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Pesquisa aponta a pobreza gerada com o avanço do agronegócio

Uma pesquisa de mestrado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) mostrou que existe uma relação entre a expansão de atividades do agronegócio e o crescimento da pobreza em áreas específicas do estado de São Paulo. Segundo o estudo, regiões reconhecidas pela força agroindustrial estão passando por um processo de concentração de renda, de terras e de pobreza.

Aline Scarso – Brasil de Fato

(*) Reportagem publicada originalmente no Brasil de Fato.

O levantamento sinaliza ainda que o agronegócio aproveita a vulnerabilidade das regiões para se instalar e criar raízes. Intitulado São Paulo Agrário: representações da disputa territorial entre camponeses e ruralistas de 1988 a 2009, o estudo é do pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera), Tiago Cubas. Ele trabalha com dados como o Índice de Pobreza Relativa, Índice de Gini e de Concentração de Riqueza para revelar uma situação de contradição.

Hoje a população rural do estado é de 1,7 milhões de habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 1980 era de 2,9 milhões. De acordo com a pesquisa, a região do entorno da cidade de Ribeirão Preto, a chamada Califórnia Brasileira, é uma das que mais aumentaram o abismo econômico entre a população durante os anos de 1988 a 2009. Situação semelhante também ocorreu no entorno das cidades de Araraquara e Campinas e nas regiões do Pontal do Parapanema – principalmente no entorno dos municípios de Presidente Prudente e Araçatuba, e do Vale do Ribeira, entorno do litoral sul paulista e de Itapetininga (veja mapa abaixo). Dos 645 municípios paulistas cadastrados para mapeamento, apenas 228 municípios conseguiram amenizar a intensidade da pobreza no período pesquisado. No restante, a miséria aumentou.

O autor mostra que as regiões onde isso ocorreu são espaços do desenvolvimento do agronegócio, especialmente da monocultura da cana-de-açúcar. É o caso da Região da Alta Mogiana (Ribeirão Preto, Araraquara e Campinas), onde a cana é preponderante. A área do Pontal do Parapanema, tradicionalmente reduto da pecuária no estado paulista, também sofreu com a expansão da monocultura. “Isso pode significar que o agronegócio escolhe as áreas mais vulneráveis para se instalar e, assim por diante, acirrar as desigualdades sociais e degradar o meio ambiente”, explica o pesquisador.

Além de terem se tornado mais desiguais socialmente, essas regiões são as que mais registram conflitos e assassinatos contra trabalhadores rurais e camponeses. “Quando acoplamos as análises, a representação da expansão da cultura da cana-de-açúcar no período mais recente com os outros elementos é possível ver uma relação com maior incidência de violência”, explica Cubas ao Brasil de Fato.

Incentivo dos governos
A cultura da cana-de-açúcar é exercida em grandes extensões de terra e associada ao trabalho precarizado, à expulsão de pequenos proprietários rurais e ao conflito com acampados e assentados da reforma agrária.

De acordo com Cubas, a expansão da cana iniciada pela ditadura civil-militar na década de 1970 – na época, como alternativa diante do crescimento do preço do petróleo – ganhou forte impulso de continuidade no estado de São Paulo graças à presença do PSDB no comando do governo estadual e a entrada do PT na esfera federal. Os ex-ministros do governo Lula, João Roberto Rodrigues (Agricultura) e Antonio Palocci Filho (Fazenda) teriam sido, segundo ele, grandes articuladores do governo com o setor canavieiro.

O crescimento expressivo do setor no estado ficou registrado no número de toneladas produzidas e na exigência de terra, cada vez maior, para plantio. Apenas no estado paulista, a produção em toneladas da monocultura passou de 138 em 1990 para 239 em 2004 e 426 em 2010. A produção em milhões de hectares para os mesmos anos foi de 1,8; 2,9 e 4,9, respectivamente. Um crescimento bem superior a 100% nos dois casos. O destaque ficou por conta da região de Ribeirão Preto que, em 2010, concentrou as três maiores produções: Morro Agudo (com a produção de 7,9 milhões de toneladas). Barretos e Guaíra – cada qual produzindo 5,8 milhões de toneladas.

Pobreza
“A monocultura da cana-de-açúcar é a que transmite os valores atuais do capitalismo agrário paulista através da expansão indiscriminada de todo o seu aparato”, afirma Cubas, ressaltando que essa pressão tem obrigado assentados a arrendarem seus lotes para o plantio da cana e alugaram sua força de trabalho para o corte nas fazendas.

