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Jornalismo, a missão interminável

Por Alberto Dines em 24/10/2012 na edição 717

Saudação proferida na solenidade de entrega do 34º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, que homenageou os jornalistas Alberto Dines e Lúcio Flávio Pinto com o Prêmio Especial “pelos relevantes serviços prestados à causa da Democracia, da Paz, da Justiça e contra a Guerra”. O evento ocorreu na terça-feira (23/10/2012), no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O Prêmio Vladimir Herzog é uma iniciativa das seguintes instituições: Associação Brasileira de Imprensa – Representação em São Paulo (ABI/SP); Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji); Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil (UNIC Rio); Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj); Fórum dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo; Instituto Vladimir Herzog; Ordem dos Advogados do Brasil-Seção São Paulo (OAB/SP), Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo e Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. (L.E.)

O melhor prêmio que se pode conceder a um jornalista é a oportunidade para seguir trabalhando. Somos escravos do efêmero, vítimas da fragmentação; assim como fazem com os equipamentos, querem nos condenar à obsolescência, isto é, nos desativar. O reconhecimento é a nossa chance – ainda que fugaz – de avisar que estamos atentos, ativos, portanto vivos. Este privilégio vale mais do que medalhas de ouro – aliás, a única que recebi nos últimos 60 anos foi roubada num arrastão no meu prédio.

Também sabemos conviver com os holofotes, sobretudo em ocasiões como esta em que o inspirador deste prêmio, os objetivos da premiação e os companheiros premiados simbolizam os mais preciosos valores da arte jornalística – solidariedade, decência, dedicação.

Esta é uma festa, mas não devemos esquecer a suprema ironia de, sendo arautos das mudanças, somos também suas primeiras vítimas. Cultores da palavra livre, estamos aprisionados por um palavrório vazio e perverso, geralmente composto por neologismos como “monetização”, “modelo de negócios”, “terceirização”, “outsourcing”, “sinergia”, “aliança estratégica”.

Éramos marginais no início, em seguida fomos reconhecidos como trabalhadores, depois nos transformaram em PJs, agora querem que sejamos empreendedores. Tudo bem, seremos empreendedores, mas pelo menos facilitem a desconcentração, abram espaços. Mas, por favor, não despachem nossos jornais para as nuvens virtuais porque de lá voltarão emitindo grunhidos com 140 caracteres.

O Senhor Mercado imagina que o mundo é movido por gadgets, o Senhor Mercado engana-se mais uma vez: o mundo é movido por ideias, por gente. Sócrates, pai da filosofia, não sabia ler nem escrever, estava apenas conectado com a condição humana e inventou o diálogo.

A informação hoje ou é codificada através de números ou glamourizada pela informalidade. Inovação é um vale-tudo que virou retrocesso. O jornalismo forjado na esfera do espírito e da moral está a reboque da banalidade. Éramos os buscadores da verdade, hoje querem de nós apenas meias verdades. Às vezes nem isso, apenas meias meias-verdades. Desde que abençoadas pelo capelão da empresa. Deo gratias.

Mesmo assim, estamos aqui, sob a égide de um idealista chamado Vladimir Herzog, irmanados pelo compromisso de restaurar o acontecido. Não somos juízes, mas sabemos desencavar destroços e com eles contar histórias. É a nossa especialidade.

Outras histórias

A absurda tese do suicídio de Vladimir Herzog foi derrubada trinta e sete anos depois. Foi morto nas dependências de uma repartição militar onde se apresentou voluntariamente um dia antes. Mas não podemos esquecer que semanas antes Vladimir Herzog foi submetido a um autêntico bullying jornalístico por um profissional da imprensa marrom chamado Claudio Marques, que sugeria cinicamente sua internação no “Tutóia Hilton”, nefanda alusão à localização do Doi-Codi.

