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O vazio oceânico deixado por Luiz Gushiken

De poucas pessoas posso afirmar que ao sair do palco da vida – ao menos dessa vida – levou consigo o sentimento de missão cumprida. E Gushiken cumpriu sua missão

Há 120 dias morria em São Paulo Luiz Gushiken (1950-2013) e com ele se fechou um brilhante capítulo da vida política brasileira.

Aos que privaram de sua amizade era o Gushiken, aos que acompanharam os últimos dez anos de sua vida, era o Samurai e, ao menos para um de seus melhores amigos, aquele que desde muito cedo vira nele o visionário e o estrategista, era o China. Sim, China era como o ex-presidente Lula o chamava. É que o senso comum no Brasil ter olhos puxados remete logo ao imaginário do chinês mediano. E Lula, melhor que ninguém, conseguiu dar projeção ao senso comum, às pessoas simples, a esse formidável contingente de milhões de brasileiros que sobrevivem no andar de baixo da sociedade brasileira. Para Lula e todos esses era o China e ponto final.

De poucas pessoas posso afimar que ao sair do palco da vida – ao menos dessa vida – levou consigo o sentimento de missão cumprida. E Gushiken cumpriu sua missão até a última gota.

Desde muito jovem, ainda na casa dos 20 e poucos anos formou fileiras no incipiente movimento sindical do Brasil, há tanto amordaçado pelos rigores da ditadura militar que enfermou o país por 20 anos, reprimindo o contraditório, censurando o livre-pensar, abolindo a liberdade de imprensa, institucionalizando a censura, castrando a intelectualidade nacional, torturando e matando tantos quantos ousassem sonhar ideias de liberdade.

De estatura mais para o baixo, um pouco atarracado, logo se sobressaiu como líder popular, mostrando-se um gigante a convocar imensas greves dos bancários, parando literalmente o país e abrindo uma senda onde poderiam caminhar dezenas de outros movimentos sociais fartos da ditadura militar e da opressão econômica comandada pelas elites fimanceiras e industriais do pais, e enfim, multidões de trabalhadores sedentos por liberdade e ansiosos pela volta do país ao Estado de direito.

Entre 1979 e 1986, Gushiken Incendiou com esperança a luta de trabalhadores seja no sistema bancário – onde foi presidente do Sindicato dos Bancários do Estado de São Paulo, seja no meio metalúrgico, nas portas das fábricas automotoras que se estendiam por toda a Grande São Paulo. É dele a iniciativa pioneira de fundir os diversos movimentos sindicais em um comando único de luta, reunindo a um só tempo sindicatos, federações e confederações de trabalhadores. E toda essa energia de força social represada virá a desaguar em três grande greves de trabalhadores no país – 1985, 1986 e 1987.

Futuros historiadores, cientistas políticos e sociólogos – ao menos osde raíz e de boa procedência – terão muito trabalho nos anos futuros para estabelecer o significado exato e o papel preponderante e transformador que se operou nos movimentos dos trabalhadores – sindicalizados ou não – para colocar um ponto final àquela sombria noite de horrores que se abateu – como sufocante manto – sobre o Brasil naquele 1º de abril de 1964.

E ao fim e ao cabo, ressurgirá em sua inteireza o visionário Luiz Gushiken, esse que se recusava a pensar o Brasil na lógica da política tradicional, bairrista, corporativista, elitista à medula, espaço público onde vicejavam coroneis nordestinos, avarentos e demagogos líderes políticos no eixo São Paulo/Rio de Janeiro/Minas Gerais. Gushiken pensava de forma global, concebia a felicidade como direito de todos, sem exceção e, para se alcançar a felicidade como  visualisava havia que haver pleno emprego, trabalho para todos, educação e formação profissional atingindo a base da pirâmide que sustenta nossas estruturas sociais, políticas, intelectuais. Se os contemporâneos, fincados na dicotomia partiária Arena/MDB, viam o Brasil a cada quatro anos, Gushiken propunha que se olhasse o Brasil de duas em duas décadas, a longo prazo, plantando hoje o Brasil que desejamos para nossos sucedâneos amanhã. Coisa de geração a geração.

E nisso foi emblemático, perseverante, coerente. O Brasil de seus sonhos não era linear. Era quântico. Os saltos desenvolvimentistas deveriam sempre lançar novas bases do progresso sustentado – país rico é país em que os pobres tem o direito de serem ricos.

Em 1989 é o coordenador da primeira campanha presidencial de Lula, convocado pelo próprio candidato, sabia-se que o que não faltaria a LG era senso de missão, constância, paciência e lealdade. Do contrário a história acabaria aqui – Lula não concorreria outras três vezes ao Planalto e o resto da história seria a repetição de retumbantes fracassos sociais permeados por quiméricas visões de desenvolvimento econômico, coisa que se repetiria de 1500 aos dias atuais.

Em 2002, Lula é eleito presidente e Gushiken, mesmo tratando de um câncer que logo lhe seria letal, ainda assim, cedeu aos vários apelos de Lula para coordenar sua quarta tentativa para presidir o Brasil. E foi vitorioso. É dessa vitória que emerge para o público em geral a personalidade do China – perseverante, ousado, operário de ideias estruturantes, desprovido das vaidades comezinhas que tanto acometem aqueles para quem os cargos são bem maiores que suas estruturas morais e éticas.