A assentada da Comuna da Terra Mario Lago, localizada no município de Ribeirão Preto, e integrante da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Kelli Mafort, diz que é possível acompanhar o desenvolvimento da pobreza gerada pela cultura da cana-de-açúcar na região. Segundo ela, muitos acampados e trabalhadores rurais trabalham no corte por falta de outra oportunidade de emprego. “Não só eles, mas muitas famílias assentadas também trazem uma amarga relação com a cana pois carregam até hoje graves problemas de saúde devido ao trabalho exaustivo na atividade”.

Já o acampamento Alexandra Kollontai, localizado no munícipio de Serrana, conta com trabalhadores do corte de cana que se queixam dos poucos postos de trabalho, cada vez mais raros em razão do incentivo à mecanização. Segundo Mafort, o acampamento tem famílias há quase cinco anos acampadas e a paralisia da política de criação de novos assentamentos também contribui para o aumento da pobreza.

Nas mãos de poucos
A pesquisa São Paulo Agrário mostrou ainda que o agronegócio no interior do estado está afetando a concentração de renda e de terra entre a população. Tiago Cubas aponta que a renda apropriada pelos 10% mais ricos vem aumentando nas regiões do Pontal do Paranapanema e da Alta Mogiana, nas quais há o crescimento intenso do agronegócio sucroalcooleiro. “Em 1991 eram 23% dos municípios do estado que tinham a apropriação de 40 a 44% da renda do município para os 10% mais ricos. Esse número chega em 2010, com a mesma amplitude de concentração, em quase 30% dos municípios”, destaca.

E não é somente a renda, a concentração fundiária também cresceu. De acordo com dados do Censo Agropecuário do IBGE, em 1995, as propriedades acima de 200 hectares contabilizavam 61% (10.659.891 hectares) do total, enquanto as propriedades igual ou abaixo de 200 hectares chegavam a 39% (6.709.313 hectares). Já em 2006, as propriedades acima de 200 hectares já eram 71% (14.332.546 hectares) do total, ao passo que as propriedades igual ou abaixo de 200 hectares eram 29% (5.840.727 hectares).

Uma das áreas mais desiguais do estado de São Paulo em relação à concentração de renda e terra é o Pontal do Paranapanema. O drama é grande entre as famílias acampadas na região, em torno de 2 mil que esperam ansiosamente por serem assentadas. De acordo com o assentado e integrante da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Delwek Mateus, apesar de farta oferta de terras devolutas, não há sinalização do avanço da reforma agrária. “No Pontal há grande quantidade de terras públicas de responsabilidade do governo do estado, mas griladas por latifundiários. E o governo estadual, ao invés de transformar essas áreas em assentamentos da reforma agrária, quer regularizar as grilagens”, explica Mateus, em referência ao projeto de lei 687/2011 apresentado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), que legaliza terras griladas no Pontal.

O setor canavieiro no Pontal cresce em extensão e na implantação de usinas para a produção de etanol e açúcar. A falta de oferta de outro tipo de emprego na zona rural também obriga acampados e assentados a viverem da atividade. Segundo Mateus, o agronegócio traz pobreza principalmente para as cidades pequenas que dependem do trabalho no campo. “Cada vez que aumenta a mecanização no campo, há a perda de postos de trabalho. Com diminuição dos postos de trabalho, consequentemente há aumento da oferta de mão-de-obra, o que acarreta na diminuição dos salários e exige uma maior produtividade para que o trabalhador tenha um preço digno. Todo esse conjunto de fatores leva a um processo de empobrecimento da população”, argumenta o assentado.

Para Mateus e Cubas, a reforma agrária é uma saída para acabar com a pobreza no campo brasileiro. Mas a julgar pelos investimentos, os governos ainda não enxergam a situação dessa forma. Um exemplo disso é a destinação de recursos diferenciados para a agricultura familiar e para o agronegócio. Enquanto o Plano Safra do Agricultor Familiar de 2011/12 recebeu um investimento total de R$ 16,2 bilhões, o Plano Agrícola da Agricultura e da Pecuária de 2011/12 conquistou R$ 107,21 bilhões, 7,2% a mais em relação ao valor dos recursos do plano passado.

