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Artigo do jornalista preso e exilado Flávio Tavares: O legado perverso

 

Jornalista, autor de “1964 – O Golpe”, analisa consequências da ditadura 

O golpe de Estado me acompanha até hoje, 50 anos depois, como ferida e como espanto. Já bem antes daquele 1º de abril de 1964, escrevi sobre seus passos, tentando penetrar na conspiração que se fazia quase à luz do dia. Eu era o comentarista político, em Brasília, da Última Hora, a única publicação da grande imprensa que não pedia a derrubada do presidente da República.

Mesmo editado em cinco capitais (Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife) era um jornal solitário e isto nos obrigava a ser observadores atentos e pluralistas. O Congresso ainda tinha prestígio e poder, era o núcleo da política, e lá convivi com golpistas e anti-golpistas.

Também as Forças Armadas tinham prestígio, num tempo em que se debatiam as “reformas de base” que, a partir da reforma agrária, construiriam o futuro. Ou que significavam um inferno que faria do Brasil “uma nova China comunista”, como o embaixador dos Estados Unidos sussurrava aos ouvidos de políticos e militares.

Desde a posse de João Goulart, em 1961, a extrema direita pregava o golpe que o IPES (organizado pelo coronel Golbery Couto de Silva em plena paranoia anticomunista da Guerra Fria) difundia como “salvação nacional”. Por isto, quando o general Mourão Filho rebelou-se em Minas, não me espantei. Desde os anos 1950, meia dúzia de rebeliões tinham sido dominadas pelos mecanismos da democracia. Espantei-me, porém, e me desnorteei como jornalista político ao presenciar o ardil com que o senador Auro Moura Andrade transformou o Congresso em cúmplice do golpe militar.

Na madrugada de 2 de abril de 1964, numa sessão de apenas três minutos, o presidente do Congresso – sem debate ou votação – declarou “vaga” a presidência da República, após ler um ofício em que João Goulart comunicava que viajava a Porto Alegre, com os ministros, para lá instalar o governo. Encerrou a sessão, desligou os microfones e, entre gritos de protestos e de vitória, saiu para dar posse ao novo “presidente provisório” no Palácio do Planalto.

A cilada fora perfeita, mas fora uma cilada. A missão do Congresso não era dar guarida ao golpe, mas à Constituição. A minha geração, formada na crença da liberdade, do pluralismo e debate, sentia-se esbofeteada, como escrevi em meu livro “Memórias do Esquecimento”, ao narrar o horror dos porões da ditadura que se estabeleceu depois, numa bofetada ainda mais dolorida.

Dias depois, a imposição do Ato Institucional começou a “legalizar” a ditadura, com cassações de mandatos, suspensões de direitos políticos ou expulsões das Forças Armadas. E aí o golpe mudou nossas vidas. Ao punir, o Ato Institucional oficializou o medo e destruiu os valores morais na política. Surgiram os “vira-casacas”, fiéis ao novo poder e mais realistas que o rei!

Lembro-me do deputado Oliveira Brito, do PSD da Bahia, que fora ministro de Minas e Energia de João Goulart, discursando em apoio ao golpe, para assegurar a condição de eterno pedinte no gabinete presidencial. Multiplicaram-se os aduladores. Brotaram alcaguetes e delatores por todos os lados. E o Congresso (castrado com as cassações de mandatos) “legalizou” o marechal Castello Branco como presidente da República. Em voz alta, os parlamentares gritaram o voto, à vista dos que cassavam e prendiam.

Ninguém ousava falar em ditadura, e meu espanto cresceu. Dois meses após o golpe, fiz 30 anos e me senti um velho, despedaçado por viver num país em que tudo passava a ser vigiado, controlado, reprimido. A Universidade de Brasília, criada para ser modelo de pesquisa na ciência e inovação nas artes, foi invadida – a biblioteca destruída, alunos e professores presos ou expulsos.

A intolerância e a desconfiança substituíram o livre debate. Nas universidades, o novo regime exercitou velhas práticas medievais de perseguição. A fúria varreu até o Instituto Osvaldo Cruz, no Rio, dedicado apenas à pesquisa médica, demitindo “cientistas comunistas”.

A quartelada adotou o nome de “Revolução” e a imprensa cúmplice a chamou assim. Em minha coluna na Última Hora, usei a expressão “Movimento de 1º de Abril” (e não “Revolução de 31 de Março”) e o gabinete do ministro da Guerra me chamou a atenção. No calendário popular, 1º de Abril era o “dia dos tolos”, data de mentiras e trotes e “aquilo era ofensivo”.

A grande simulação se estabelecia pouco a pouco: tínhamos uma ditadura com Parlamento em que se discutia o corriqueiro, nunca temas de fundo, como os direitos e as liberdade públicas. Só agora, ao ter em mãos os documentos de Washington sobre o apoio dos EUA à conspiração e ao golpe de 1964, fui entender a mútua sedução de cinismo político entre os quartéis e o Congresso. Um precisava do outro para sobreviver, sem que a opinião pública norte-americana percebesse que seu governo apoiara e financiara a instituição de uma ditadura. A simulação tomou conta do país. O “Pra frente, Brasil” da propaganda oficial escondia os porões em que a tortura se tornou um método de interrogatório, em que se consentia até o assassinato.

