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Os mais pobres brasileiros é que pagam mais impostos

Impostos e maus serviços públicos. Quem são os culpados?

Artigo do presidente Vagner Freitas publicado em CartaCapital

28/05/2014

Sei que o título soa inquisitório, porém parece adequado diante da guerra aberta em relação ao tema. Ainda sob o reflexo das jornadas de julho do ano passado e à espera dos protestos que provavelmente devem ressurgir neste ano de Copa do Mundo, precisamos voltar ao tema para fazer frente ao discurso predominante de que a carga tributária é abusiva e o poder público é o único culpado por todas as mazelas.

Não, não vamos absolver o poder público. Sua responsabilidade nesse estado de coisas, no mínimo, é não reunir força necessária para combater o imenso poder encastelado em suas estruturas a serviço de grandes grupos empresariais e do setor financeiro e especulativo. A disputa por esses espaços é um dos principais desafios de nossa democracia e uma das mais difíceis tarefas dos movimentos de origem popular, entre eles a CUT.

Mas é óbvio que apontar o dedo unicamente na direção da classe política é má-fe, especialmente quando por parte dos meios de comunicação, conhecedores dos meandros do poder, e tentativa de manipulação do justo descontentamento popular. Um desserviço ao debate político.

Portanto, vamos nos concentrar aqui em algumas diabruras praticadas pelo poder econômico, o mesmo que faz campanhas publicitárias para dizer que são amigos das pessoas de bem.

A começar pela montanha de dinheiro dos impostos que os bancos sugam todos os dias para receber os juros da dívida pública. Só no ano passado, 5, 14% do PIB, segundo cálculos do tributarista Amir Khair, foram usados para rolar os juros da dívida que os governos das três esferas têm com os bancos. Isso representa a bagatela de R$ 257 bilhões, saídos do bolso dos trabalhadores direto para o caixa dos banqueiros.

Dívidas na maioria das vezes contraídas há muito mais tempo do que têm de vida os jovens que hoje clamam por melhores serviços de transporte, educação e saúde. Dívidas que já tiveram seu valor original pago múltiplas vezes, como qualquer auditoria provaria – e já provou no passado.

O poder econômico – destaque para as empreiteiras – agem em outras tantas frentes, como nas obras de grande porte que via de regra estouram o tempo de conclusão e o orçamento. No poder Legislativo, a representação de empresas e bancos é muito mais forte que qualquer outra, gerindo projetos destinados a servir uma minoria ou interferindo em outros para preservar essas mesmas minorias, como no caso recente dos planos de saúde.

Como os meios de comunicação atuam fortemente para disseminar um senso comum de que a culpa é toda do governo, perde-se a oportunidade de fomentar o protesto e a pressão contra o poder econômico que tantas vezes age contra os interesses nacionais, seja por suas ligações com multinacionais, seja por sua visão de curtíssimo prazo, mais atenta ao iate ou ao carro importado que os executivos querem comprar pra si do que num projeto de desenvolvimento digno do nome.

E essa confusão entre as responsabilidades do poder público e do grande capital nas mazelas brasileiras cola no imaginário. Evidência recente disso foi trazida por pesquisa feita pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Ao entrevistar 409 jovens entre 15 e 29 anos na capital paulista, a escola revelou que 75% acreditam ser a cidade um bom lugar para se consumir, fazer compras, gastar dinheiro. Já os serviços públicos foram reprovados pela maioria.

Os dados deixam entrever que o prazer do consumo relaxa a imaginação e o espírito crítico do jovem em relação ao poder econômico que atua na cidade, aquele mesmo historicamente responsável pela desastrosa ocupação do solo, pela especulação que empurra os trabalhadores para as periferias, pelos graves problemas de mobilidade urbana, pela ausência de água e esgoto, entre outros problemas.

Os movimentos sociais devem insistir na denúncia do papel do poder econômico usurário e concentrador para que o debate político não caia no simplismo almejado pelos conservadores, sem se esquecer que tal denúncia será um instrumento a mais para pressionar os governos a enfrentar a questão. Se essa faceta das relações de poder permanecer escamoteada, será mais difícil de trazer a população para essa luta.

Luta que pretendemos fazer crescer em volume com nosso Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político, já em plena fase de organização por todo o Brasil e que ganhará as ruas em setembro. Precisamos aprovar a reforma política e para tanto é indispensável definir todos os atores envolvidos, com o objetivo de reduzir ao máximo a influência do poder econômico nas decisões que afetam a maioria do povo.

Por fim, uma rápida passagem pela questão tributária, tantas vezes debatida pela CUT. Nossa carga tributária – em torno de 35% do PIB – não sai do espectro encontrado em outros países em desenvolvimento ou desenvolvidos. Por outro lado, países com carga muito abaixo desse percentual enfrentam duros problemas para atender a demanda de suas populações, como é o caso de vizinhos na América Central. Não podemos desejar cenário semelhante. O nosso problema real é que os mais pobres brasileiros é que pagam a maior parte dos impostos, o que deveria ser alterado, com a inversão da pirâmide tributária. Voltaremos a esse tema.

