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Assembleia dos povos Guarani critica morosidade do governo para demarcar terras indígenas

Alex Rodrigues – Enviado Especial

Douradina (MS) –  Em um documento cuja cópia foi entregue hoje (1º) a representantes do governo federal, do Ministério Público Federal (MPF) e a parlamentares sul-mato-grossenses, os cerca de 300 índios guaranis kaiowás e nhandevas que participaram do Aty Guasu denunciaram episódios de violência e exigiram a rápida demarcação de terras. “Não aceitaremos mais promessas vazias e conclamamos toda a sociedade brasileira e internacional a continuar exigindo do governo brasileiro a demarcação de todas as nossas terras.”

Tradicional assembleia guarani, a Aty Guasu reúne lideranças de todas as comunidades da etnia existentes em Mato Grosso do Sul, além de idosos, crianças, homens e mulheres que se reúnem para discutir os problemas e as principais reivindicações de cada terra, aldeia ou acampamento guarani sul-mato-grossense. Este ano, a assembleia ocorreu entre quarta-feira (28) e hoje (1), na Aldeia Lagoa Rica-Panambi, e contou com a presença de representantes de vários órgãos da estrutura federal, como a presidenta da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marta Azevedo. Essas mesmas autoridades participaram, ontem (30), de um encontro para tentar achar soluções para o conflito fundiário entre índios e fazendeiros, que há décadas disputam terras no estado.

No documento aprovado ao fim da assembleia, os índios fazem uma série de reivindicações e voltam a criticar o governo federal pela “morosidade em demarcar as terras indígenas” já identificadas. Os guaranis exigem que os governos federal e estadual consultem a Aty Guasu sobre qualquer iniciativa ou procedimento que afetem os interesses indígenas e pedem que medidas mais as eficazes sejam tomadas para garantir a vida das lideranças, sobretudo daquelas de comunidades em áreas de conflito.

A Aty Guasu também pede mais atenção e recursos à saúde indígena, alegando que os guaranis são vítimas de um processo de “etnocídio” e estão “condenados a um sistema de saúde sucateado”, no qual faltam profissionais dispostos ou aptos a atender as áreas indígenas. Situação semelhante à encontrada no campo da educação indígena, de acordo com o documento entregue às autoridades.

Os índios também criticam o Poder Judiciário, que, no documento, é classificado como o maior “executor de penas que causam a morte de nosso povo”. “Processos de demarcação há anos se arrastam nos porões do Judiciário; ordens de despejo são dadas a todo o momento e indiscriminadamente […] quando é obrigação do governo brasileiro garantir escola, saúde, alimentação e documentação para nosso povo, onde quer que ele esteja”, criticam os líderes indígenas presentes à Aty Guasu, afirmando que o Estado só age para garantir os direitos indígenas quando pressionado pela repercussão midiática e social de certos temas.

“Repudiamos todas as violências, ameaças às lideranças e mentiras levantadas contra nossos parentes e reafirmamos para toda a sociedade que estamos unidos com o mesmo objetivo. Não permitiremos que outros povos sejam massacrados como o nosso. Por isso exigimos a demarcação das terras do povo Terena, Kinikinau e Ofaié, além da imediata devolução das terras do povo Kadiwéu”.

Confira a galeria de fotos da tradicional assembleia guarani, a Aty Guasu.

Edição: Lílian Beraldo

Notícia colhida no sítio http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-12-01/assembleia-dos-povos-guarani-critica-morosidade-do-governo-para-demarcar-terras-indigenas

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O povo Guarani-Kaiowá. Da terra sem males à busca do trabalho sem males

Gerardo Iglesias – Adital – Tradução: ADITAL


Acabaram com seu hábitat, que era uma extensão de seus corpos. Em todo o Estado de Mato Grosso do Sul, a selva foi devastada como se tratasse de um inimigo e milhares de indígenas perambulam agora com suas raízes no ar.

Ao que hoje ‘mal vivem’, encurralados na pobreza e na desesperança, engrossam as listas dos trabalhadores das fazendas pecuaristas, das carvoarias vegetais e do imenso canavial onde as denúncias de trabalho escravo são permanentes. Outros vendem sua força de trabalho nos frigoríficos avícolas, lugares de extrema exploração, onde a dignidade é cortada em pedacinhos, como as asinhas dos frangos.

“Reconhecem sua organização social, seus costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, correspondendo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (Constituição da República Federativa do Brasil, Art. 231).