Herzog era tímido, não me conhecia, pediu a Zuenir Ventura que me contasse a campanha de difamação contra ele empreendida pelo colunista do Shopping News. Fiz uma denúncia no “Jornal dos Jornais” [coluna dominical de crítica de mídia publicada na Folha de S.Paulo entre julho de 1975 e julho de 1977], não adiantou: uma semana depois, Vladimir Herzog foi assassinado.

Claudio Marques jamais foi convocado a prestar contas sobre sua cumplicidade. Vi-o uma vez na redação da Folha de S.Paulo, fazia parte da corriola da linha-dura que andava por lá, era próximo do coronel Erasmo Dias, assíduo em outras redações paulistanas.

Cabe a nós completar esta e outras histórias. Nossas pautas são enormes. Com prêmio ou sem prêmios precisamos tocá-las. Podemos ser encostados, jamais seremos descartáveis. Parafraseando Kant, nossa missão é interminável. Com ou sem papel, nosso papel é intransferível.

Artigo http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/jornalismo_a_missao_interminavel

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Caminhos para o jornalismo investigativo

Por Lilia Diniz em 26/10/2012 na edição 717

O jornalismo investigativo, a espinha dorsal da profissão, requer um alto investimento. Profissionais capacitados, tempo disponível para aprofundar apurações mais demoradas e despesas com viagens são alguns dos requisitos para uma reportagem investigativa de fôlego. Mesmo para os jornais de circulação nacional, o custo pode inviabilizar a realização do trabalho. Diante desse cenário, um grupo de jornalistas decidiu aproveitar a experiência de outros países para montar a Pública, uma agência independente que produz material investigativo de interesse público.

A agência foi fundada em março de 2011e abre espaço para temas pouco explorados pela imprensa brasileira. A agenda de pautas é diversificada. Temas como a militarização da administração municipal em São Paulo, as desumanas condições das empregadas domésticas no Pará e a venda de armas para os movimentos da Primavera Árabe dividem o espaço no site da agência. E todo o conteúdo produzido é de livre reprodução. O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (23/10) pela TV Brasil entrevistou Natalia Viana, uma das criadoras da Pública.

Desde 2002, quando começou a trabalhar na revista Caros Amigos, Natalia se dedica a reportagens baseadas em longas pesquisas, como o movimento cocaleiro na Bolívia, corrupção internacional e assassinatos de lideranças sociais no Brasil. Desenvolveu projetos para as TVs públicas PBS, dos Estados Unidos e BBC, do Reino Unido, e colaborou com os jornais The Guardian, The Independent e Sunday Times, entre outros. É coautora dos livros Movimento, uma Reportagem e Habeas Corpus – Apresente-se o Corpo. Natalia Viana cursou mestrado em Londres e é parceira do WikiLeaks no Brasil.

Mais plataformas, menos conteúdo?

No editorial exibido antes da entrevista, Alberto Dines sublinhou a importância do jornalismo como poder e contrapoder, agente de inovações e fiscal: “O mundo jornalístico está há uma década envolvido em uma discussão sobre o futuro da sua plataforma mais conhecida: o papel impresso. Quanto mais encolhe o negócio de jornais e revistas, menos se fala nas deficiências do seu conteúdo.Quanto mais se louvam as novas tecnologias, os avanços espetaculares das redes sociais, menos se fala na necessidade de devolver ao jornalismo a sua função elementar como serviço público”.

Na abertura do programa, Dines perguntou se um projeto de jornalismo investigativo independente calcado na iniciativa privada ou subsidiado por governos seria viável. Na avaliação de Natalia Viana, esta experiência já ocorreu com sucesso em outros países, mas, no Brasil e na América Latina, as empresas acabam perdendo a independência. “A gente adotou esse modelo, que é um modelo sem fins lucrativos, porque já existe em outros países e está crescendo”, disse.