Em 1º de janeiro de 2003 é empossado por seu amigo-presidente como ministro-chefe da poderosa Secretaria de Comunicação da Presidência da República, a SECOM. E isso depois de recusar insistentemente o apelo do recém-eleito presidente para chefiar o ministério da Previdência Social, uma área em que Gushiken era considerado o maior especialista em previdência do pais, com livrose muitos artigos publicados sobre o tema. E revolucionou a modorrenta Secom, saindo do jogo das cartas marcadas o de o grosso da publicidade institucional do Brasil era repartido entre os cabeças-de-chave do mais odioso monopólio midiático da América Latina formado pelas Organizações Globo, Editora Abril, jornais O Estado de São Paulo e Folha de S.Paulo.

Com Gushiken um novo olhar pairou sobre a comunicação do governo. E esse olhar enxergava as mídias regionais, estaduais e locais, conseguia abarcar a florescente mídia virtual, com seus milhares de portais noticiosos, sites e blogues, fóruns de discussão. Retirando o país do papel de refém contumaz da mídia tradicional, sua atuação foi no sentido de democratizar o acesso aos mais variados meios e fontes de informação, apoio ostensivo ao pluralismo de pensamento e facilitou a percepção real dos ditos formadore de opinião, mensurando a real influência da mídia nas grandes decisões que impactassem o presente e o futuro do país. “O que houve neste governo foi uma racionalização do uso dos recursos de publicidade institucional da administração direta…” afirmava Gushiken em entrevista a um jornal.

Foi o bastante para contrariar os polpudos interesses da grande imprensa e em troco receber cargas de acusações infundadas, e tudo o mais que pudesse lhe atingir a honra e a dignidade. No fundo, passou a ser odiado exatamente por suas melhores qualidades humanas, estas que empoderam os espezinhados e concede voz aos desassistidos.

E isso aconteceu com porque, à frente da Secretaria de Comunicação, Gushiken pensou, formulou, articulou e lançou a mais poderosa campanha nacional de resgate da autoestima de uma povo, o brasileiro.  As chamadas que tomaram conta da publicidade tanto governamental quanto bancada pela iniciativa privada eram diretas, focadas, ousadas: “O melhor do Brasil é o brasileiro” – “Orgulho de ser brasileiro” – “Sou brasileiro e não desisto nunca”. Tudo isso atacou em cheio a síndrome de vira-latas propagandeada dia e noite pela mídia hegemônica.

E não parou por aí. Com o episódio alcunhado pela imprensa de Mensalão, eclodindo em 2005,  e potencializado pelos últimos estertores de uma mídia cada vez mais partidarizada, Gushiken foi alvo de calúnias e difamações, pois o objetivo era um só – destituí-lo da SECOM e, de quebra, privar o presidente Lula de seu mais competente conselheiro, estrategista e articulador.

Foi um período duro para todos, um tempo marcado por acusadores com acesso irrestrito aos meios midiáticos impressos, televisivos e radiofônicos e os acusados esperneando qual brinquedos sem pilha, sem mínimas condições de uma justa interlocução com a sociedade brasileira. E por sete anos Gushiken passou por dissabores com antigos colegas, enfrentou diversas cirurgias e teve a honra pisoteada por colunistas cuja índole se equivale à dos detratores do inocente capitão Alfred Dreyffus, em fins do século XIX em uma França que tinha sua honra defendida tão-somente pelo brilho de Emile Zola e do qual saíria o célebre “J’Accuse!”.

Gushiken sofreu a pior das torturas, o maior dos tormentos: entre sessões infindáveis de quimioterapia e radioterapia, maciças doses de morfina, amargava-lhe ver seu nome enxovalhado uma e mil vezes em jornais, revistas, telejornais, pagando por antecipação crime que lhe fora falsamente imputado.

Gushiken foi indiciado, processado, sentenciado e condenado por uma imprensa venal e corporativista, partidarizada como poucas das existentes no mundo Ocidental e sempre disposta a mnipular a opinião, seja do público, seja dos juízes dos Tribunais.

A sordidez vingativa chegou a ponto de no auge das acusações contra ele, dois jornalistas de São Paulo serem por ele mesmo autorizados – e sem impor quaisquer condições – a fazer uma devassa total nos arquivos da Secretaria de Comunicações da Presidência da República, procurando sofregamente por provas para incriminá-lo. Nada encontrando, esses valentes defensores da liberdade de imprensa, desde que seja apenas a sua própria liberdade, sequer tiveram a hombridade de registrar publicamente o fato.

Somente em novembro de 2012 foi Luiz Gushiken inocentado no Supremo Tribunal Federal por absoluta falta de provas. A fala do Samurai não poderia ser outra àqueles que comemoravam, mesmo que discretamente, sua absolvição na Corte Suprema: “Não posso ficar feliz se ainda estão lá inúmeros companheiros”.

O destemido Samurai, filho de modestos imigrantes japoneses, nascido na pequena Osvaldo Cruz, interior de São Paulo, foi condenado ao longo de sete anos por crime inexistente. O julgamento em sí foi sua mais agoniante punição e fica como página deplorável de nosso sistema judiciário falho e tremendamente defeituoso, onde interesses mesquinhos e partidários se sobrepõem à busca da mais amada dentre todas as coisas – a justiça.

Quatro meses após seu valoroso rito de despedida no hospital Sírio Libanês, ocasiões em que apresentou uma lucidez e destemor insuperáveis, resta-nos agora perscrutar:

– Como preencher o vazio oceânico deixado por esse símbolo de dignidade e honradez que foi Luiz Gushiken?

Por (13/01/2014)

Artigo colhido no sítio http://www.cartamaior.com.br/?/Opiniao/O-vazio-oceanico-deixado-por-Luiz-Gushiken/30000

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