A postura “natural” de criminalizar
Durante os últimos três anos, Tiago Cubas também analisou a cobertura impressa sobre as ocupações, assentamentos e outras manifestações de luta pela reforma agrária no estado de São Paulo. Foram estudados mais de 30 mil recortes dos periódicos O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, de repercussão nacional, e O Imparcial e Oeste Notícia, com abrangência na região de Presidente Prudente. Uma das conclusões do pesquisador é que a mídia corporativa totaliza a visão das relações capitalistas no campo, estereotipa e não aceita sujeitos e modos de produção alternativos.

O quadro que encontrou é desolador do ponto de vista do acesso à informação sobre as causas dos movimentos sociais. Cubas mostra que notícias e artigos promovem interpretações binárias, nas quais ruralistas são comumente tratados como vítimas e camponeses como assaltantes.

Enquanto a luta pela terra é identificada como ação contra a ordem estabelecida, o agronegócio é mostrado pela ótica do progresso, modernização e tecnologia. Não há nuances nem explicações mais profundas capazes de explicar a existência de dois projetos distintos para o desenvolvimento do campo.

Para Cubas, a formação de uma opinião pública desfavorável aos sem-terra contribui para diminuir o estímulo à elaboração e à implantação de planos e programas de reforma agrária no estado. Nada diferente do esperado de uma imprensa que tem fortes ligações políticas e econômicas com o setor industrial do campo. O jornal Oeste Notícias, por exemplo, pertence é coordenado por Paulo Lima, proprietário da TV Fronteira filiada à Rede Globo e filho de Agripino Lima, ex-prefeito de Presidente Prudente e latifundiário ligado a UDR (União Democrática Ruralista). Já O Imparcial tem como proprietários Mário Peretti, Adelmo Vaballi e Deodato Silva que, segundo Cubas, fazem parte da elite histórica de Presidente Prudente.

“Em nossas análises, esses dois jornais regionais mostram uma íntima ligação entre os seus proprietários e o conteúdo das notícias que revelaram uma memória histórica dos dominadores”, afirma o pesquisador. Já O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo são historicamente reconhecidos pela defesa dos interesses do setor ruralista.

O orientador de Cubas no mestrado, Cliff Welch, acentua que os jornais da grande imprensa contribuem para o processo de aperfeiçoamento do capitalismo industrial no controle sobre a terra. “A partir do final do século 19, podemos documentar o curso paralelo do jornal O Estado de S. Paulo, o então Província de S. Paulo, com a cobertura de Euclides da Cunha das múltiplas campanhas de repressão do arraial de Canudos. Hoje em dia, quando o Estadão apoia a repressão e a criminalização dos sem terra, está tomando uma postura ‘natural’ da perspectiva da burguesia, para qual a predominância do reino da lei é crucial para manter a ordem dos forasteiros e o progresso (da burguesia)”, ressalta Welch, que é integrante da pós-graduação da Cátedra da Unesco para Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial.

Notícia colhida no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21425

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“Agronegócio procura regiões vulneráveis para se desenvolver”, diz geógrafo

“É impossível o diálogo entre qualquer tipo de conceito que remeta a equilíbrio no interior do sistema capitalista agrário do agronegócio. Assim como a falácia do aquecimento global e os créditos de carbono, a sustentabilidade é outro projeto de marketing que envolve grandes corporações capitalistas ligadas também ao agronegócio no intuito de mascarar o que, de fato, é a sua essência: a concentração, segregação e desigualdade”, diz o geógrafo Tiago Cubas.

IHU Online

(*) Entrevista publicada originalmente na página do IHU-Online (Unisinos)

O crescimento do agronegócio no Brasil está vinculado às “mudanças neoliberais nas leis de política agrária”, que possibilitaram a expansão exorbitante do setor sucroalcooleiro, especialmente em São Paulo, diz Tiago Cubas em entrevista à IHU On-Line. Apenas no estado paulista, a “produção total da cana em 1990 era de 137.835.000 toneladas com 1.811.980 hectares”, e aumentou para “386.061.274 toneladas com 4.914.670 hectares” em 2008, informa.

Segundo o pesquisador, questões políticas favoreceram a expansão do setor na economia brasileira. “Com a continuidade do PSDB no estado de São Paulo, com a entrada do governo do PT no âmbito federal e com bastante vínculo construído no estado com o agronegócio através do chefe de gabinete, Antônio Palocci, e o ex-ministro de agricultura, Roberto Rodrigues, a agroindústria da cana-de-açúcar obteve grandes investimentos e um enorme crescimento, tanto econômica como politicamente”, frisa.

