.

Os riscos climáticos e sanitários necessitam ser mitigados com o seguro rural. Os riscos de mercado podem ser prevenidos com o mercado formal de derivativos agropecuários em operações de hedge. As transações com derivativos envolvem instrumentos contratuais de venda antecipada e proteção contra variações cambiais. Trata-se de desafio de transição histórica, passando de uma economia de endividamento, principalmente via Banco do Brasil, para uma economia de mercado de capitais, via seguradoras ou BM&F.

Nesse cenário futuro, o subsídio ao prêmio de seguro deverá ser o único subsídio público para a agropecuária no Brasil. Os benefícios da maior credibilidade de contratos e dos menores gastos públicos superarão os custos atuais com as periódicas equalizações de juros do crédito rural oficial, securitizações e renegociações da dívida rural.

Quanto ao futuro do financiamento do desenvolvimento urbano, temos de vê-lo como desdobramento de mudanças históricas recentes. Com as vitórias da oposição popular em eleições democráticas, a partir de 1982, houve o início da adoção pelos poderes públicos locais de políticas de reconhecimento das favelas e dos loteamentos irregulares e clandestinos como solução dos problemas de moradia das camadas populares. Ao proporem a legalização da posse da terra e a urbanização das favelas, essas políticas democráticas reduziram as incertezas quanto à manutenção dos moradores em suas ocupações e criaram expectativas de melhorias das condições de vida. O resultado foi também a redução das barreiras para novas ocupações ou para o crescimento vertical das favelas.

Os dados comuns às favelas mostram que esses locais não podem ser vistos apenas como áreas de moradia ou de narcotráfico, pois em seu interior existem comércio de bens, prestação de serviços e vida urbana estruturada. Os governos democráticos investem na transformação das favelas em bairros populares urbanizados. Os bancos estão começando a perceber a importância estratégica de instalar agências nessas localidades. Outro passo será financiar a reforma das habitações, atualmente precárias, à medida que forem legalizadas essas posses do solo urbano.

Quanto à estratégia bancária brasileira de inserção internacional, se mantiver, continuamente, política de crescimento com distribuição de renda, o Brasil terá a possibilidade de se tornar um dos maiores mercados consumidores do mundo, atraindo com sua maior escala mais investimentos diretos estrangeiros, que podem multiplicar renda e empregos. Essa economia de escala deve ser a meta de todos os empresários no Brasil, seja do setor produtivo, seja do setor financeiro. Com a estabilização da inflação, os primeiros sentiram antes a necessidade de ser competitivos, segurando preços e ampliando quantidade vendida. Agora, com ampliação da escala do mercado de crédito, os próprios bancos já começam a sentir que a política de repasse automático do aumento de custo de captação para seus preços, isto é, para as taxas de juros do crédito, não é a melhor conduta para o sistema financeiro. Ao contrário, a massificação do crédito alavancará a economia brasileira e propiciará a capitalização de seus bancos. Com base em uma moeda nacional apreciada, eles conseguirão estender sua rede de agências para outros países de interesse comercial e também atender emigrantes brasileiros.

Fernando Nogueira da Costa é professor livre-docente do Instituto de Economia da Unicamp, autor de Brasil dos Bancos (Edusp, 2012). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ e email: fernandonogueiracosta@gmail.com

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO http://www.teoriaedebate.org.br

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