A jornalista explicou que a agência é uma resposta à crise das publicações impressas, nas quais o jornalismo investigativo tradicionalmente encontra mais espaço. Além de buscar uma nova dinâmica de trabalho, a ideia do grupo que fundou a Pública é inovar também no sistema de financiamento. Desde o início do projeto, discutiu-se como manter uma empresa jornalística sem se tornar dependente dos anunciantes.

O terceiro setor como alavanca

Hoje, duas instituições que têm entre seus preceitos a defesa da democracia – a Ford Foundation e a Open Society Foundations – sustentam a agência Pública. Dines comentou que, nos Estados Unidos, a pequena imprensa está encontrando ainda mais dificuldades do que a mídia tradicional para se manter durante a crise financeira. E, para não fechar as portas, os jornais estão propondo tornarem-se instituições sem fins lucrativos. O Congresso norte-americano já examina um projeto para converter jornais regionais em instituições do terceiro setor.

“Além de produzir jornalismo investigativo, a gente tenta fazer o que não é feito pela imprensa tradicional. É muito simples explicar o que a gente faz: nós não fazemos notícia, não fazemos jornalismo de entretenimento, de celebridades. Não fazemos nada disso. Temos um foco muito grande em direitos humanos e questões sociais, que são coisas que não são cobertas mesmo pela imprensa tradicional”, explicou a Natalia. Um dos compromissos firmados pela agência é o de sempre inovar na forma de produzir e de apresentar o conteúdo. Natalia Viana comentou que a equipe não está concentrada em descobrir qual é o público da agência para não acabar se sentindo na obrigação de agradar a este determinado segmento.

A jornalista contou que, para estar sempre inovando, o site lançou um projeto de microbolsas de financiamento para profissionais independentes no valor de R$ 4 mil, cifra bem acima do normalmente pago pelo mercado. Além de enviar a pauta, o interessado deveria detalhar o modo como a reportagem seria produzida. Em tom de brincadeira, Dines apelidou a iniciativa de “BNDES de fomento ao jornalismo investigativo”. A agência recebeu mais de 70 projetos de profissionais de todo o Brasil.

Conteúdo pulverizado

Diversos veículos de comunicação já republicaram conteúdo produzido pela agência. O Estado de S.Paulo, Carta Capital, Terra e Yahoo são exemplos de empresas de comunicação que se interessaram pelo material produzido pela Pública. “Eles precisam de notícia. Eles precisam de jornalismo. E não têm capacidade de fazer mesmo. O editor de um desses sites grandes falou para mim: ‘Eu acho muito legal o que vocês fazem porque eu não posso deixar um repórter meu por dois dias em uma pauta’. Caiu o meu queixo porque se me derem dois dias para fazer uma pauta eu me mato”, disse a jornalista. No Pública, os repórteres costumam dedicar-se a uma pauta, no mínimo, por uma semana.

Além da imprensa tradicional, pessoas comuns também reproduzem o conteúdo da agência, definida por Natalia Viana como uma “estante de reportagens”: “A gente está com uma série de entrevistas com o Julian Assange, que é o fundador do Wikileaks. Ele fez entrevistas com lideranças do mundo inteiro, inclusive o Rafael Correa, que acabou dando asilo para ele. E a gente abriu e anunciou no nosso site que quem quisesse ser republicador poderia, e demos um prazo para as pessoas se inscreverem. Inscreveram-se tanto a EBC quanto o Estadão. E se inscreveram algumas pessoas que disseram: ‘eu quero passar no meu Facebook’. E nós aceitamos, porque as pessoas também são emissoras hoje em dia”, disse Natalia Viana.

Dines comentou que as grandes reportagens investigativas foram a base do jornalismo desde o século 19 até o início do 21. Para Dines, hoje, atualmente, se gasta “pouca sola de sapato” na apuração das notícias. E o contexto das informações é negligenciado. Natalia Viana comentou que uma das diretoras do site costuma dizer que na internet só há notícias velhas, por isso a agência prioriza a publicação de conteúdo que nenhum outro veículo publicou até então. “Eu mesma, quando era correspondente, às vezes trazia uma notícia nova e o editor dizia ‘ninguém está dando [a informação], será que a gente deve dar?’”, lembrou a jornalista.