Autor da dissertação “São Paulo Agrário: representações da disputa territorial entre camponeses e ruralistas de 1988 a 2009”, Tiago Cubas é membro do grupo de pesquisa do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – NERA, e analisa os limites de desenvolvimento social em regiões onde cresce a produção do agronegócio. Na semana passada sua dissertação foi comentada na imprensa, e algumas matérias “distorceram o que foi de fato nosso objetivo”, avalia.

A pesquisa se propôs a “expor a luta pela terra e a luta para se manter na terra produzindo a favor da soberania alimentar, consequentemente o protagonismo camponês no enfrentamento com o capital no estado de São Paulo, bem como sua representação, principalmente na grande mídia. Esse é um detalhe perdido ironicamente na cobertura da dissertação recentemente defendida”, lamenta.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Cubas comenta o comitê estratégico para o agronegócio, anunciado pelo Ministério da Agricultura para fortalecer o setor. “Para 2011/12 serão destinados no Plano Agrícola da Agricultura e da Pecuária R$ 107,21 bilhões, isso revela um aumento de 7,2% em relação ao plano passado. O que justifica o que dizemos até então é mostrar que, segundo o Ministério da Agricultura, essa linha de crédito tem a intenção de renovar os canaviais brasileiros, com destaque para o incentivo a própria cana-de-açúcar, além da laranja e da pecuária. Para esse plano não existe limite de crédito por estado; isso se dá por recursos oferecidos por linha de investimento, e são três: custeio e comercialização (R$ 80,2 bilhões); investimento (R$ 20,5 bilhões); e linhas especiais (R$ 6,5 bilhões)”.

E dispara: “Estava incluso no discurso de lançamento da presidente Dilma Rousseff, em Ribeirão Preto em 17 de junho de 2011, um incentivo especial à produção da cana-de-açúcar e à pecuária. Por isso houve a criação de uma linha especial de crédito para a cana, por produtor, que será de um milhão de reais para expansão e renovação dos canaviais; e para a pecuária, por produtor, que será de 750 mil reais para compra de matrizes, produtores e custeio”.

Tiago Cubas é mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o agronegócio tem se desenvolvido em São Paulo nos últimos anos? Quais são as culturas que mais se desenvolvem e a que atribui a expansão agrícola no estado?

Tiago Cubas – O agronegócio diria: “eu vou bem, obrigado”. Esse sistema – o agronegócio, que é agricultura, ruralistas, Estado capitalista, imprensa corporativista, transnacionais – tem se expandido com grande excelência no estado de São Paulo. A partir principalmente dos anos 1990, com mudanças neoliberais nas leis de política agrária, notamos, segundo nosso estudo, que as áreas do agronegócio sucroalcooleiro, aí incluímos a agricultura da cana-de-açúcar e as agroindústrias, cresceram exorbitantemente.

Em São Paulo, a produção total da cana em 1990 era de 137.835.000 toneladas com 1.811.980 hectares, já em 2008 tivemos 386.061.274 toneladas com 4.914.670 hectares. Em 1990, a razão média era de 76,06 toneladas por hectare, e em 2008 a razão média era de 74,48 toneladas por hectare (com mais de 150 usinas espalhadas pelo estado).

IHU On-Line – Quais as implicações do desenvolvimento do agronegócio em São Paulo? Por que ele não estimula o desenvolvimento social e favorece a pobreza relativa?

Tiago Cubas – Temos que lembrar dos fatores na escala internacional, como o crescimento no preço de petróleo, que produziu pressão no início do século XXI para a retomada da política do PROALCOOL, iniciada pela ditadura nos anos 1970. Com a continuidade do PSDB no estado de São Paulo, com a entrada do governo PT no âmbito federal e com bastante vínculo construído no estado com o agronegócio através do chefe de gabinete Antônio Palocci, e o ministro de agricultura Roberto Rodrigues, a agroindústria da cana-de-açúcar obteve grandes investimentos e um enorme crescimento, tanto econômica como politicamente. Palocci era prefeito de Ribeirão Preto, que há décadas era considerada o coração do agronegócio no Brasil. Uma cidade enorme onde os donos da terra impediram, há uns 50 anos, qualquer tipo de desenvolvimento econômico que poderia ameaçar seu domínio. Então, continua sendo uma cidade de comércio e serviços dependente da atividade agrícola, sem nenhuma outra indústria.