A mãe terra, a mãe Dilma…
E o capitalismo parido de um furúnculo

O povo Guarani-Kaiowá soube transitar por séculos boa parte do atual Estado do Mato Grosso do Sul, no Centro Oeste do Brasil, fronteira com o Paraguai e com a Bolívia. Uma terra sem limites, um presente do “Grande Pai Ñande Ru”.

Sua “Casa Grande”, sua “Tekoha”, era um mar de floresta. Lá confluíam muitas das bondades da “terra ideal” que a cultura e a espiritualidade guarani denominam a Terra sem Males.

Em janeiro de 2011, a presidenta Dilma Rousseff recebeu uma carta do povo Guarani-Kaiowá na qual manifestavam: “Que bom que a senhora assumiu a presidência do Brasil. É a primeira mãe que assume essa responsabilidade. Porém, queremos recordar que para nós a primeira mãe é a mãe terra, da qual somos parte e que nos sustenta há milhares de anos.

Presidenta Dilma: nos roubaram nossa mãe; ela foi maltratada; fizeram sangrar suas veias; danificaram sua pele; quebraram seus ossos. Rios, peixes, árvores, animais e aves… tudo foi sacrificado em nome do que chamam progresso. Para nós, é destruição, é matança, é crueldade.

Sem nossa mãe terra sagrada, nós também estamos morrendo pouco a pouco. Por isso, estamos fazendo esse chamado no começo de seu governo. Devolvam nossas condições de vida que são nossos “Tekoha”, nossas terras tradicionais.

Não estamos pedindo nada demais; somente nossos direitos que estão nas leis do Brasil e em âmbito internacional…”

O povo Guarani-Kaiowá, órfão de selva, aguarda todavia a resposta da mãe Dilma.

O primeiro desembarque
Da Casa Grande à Grande Coisa

No século XVI, chegaram os portugueses marchando em franca contravia à cosmovisão desenvolvida pelas populações locais. Desde sua visão eurocêntrica e mercantilista, os conquistadores não viram o Mundo Novo como uma “Casa Grande”, viram, sim, como uma Grande Coisa, com preço, porém, sem valor.

Apenas pisaram na praia e se proclamaram donos dessas terras, um presente da Igreja e dos reis de Portugal e da Espanha. Assim o definiam no Tratado de Tordesilhas e na Bula do Papa Alexandre VI, o mais poderoso escrivão da época.

Com tamanha vênia e bênção, a ação exterminadora dos portugueses e de seus mercenários não conheceu limites. A espada, a cruz e a cobiça –a santa trindade do saqueio- acometerão sem piedade contra os povos originários, violentando sua forma de vida, sua cultura e sua espiritualidade.

Para a Igreja, os indígenas eram selvagens sem alma, e para o nascente capitalismo, eram escravos sem salvação. Coisas suscetíveis de apropriação, de ser exploradas sem misericórdia e sem a ameaça de excomunhão para os exploradores. Coisas que tinha sua história; porém, pouco importa a história das coisas.

O último desembarque
As transnacionais: os novos amos

Em português, Mato Grosso significa “matagal” e vem da palavra guarani kaaguazú (monte grande). Como ressaltam na carta a Mãe Dilma, durante milhares de anos, indígena e natureza foram parte de um mesmo corpo. Agora, não.

O desmatamento em Mato Grosso do Sul tem suas origens no final do século XIX, junto com a exploração intensiva da erva mate. Entre 1920 e 1960, a depredação ambiental foi impulsionada pela indústria madeireira, e de 60 a 70, pela pecuária.

No início dos anos 80, a superfície destinada à cana de açúcar avançou freneticamente; e nos anos 90, irrompeu a soja: a idolatrada deusa do agronegócio e mascarão de proa das transnacionais Monsanto, Bunge e Cargill, que já cobre 2,1 milhões de hectares no MS.

Na mais absoluta impunidade, as grandes fazendas e o monocultivo foram invadindo e devastando as terras dos povos indígenas; enquanto que, um governo após o outro, coincidiram em exibir idêntica capacidade para o descaso ante essa gigantesca usurpação.

No Brasil, habitam 190 milhões de pessoas, 1% tem em seu poder 46% das terras cultiváveis, e vai em busca de mais, invadindo terras, atropelando a selva, e, simultaneamente, atropelando o Parlamento através da bancada ruralista.

Sediciosa, relegada a um canto, a Reforma Agrária sofre de paralisia crônica.

A mãe selva
E o grande irmão do etanol

Se hoje o cenário é dramático para os povos indígenas e para a agricultura camponesa –outra vítima do atropelo da agricultura industrial-, o panorama futuro se apresenta desolador.