Um passo adiante

Dines perguntou a Natalia Viana se a agência, no futuro, teria fôlego para se tornar um veículo formador de opinião. A jornalista contou que a equipe trabalha nesse sentido e que o exemplo norte americano é bem sucedido. Um dos centros de jornalismo investigativo que serviu de modelo para a agência, o ProPublica, tem um orçamento de 10 milhões de dólares por ano e hoje é uma importante força política. Grandes jornais, como o Washington Post e o New York Times, são parceiros da agência norte-americana.

“O caminho para a Pública chegar a isso é fazendo reportagens e jornalismo de qualidade. A única arma que nós temos é o jornalismo. Não temos mais nada. Não temos uma estrutura grande, não temos um nome reconhecido, não temos grandes marcas nos financiando. A única coisa que pode mostrar a que viemos é o nosso jornalismo”, afirmou Natalia. A redação a agência conta com profissionais formados com base em um jornalismo mais tradicional e também repórteres jovens, habituados a trabalhar com as tecnologias digitais. “É a moçada que já pensa em termos de Facebook, então é muito interessante, é uma mistura”, contou a fundadora da Pública.

Na avaliação de Natalia Viana, nos últimos três anos houve um interesse maior da grande imprensa em investir na apuração das pautas. Novas iniciativas, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), surgiram para dar mais respaldo ao setor. “Quem faz jornalismo investigativo é um tipo de gente, um tipo de jornalista. As pessoas acham que fazer jornalismo investigativo é incrível, é aquela pessoa aventureira, que vai cobrir guerra. Não! Na maioria das vezes você vai ficar sentada na frente de pilhas e pilhas de documentos durante dias. E, muitas vezes, é muito chato. Para mim, não é. Eu adoro, mas é um tipo específico de jornalismo.”.

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Jornalismo como serviço público

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa nº 662, exibido em 23/10/2012

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa, agora em horário nobre. Esqueça as novelas, o que oferecemos a você não está nos telejornais da noite.

O mundo jornalístico está há uma década envolvido numa discussão sobre o futuro da sua plataforma mais conhecida: o papel impresso. Quanto mais encolhe o negócio de jornais e revistas, menos se fala nas deficiências do seu conteúdo. Quanto mais se louvam as novas tecnologias e os avanços espetaculares das redes sociais, menos se fala na necessidade de devolver ao jornalismo sua função elementar como serviço público, poder e contrapoder, agente de inovações e fiscal.

Na edição de hoje, o Observatório prossegue na missão de identificar iniciativas jornalísticas inovadoras. Uma delas é a agência de jornalismo investigativo Pública, um projeto que só poderia ser plenamente realizado no terceiro setor. Nas mãos da iniciativa privada ou do governo, perderia sua independência e legitimidade.

Artigo colhido no sítio http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/caminhos_para_o_jornalismo_investigativo

 

Por Alberto Dines em 24/10/2012 na edição 717

Saudação proferida na solenidade de entrega do 34º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, que homenageou os jornalistas Alberto Dines e Lúcio Flávio Pinto com o Prêmio Especial “pelos relevantes serviços prestados à causa da Democracia, da Paz, da Justiça e contra a Guerra”. O evento ocorreu na terça-feira (23/10/2012), no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O Prêmio Vladimir Herzog é uma iniciativa das seguintes instituições: Associação Brasileira de Imprensa – Representação em São Paulo (ABI/SP); Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji); Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil (UNIC Rio); Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj); Fórum dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo; Instituto Vladimir Herzog; Ordem dos Advogados do Brasil-Seção São Paulo (OAB/SP), Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo e Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. (L.E.)

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