Tentamos expressar nos mapas e nas análises da dissertação como as políticas públicas a favor da agroindústria de cana e etanol foram acompanhadas pelas políticas compensatórias e assistencialistas em vez de políticas emancipatórias para os sem-terra. Assim, os usineiros e fazendeiros de São Paulo conseguiram repassar, ao longo do tempo, qualquer responsabilidade com a questão social para o estado, ao mesmo tempo em que – apoiando reformas neoliberais e antes disso: o golpe do estado, a ditadura e jagunços – procuraram diminuir a capacidade do Estado funcionar sem seu aval.

IHU On-Line – Outro dado do mapeamento diz respeito à concentração de casos de violência no campo nas áreas em que houve expansão agrícola. Quais as motivações desses conflitos?

Tiago Cubas – Existem várias possibilidades. Entretanto, a questão deveria ser: o agronegócio trouxe miséria, ou a procurou a fim de aproveitar-se dela, ou ainda: a causou? É importante notar que a imprensa corporativista pegou nosso estudo sobre seu papel no conflito entre camponeses e ruralistas como modelos de construção de sociedades distintos, disputando o território do estado de São Paulo, para enfatizar, em sua reportagem da dissertação, uma relação geográfica alarmante (“agronegócio e pobreza relativa crescem juntos”), que os mapas no estudo destacam. Então, sobre quais disputas de poder estamos falando?

O Globo argumentou em sua reportagem da dissertação que o agronegócio “trouxe também” miséria e violência, mas esta representação da dissertação não faz parte de nosso trabalho. Há evidência, é claro, no sentido de que a grande lavoura, ou latifúndio, ou agronegócio concentra não só a terra, mas também riqueza e poder. Sua construção depende da desconstrução (destruição) do que veio antes: ou as comunidades dos povos indígenas ou o campesinato. Assim, garanta para ele a terra, a riqueza dela, mão de obra dependente, e verá a continuidade de seu poder político, social e econômico.

Em São Paulo, os donos da terra e do poder também subsidiaram grandes migrações para o estado, ou dos chamados colonos da Europa (ou de homens e mulheres camponeses do Nordeste, reduzindo-os a “proletariado”). A mídia corporativista “fez de conta” que estes apareceram de repente, surpreendentemente, ao lado do agronegócio, da miséria e da violência, como se fosse um acidente. Assim a mídia se mostra contraditória até na reportagem de um estudo que mostra o contrário: ela revela seu papel como um braço direito do agronegócio, contribuindo para reforçar sua hegemonia na luta territorial. Até com a reportagem de um estudo sobre seu papel na luta pela terra ela consegue dissimular e desviar o olhar da realidade para a narrativa de sua escolha. Então, é importante observar o papel de enfrentamento de movimentos socioterritoriais, como o do MST, que buscam a emancipação dos seus territórios frente a vertente capitalista agrária. Esses conflitos são causados pela repressão e opressão direta dos ruralistas contra os camponeses que resistem e se recriam no seu modo de viver (produção, trabalho acessório, cultura, identidade).

IHU On-Line – Quais são as características econômicas, ambientais e sociais de Ribeirão Preto, a capital do agronegócio brasileiro?

Tiago Cubas – Ribeirão Preto é um lugar terrível. Meu orientador morou lá durante anos e escreveu uma história do lugar, publicado em português em 2012. É quente, poluído e cercado de favelas (isso devido ao desordenamento territorial urbano na especulação imobiliária e na falta de senso socioambiental). Isso porque o agronegócio de cana destruiu toda sua proteção florestal para fazer seus “mares” de cana, expulsou o campesinato do campo para a cidade, acabando com a diversidade que prevaleceu até os anos 1960. Impediu todos os planos de implantação de outras indústrias e brigou ferozmente para comprometer os sindicatos e não deixar o MST se organizar. Com muita luta e a ajuda de alguns setores da Igreja Católica, do movimento sindical e da USP, o MST conseguiu ocupar e assentar 260 famílias na antiga fazenda da Barra dentro do município, criando o Assentamento Mario Lago. É pouco, mas muito, dado ao absolutismo do reino dos coronéis da burguesia agrária da região.