A fascinação reinante pelos agrocombustíveis e sua entusiasta promoção realizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que converteu esse carburante na ponta de lança de sua política exterior, aprofundarão a situação.

O etanol –o combustível do século, segundo Lula, o biocombustível, como a grande indústria batizou- necessita escala; e no Mato Grosso do Sul, o canavial já ocupa uns 700 mil hectares e ameaça expandir-se ainda mais.

Avança como um tsunami verde que ninguém detém e, como bem diz Iara Tatiana Bonin, nesse cenário, os povos indígenas são um estorvo. São vistos como “ervas daninhas” que devem ser erradicadas do “jardim do latifúndio”, para abrir caminho aos planos dos “jardineiros do progresso”.

O cacique Ládio Verón, filho de Marco Verón, assassinado em 2003, denunciou: “Nossas terras no MS estão passando por um processo de devastação total. Lá, um pé de cana vale mais do que um índio, mais do que uma criança indígena; e uma vaca vale mais do que toda uma comunidade”.

Um verdadeiro (Eco)Genocídio
As duas caras de uma mesma moeda

Em 2004, a soja no Brasil havia provocado o desmatamento de 21 milhões de hectares. Em Mato Grosso do Sul, o monocultivo de soja ocupa 2,1 milhões de hectares.

O avanço desenfreado da superfície destinada ao agronegócio, as terras de pastoreio dos ranchos pecuaristas, mais a desídia do governo federal provocaram a eliminação de 80% do bosque nativo nesse Estado.

No MS, a antiga Terra sem Males, a Terra de todos, 1% da população possui 35% da terra (2004), enquanto que os povos indígenas, sem selva, mal vivem em uma esquina esquecida, entre o monocultivo e a atividade pecuária.

Segundo Egon Heck, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), “A invasão incessante de terras indígenas por rancheiros e agricultores está dizimando as comunidades nativas; e isso equivale a um genocídio. Está em jogo a sobrevivência de muitos dos 60 mil indígenas das etnias Guarani-Kaiowá e Terena.

Eles estão sendo levados a um beco sem saída, e a menos que o governo demarque suas terras ancestrais e proíba entrar nelas quem não for indígena, não poderão sobreviver. Como resultado dessa situação, os níveis de violência na região são extremamente altos”, enfatizou o missionário.

Dados do Cimi revelam que desde 2003 foram assassinados 279 indígenas no Mato Grosso do Sul. Em 2011, a cifra chegou a 51 indígenas em todo o Brasil; 32 deles no MS. “Na terra indígena de Dourados, em 2011, o índice de homicídios era de 140 por 100.000 habitantes; ou seja, 14 vezes superior à mortalidade em países em estado de guerra civil, como o Iraque”.

No MS, a terra do agronegócio, as vítimas são sempre culpadas; e uma bala paga seu preço caso acabe com a vida de um indígena.

Da Terra sem Males
À busca do Trabalho sem Males

Despojados de suas terras ancestrais, encurralados pelos pecuaristas e pelo deserto verde do agronegócio, os Guarani-Kaiowá e os Terena entraram em um processo de proletarização e são explorados como mão de obra barata.

Agora, milhares de indígenas trabalham em carvoarias, nos canaviais ou em algum frigorífico onde frangos e trabalhadores são triturados ao mesmo tempo. O MS está em 4º lugar no ranking nacional elaborado pelo Ministério do Trabalho, que registra trabalhadores em situação análoga à escravidão.

No canavial, “como o pagamento é feito pela produção, trabalha-se para cumprir a quota que cresce com a mecanização. Diversos cortadores de cana informam que a meta atual no MS é de 9 toneladas de cana cortada por dia. Os que cortam menos não têm emprego”.

Marcos Antonio Pedro, um indígena Terena, conseguiu empregar-se no frigorífico avícola da Cargill, em Sidrolândia. Morreu triturado por uma máquina em um lamentável acidente, no dia 28 de março de 2008.

A transnacional informou que Marcos havia cometido suicídio. Naquele ano, a cada 66 segundos eram desossadas seis peças de frango entre pernas e músculos. Uns 100 trabalhadores por mês pediam demissão ou, quando já não serviam, eram demitidos.

Os Guarani-Kaiowá e os Terena continuam sua busca da Terra sem Males. Porém, agora, constituem 20% dos quadros das avícolas do Mato Grosso do Sul, e lutam por um Trabalho sem Males, onde as pessoas não adoeçam ou morram.

Notícia colhida no sítio http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=72479

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