Escrito por: Vagner Freitas, presidente nacional da CUT

(publicado em 28 de maio na página de CartaCapital)

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O pavor dos abastados: a desigualdade e a taxação das riquezas

Wilson Dias/ABr

Para o teólogo Leonardo Boff, obra do economista francês Thomas Piketty acerta quando diz que “a desigualdade não é acidental, mas o traço característico do capitalismo”

26/05/2014

Por Leonardo Boff

Está causando furor entre os leitores de assuntos econômicos, economistas e principalmente pânico entre os muito ricos um livro de 700 páginas escrito em 2013 e publicado em muitos países em 2014. Tranasformou-se num verdadeiro best-seller. Trata-se de uma obra de investigação, cobrindo 250 anos, de um dos mais jovens (43 anos) e brilhantes economistas franceses, Thomas Piketty. O livro se intitula O capital no século XXI(Seuil, Paris 2013). Aborda fundamentalmente a relação de desigualdade social produzida por heranças, rendas e principalmente pelo processo de acumulação capitalista, tendo como material de análise particularmente a Europa e os EUA.

A tese de base que sustenta é: a desigualdade não é acidental, mas o traço característico do capitalismo. Se a desigualdade persisitir e aumentar, a ordem democrática estará fortemente ameaçada. Desde 1960, o comparecimento dos eleitores nos EUA diminuiu de 64% (1960) para pouco mais de 50% (1996), embora tenha aumentado ultimamente. Tal fato deixa perceceber que é uma democracia mais formal que real.

Esta tese sempre sustentada pelos melhores analistas sociais e repetida muitas vezes pelo autor destas linhas, se confirma: democracia e capitalismo não convivem. E se ela se instaura dentro da ordem capitalista, assume formas distorcidas e até traços de farça. Onde ela entra, estabelece imediatamente relações de desigualdade que, no dialeto da ética, significa relações de exploração e de injustiça. A democracia tem por pressuposto básico a igualdade de direitos dos cidadãos e o combate aos privilégios. Quando a desigualdade é ferida, abre-se espaço para o conflito de classes, a criação de elites privilegiadas, a subordinação de grupos, a corrupção, fenômenos visíveis em nossas democracias de baixíssima intensidade.

Piketty vê nos EUA e na Grã-Bretanha, onde o capitalismo é triunfante, os países mais desiguais, o que é atestado também por um dos maiores especialistas em desiguldade Richard Wilkinson. Nos EUA, executivos ganham 331 vezes mais que um trabalhador médio. Eric Hobsbown, numa de suas últimas intervenções antes de sua morte, diz claramente que a economia política ocidental do neoliberalismo “subordinou propositalmenet o bem-estar e a justiça social à tirania do PIB, o maior crescimento econômico possível, deliberadamente inequalitário”.

Em termos globais, citemos o corajoso documento da Oxfam intermón, enviado aos opulentos empresários e banqueiros reunidos em Davos nos janeiro deste ano como conclusão de seu “Relatório Governar para as Elites, Sequestro democrático e Desigualdade econômica”: 85 ricos têm dinheiro igual a 3,57 bihões de pobres do mundo.

O discurso ideológico aventado por esses plutocratas é que tal riqueza é fruto de ativos, de heranças e da meritocracia; as fortunas são conquistas merecidas, como recompensa pelos bons serviços prestados. Ofendem-se quando são apontados como o 1% de ricos contra os 99% dos demais cidadãos, pois se imaginam os grandes geradores de emprego.

Os prêmios Nobel, J. Stiglitz e P. Krugman têm mostrado que o dinheiro que receberam do Governo para salvarem seus bancos e empresas mal foram empregados na geração de empregos. Entraram logo na ciranda financeira mundial que rende sempre muito mais sem precisar trabalhar. E ainda há 21 trilhões de dólares nos paraísos fiscais de 91 mil pessoas.

Como é possível estabelecer relações mínimas de equidade, de participação, de cooperação e de real democracia quando se revelam estas excrecências humanas que se fazem surdas aos gritos que sobem da Terra e cegas sobre as chagas de milhões de co-semelhantes?

Voltemos à situação da desigualdade no Brasil. Orienta-nos o nosso melhor especialista na área, Márcio Pochmann (veja também Atlas da exclusão social – os ricos no Brasil, Cortez, 2004): 20 mil famílias vivem da aplicação de suas riquezas no circuito da financeirização, portanto, ganham através da especulação. Continua Poschmann: os 10% mais ricos da população impõem, historicamente, a ditadura da concentração, pois chegam a responder por quase 75% de toda riqueza nacional. Enquanto os 90% mais pobres ficam com apenas 25%”(Le Monde Diplomatique, outubro 2007).

Segundo dados de organismos econômicos da ONU de 2005, o Brasil era o oitavo país mais desigual do mundo. Mas graças às políticas sociais dos últimos dois governos, diga-se honrosamente, o índice de Geni (que mede as desigualdades) passou de 0,58 para 0,52. Em outras palavras, a desigualdade que continua enorme, caiu 17%.

Piketty não vê caminho mais curto para diminuir as desigualdades do que a severa intervenção do Estado e da taxação progressiva da riqueza, até 80%, o que apavora os super-ricos. Sábias são as palavras de Eric Hobsbown: “O objetivo da economia não é o ganho, mas sim o bem-estar de toda a população; o crescimento econômico não é um fim em si mesmo, mas um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas”.

E como um gran finale a frase de Robert F. Kennedy:”o PIB inclui tudo; exceto o que faz a vida valer a pena.”

Artigo colhido no sítio http://www.brasildefato.com.br/node/28656

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