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Mulheres lembram preconceito nos movimentos e repressão na ditadura

Crédito: Ramiro Furquim/Sul21

Ramiro Furquim/Sul21Painel Ditadura, Democracia e Gênero, na Semana da Democracia

Embora apontada como especialmente ferrenha e dolorosa para as mulheres, a repressão militar não foi a única inimiga delas no período das ditaduras latino-americanas. Dentro dos próprios movimentos que integravam, elas também foram alvo de preconceito e encontraram barreiras para estabelecer o feminismo como conceito e luta presentes na resistência ao governo do período.

Na tarde desta sexta-feira (4), militantes e pesquisadoras da época relataram suas experiências no painel Ditadura, Democracia e Gênero, inserido na programação da Semana da Democracia, em Porto Alegre.

A cientista política e professora de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Celi Pinto, ressaltou a dívida geracional e histórica sobre a ditadura militar, em um contexto onde o conhecimento, principalmente dos jovens, está muito aquém da realidade vivenciada pelo afetados pelo regime.

De acordo com Celi, é possível visualizar a presença feminina em diferentes dimensões ao longo dos anos de chumbo no Brasil. A primeira delas é da luta. Frente a estimativa da Comissão Nacional da Verdade de que 11% da resistência era composta por mulheres, a professora destacou que essa participação era expressiva numérica e qualitativamente, em um período onde o espaço doméstico ainda era o ambiente majoritariamente reservado a elas. “Onze por cento é muita gente para a posição da mulher na época”, diz.

Além de numerosas, as mulheres protagonizavam ações muito mais perigosas que os homens durante o regime militar, justamente por serem menos visadas que os homens. Celi argumenta que algumas delas desempenhavam ações “perigosíssimas” na linha de frente nos movimentos de resistência, por serem mais jovens, mais “bonitinhas” e menos propensas à desconfiança dos militares.

Mas, se por um lado a atuação feminina poderia despistar os repressores na tentativa dos movimentos passarem por eles ilesos, por outro, quando não conseguiam escapar dos militares, as mulheres sofriam duras penas nas mãos de seus algozes, explica a professora. “Quando eram presas, a condição de mulher falava mais alto e a primeira coisa que faziam era chama-las de prostitutas, depois aplicavam choques em seus órgãos genitais com ameaças de que não poderiam mais ter filhos, era uma tortura diferente em relação a dos homens.”

Outra dimensão apontada pela pesquisadora é a ação das mulheres frente às próprias questões de gênero. Para Celi, quando na década de 1970 os ideais feministas ressurgem no mundo e no Brasil, as mulheres, já perseguidas pelas ditaduras, passam também a ser oprimidas por companheiros de resistência, que viam essa organização como uma potencial ameaça à luta. “Enquanto os militares diziam que o feminismo ameaça a família, a tradição e a religião, em Paris, organizações que ajudavam os exilados ameaçaram cortar auxílios financeiros para famílias que tivessem mulheres feministas”, contextualiza a pesquisadora.

A ativista uruguaia de Direitos Humanos Lilian Celiberti, sequestrada e presa em 1978, em Porto Alegre, na Operação Condor, compartilha com a opinião de Celi. Além dos casos de tortura por militares, Lilian relata que não foram poucas as ocorrências de mulheres que sustentavam discurso e postura feministas que sofreram resistência de companheiros de luta, inclusive na prisão.

A uruguaia defende que o feminismo é uma forma de as mulheres construírem um arsenal de conceitos, pensamentos e sentimentos que ajudam a dar sentido a uma transformação de sua posição política e social. Sem o estabelecimento dessas diretrizes conceituais, elas não conseguiriam perceber as opressões vividas.

Como exemplo, Lilian lembra de mulheres que estavam alheias a ideias do feminismo ou política, mas que foram obrigadas pelos regimes militares a pensar sobre o momento histórico de que participavam indiretamente. “É preciso resgatar a imagem de mulheres como a minha mãe, que não buscava muita coisa que não proteger seus filhos, sua família, como as mães da Praça de Maio, que se politizaram enfrentando os militares na busca de seus filhos, elas tiveram uma nova visão do que era o poder”, explica a militante.

Lilian ainda argumenta que muitas aberrações foram cometidas nos períodos militares em função do corpo feminino. Para ela, enquanto território, o corpo da mulher sempre foi interpretado como algo à disposição do poder do “outro”. “Essas leituras são numerosas porque mesmo na esquerda, predominantemente a percepção política é guiada por visões masculinas”, observa. A ativista acrescenta que essas injustiças ultrapassam as fronteiras do corpo feminino, chegando até suas orientações sexuais.

Anistia e Direitos Humanos passam pela luta feminina

Assim como na resistência à ditadura, o processo de luta pela anistia e os debates sobre Direitos Humanos têm nas mulheres figuras centrais. A socióloga e primeira presidente do Movimento pela Anistia, Licia Peres, relatou sua trajetória junto a personagens como a atual presidente Dilma Rousseff. Ao lembrar de uma série de episódios envolvendo mulheres que resistiram ao regime militar Licia deixou claro que a anistia é, antes de tudo, um movimento feminino e feminista.

“Em 1978, o movimento feminino pela anistia já tinha três anos quando o comitê da anistia foi criado, portanto fomos nós, mulheres, que já estávamos advogando a palavra anistia nos congressos e na política.” A socióloga revela, inclusive, uma tensão entre o Comitê de Anistia e o movimento a qual pertencia, gerada fundamentalmente pela resistência da esquerda às lideranças femininas.

Já a advogada e professora de Direito Internacional Público da Universidade de La Plata, Soledad Muñoz, levou o debate a um cenário mais contemporâneo, identificado com os ideiais democráticos possibilitados pelo fim dos regimes militares na América Latina.

Embora tenha lembrado de abusos cometidos em países como México e Peru, a advogada contextualizou, principalmente, a necessidade de direitos específicos para quem sofre violações específicas. “É necessário colocar os óculos dos Direitos Humanos e do gênero para enxergar a condição da mulher e pensar na democracia”, afirmou.

Para que se concretize um olhar sobre as questões de gênero, Soledad sugere que os países precisam estabelecer com clareza políticas de prevenção, denúncia e punição da violência contra a mulher, entre as quais citou a lei brasileira Maria da Penha (Lei 11.340/2006).

Fonte: Mayara Bacelar – Sul21

Matéria colhida no sítio http://www.contrafcut.org.br/noticias.asp?CodNoticia=37938

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