IHU On-Line – Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, informou em artigo recente que “a área plantada com grãos no país cresceu 37%, enquanto a produção aumentou 178%”, e que há “51 milhões de hectares plantados com grãos” no país. O que esses dados significam? Como o senhor interpreta esses dados?

Tiago Cubas – É bom deixar claro que o problema aqui não é cana-de-açúcar, ou a soja, mas a monocultura para agroexportação e, principalmente, o modelo de apropriação das relações sociais e de poder que envolvem o agronegócio e os camponeses no Brasil. Esses dados refletem a expansão do agronegócio em todo o país, e São Paulo, como centro econômico e político nacional, não é diferente.

IHU On-Line – É possível estabelecer alguma relação entre o agronegócio e a sustentabilidade? Esse é um modelo sustentável? Em que sentido?

Tiago Cubas – É impossível o diálogo entre qualquer tipo de conceito que remeta a equilíbrio no interior do sistema capitalista agrário do agronegócio. Assim como a falácia do aquecimento global e os créditos de carbono, a sustentabilidade é outro projeto de marketing que envolve grandes corporações capitalistas ligadas também ao agronegócio no intuito de mascarar o que, de fato, é a sua essência: a concentração, segregação e desigualdade. É importante aí entendermos os conceitos de essência do território e aparência do território. O território do capital se situa em aparentar a realidade como discurso único, e essa é a sua essência, a razão de não se explicar por completo, e assim ele se torna forte. Esse território é legitimado então quando o que está posto é a resolução para todas as coisas. Contudo, a imagem territorial (aparência) não pode ser atribuída à totalidade, ela apenas faz parte de uma realidade muito mais complexa do que vemos, o invisível (ou aquilo que ainda não foi escancarado).

O território do agronegócio vive de sua aparência, porque a sua essência é não se explicar, é ser uma propaganda ambulante de si mesmo e do seu “bem”. Esse projeto publicitário, que envolve a imprensa corporativista, tenta convencer a sociedade de que o desmatamento histórico – agora mais evidente na área da Fronteira Legal da Amazônia –, as queimadas, os agrotóxicos, os transgênicos e a exploração do trabalhador urbano e rural não são resultados do sistema do agronegócio. Dessa forma ele propõe o discurso de que tem procurado se estabelecer “sustentável”. O único modelo que conheço equilibrado, desde o seu modo de vida e produção, é o modelo camponês (o conceito de modelo camponês pode ser entendido como agricultor familiar que privilegia a solidariedade nas relações sociais e o equilíbrio com o meio ambiente no intuito de desenvolver a soberania alimentar lutando por políticas públicas emancipatórias). Mas para que o modelo camponês se realize eficazmente, é preciso condições de políticas de obtenção de terra desconcentradoras, subsídios à produção e à criação de mercados alternativos.

IHU On-Line – O Ministério da Agricultura anunciou o lançamento do comitê estratégico com empresários do setor do agronegócio para elaborar uma agenda estratégica para fortalecer o agronegócio nacional. Como avalia o investimento do governo nesta área?

Tiago Cubas – Dos planos de 2002/2003 para os planos de 2010/2011 tivemos tanto no Plano Safra da Agricultura Familiar – PAF como Plano Safra da Agricultura e Pecuária – PAP capitalista um aumento nos recursos direcionados para agricultura camponesa e para agricultura capitalista. A divergência que podemos apontar ao interpretar os dados é que o aumento foi muito maior para os investimentos voltados para agricultura capitalista. De 2002/2003 para 2010/2011 o PAP aumentou seus investimentos cerca de R$ 79,5 bilhões, e o PAF aumentou cerca de R$ 14,6 bilhões. Apesar de proporcionalmente o crescimento ser semelhante à diferença absoluta, esse dado é significativo, pois aponta para o prevalecimento (dos interesses) do território do paradigma do capitalismo agrário nas políticas públicas para o campo.

Para 2011/2012 serão destinados no Plano Agrícola da Agricultura e da Pecuária R$ 107,21 bilhões, isso revela um aumento de 7,2% em relação ao plano passado. O que justifica o que dizemos até então é mostrar que, segundo o Ministério da Agricultura, essa linha de crédito tem a intenção de renovar os canaviais brasileiros, com destaque para o incentivo a própria cana-de-açúcar, além da laranja e da pecuária. Para esse plano não existe limite de crédito por estado; isso se dá por recursos oferecidos por linha de investimento, e são três: custeio e comercialização (R$ 80,2 bilhões); investimento (R$ 20,5 bilhões); e linhas especiais (R$ 6,5 bilhões).