O medo fez o Brasil se calar. O “puxa-saquismo” instalou-se como norma de conduta social. Só os áulicos tinham vez. Mais do que a repressão e a tortura, O legado perverso do golpe de 1964 foi ter mudado o comportamento social, fazendo do oportunismo um estilo de vida. Por acaso, não é o que perdura até hoje na política?

*Flávio Tavares foi preso político, viveu no exílio mais de 10 anos e é autor de “1964-O Golpe”. Tavares esteve no grupo de militantes presos que foram soltos e enviados para o México em troca da libertação do então embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. Seu texto faz parte de uma série de artigos que o site de CartaCapital publica sobre os 50 anos do golpe civil-militar de 1964.

Fonte: Carta Capital

Matéria colhida no sítio http://www.contrafcut.org.br/noticias.asp?CodNoticia=37886

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Kotscho diz que imprensa escondeu pesquisa do Ibope com apoio a Jango

Crédito: Brasil 247
Brasil 247Presidente João Goulart tinha amplo apoio popular e seria reeleito

Que João Goulart tinha apoio popular, ao contrário do que diziam os militares, isso já foi dito. Mas que haviam sido feitas pesquisas pelo Ibope dias antes de sua derrubada, mas que nunca foram divulgadas pela imprensa, é o que conta o jornalista Ricardo Kotscho, em seu blog no R7.

Segundo ele, só em São Paulo, um dos principais redutos de oposição ao governo, Jango tinha 69% de aprovação. A pergunta que fica: a divulgação das pesquisas teria mudado o rumo dos acontecimentos, evitando o golpe?

Leia a íntegra do artigo:

Imprensa escondeu pesquisa Ibope com apoio a Jango

O caro leitor sabia que, ao contrário do que nos foi vendido ao longo de todos estes anos, João Goulart, o Jango, presidente deposto por um golpe militar, civil e midiático, em 1964, tinha amplo apoio popular e seria reeleito, segundo pesquisas do Ibope feitas nos dias que antecederam a sua derrubada, e que nunca haviam sido divulgadas pela imprensa? Pois é, nem eu.

Em São Paulo, que era um dos principais redutos de oposição ao seu governo, segundo uma das pesquisas Jango tinha 69% de aprovação, com rejeição de apenas 16%. Em outra, na qual o Ibope entrevistou eleitores de oito capitais, entre os dias 9 e 26 de março de 1964, quase a metade (49,8%) respondeu que votaria em Jango caso ele pudesse se candidatar à reeleição. Ninguém ficou sabendo disso na época.

A pergunta que fica: a divulgação destas pesquisas pela imprensa poderia ter alterado o rumo dos acontecimentos, já que para derrubar Jango um dos principais argumentos utilizados pelos golpistas foi a fragilidade do presidente e do seu governo diante do “perigo comunista” que ameaçava o país? Acontece que todos os principais veículos da mídia brasileira, com exceção da “Última Hora”, estavam não só apoiando os militares como engajados no movimento que levou à sua deposição.

Só agora ficamos sabendo também que, segundo o Ibope, havia amplo apoio popular às reformas (59% dos entrevistados) propostas por Jango no famoso Comício da Central do Brasil, duas semanas antes do golpe, em que ele defendia a reforma agrária, com a desapropriação de terras às margens de rodovias e ferrovias, e a encampação das refinarias estrangeiras, outro argumento utilizado para justificar o golpe. Não por acaso, certamente, a Petrobras está novamente no centro do debate político neste ano de eleições presidenciais.

No momento em que mais uma vez discutimos o papel da imprensa e das pesquisas na política nacional, após o mesmo Ibope, no prazo de apenas uma semana, divulgar dois levantamentos sobre a presidente Dilma Rousseff, com resultados bastante discrepantes, valeria a pena investigar a origem e o destino dos levantamentos inéditos que estão sendo catalogados no Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp, em Campinas.

Já se sabe, por exemplo, que a pesquisa feita em três cidades paulistas, entre os dias 20 e 30 de março de 1964, ouviu 950 eleitores e foi encomendada pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo, uma das entidades envolvidas na derrubada de Jango.

O Ibope entregou estas pesquisas aos arquivos da Unicamp em 2003 e só agora, quando o golpe completa meio século, os seus resultados foram revelados. Marcia Cavallari, diretora do Ibope Opinião, disse a Paulo Reda, da “Folha”, que “os critérios aplicados nestes levantamentos da década de 60 são semelhantes à metodologia das pesquisas recentes do instituto e são perfeitamente confiáveis”. Falta Cavallari explicar porque estes mesmos critérios levaram a resultados tão diferentes nas recentes pesquisas do Ibope sobre Dilma e por quais razões os levantamentos de 1964 permaneceram secretos por tanto tempo.

Não basta agora a mídia publicar caudalosos cadernos especiais sobre o golpe de 1964, com pencas de entrevistas e artigos tentando explicar o que aconteceu, se nada for feito no Congresso Nacional para evitar que aquela tragédia se repita e os meios de comunicação, incluindo os institutos de pesquisa, não tenham regras claras definidas na legislação para evitar que os eleitores sejam manipulados e a nossa jovem democracia novamente ameaçada.

Fonte: Brasil 247 com R7

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