Estava incluso no discurso de lançamento da presidente Dilma Rousseff, em Ribeirão Preto em 17 de junho de 2011, um incentivo especial à produção da cana-de-açúcar e à pecuária. Por isso houve a criação de uma linha especial de crédito para a cana, por produtor, que será de um milhão de reais para expansão e renovação dos canaviais; e para a pecuária, por produtor, que será de 750 mil reais para compra de matrizes, produtores e custeio.

Já para o Plano Safra do Agricultor Familiar de 2011/2012, que é para o campesinato, temos um investimento total de R$ 16,2 bilhões. O foco desse plano é incentivar a produção de alimentos, os que principalmente fazem parte da alimentação tradicional do brasileiro como arroz, feijão, milho e mandioca. Um braço importante do Plano Safra do Agricultor Familiar é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf. Mas que ainda é muito pouco quando obsevamos a quantidade de alimentos que os camponeses produzem. (De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, são 70% dos alimentos produzidos por camponeses em 24% das terras utilizadas.)

IHU On-Line – Como vê a discussão acerca da reforma agrária no Brasil? O que aconteceu com o Incra?

Tiago Cubas – Não se trata do que aconteceu com o Incra. Esse Instituto sempre esteve amarrado pelas correntes do Estado capitalista. Na verdade, a pergunta deveria ser: o que aconteceu com a função social e de denúncia da imprensa? Onde os governos têm investido capital: no agronegócio ou no campesinato? As políticas de obtenção de terra no Brasil são irrisórias quando comparamos isso com o poder de cooptação do agronegócio em franca expansão dos seus territórios. O protagonismo da luta camponesa, que faz frente a essa expansão, de 1988 a 2009 em São Paulo, teve 1312 ocupações com 193.516 famílias, uma média de 147,5 famílias por ocupação, sabendo que 70% aproximadamente foram coordenadas pelo MST. E essa parte da história é frequentemente ocultada pela imprensa, e isso revela parte importante da discussão do conceito de reforma agrária para os movimentos socioterritoriais.

Desse modo, o que o governo chama de reforma agrária são, em sua maioria, políticas de obtenção de terra, e só. Reforma agrária é quando acontece a desconcentração fundiária, e a política da desapropriação de terras é um raro exemplo disso. Os governos brasileiro e paulista deixaram há muito tempo essa pauta. Enquanto a luta continua denunciando aspectos degradantes do formato do agronegócio, além da exploração do trabalhador e grilagens de terras, o discurso do crescimento econômico tem tomado a frente do desenvolvimento socioterritorial. Isso ocorre de tal modo que somente desapropriar e conceder assentamentos não é suficiente sem políticas de auxílio ao desenvolvimento do modelo camponês de produção social e econômica.

IHU On-Line – Em que consistiriam políticas públicas eficientes para o desenvolvimento da agricultura familiar em São Paulo?

Tiago Cubas – Sob um olhar teórico, seriam políticas que não fossem meramente compensatórias ou assistencialistas. Políticas públicas emancipatórias e que forneçam ao pequeno produtor camponês o espaço para manter a defesa do conceito da soberania alimentar, para garantir seu modo de vida (cultura, tradições, etc.), sobretudo políticas que criem novas possibilidades de mercados não capitalistas.

Temos visto algumas iniciativas importantes e que consideramos políticas públicas emancipatórias, como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera, que, através de cursos superiores em parceria com universidades públicas para os assentados, fazem parte da luta pela terra. Esses dois programas são exemplos de conquistas dos movimentos socioterritoriais que evidenciam a disputa por dois modelos distintos de sociedade: o modelo camponês e o capitalista agrário. Recentemente, de 2010 a 2012 tive a oportunidade de trabalhar no Curso Especial de Geografia para Assentados – parceria Incra/Pronera/Unesp), que formou neste ano mais de 40 assentados na graduação em Geografia os quais têm atuado em suas comunidades, fazendo o ensino e conhecimento camponês. São profissionais que qualificaram a sua militância nos movimentos de que participam. Isso tudo é resultado de uma luta histórica por territórios que hoje se instala também no Congresso Nacional por políticas públicas diferenciadas.

Notícia colhida no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21424

 

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