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Por um processo de democratização e de moralização do futebol brasileiro!

Sobre como sacudir a poeira e dar a volta por cima

A vergonhosa derrota para a Alemanha dentro do campo pode servir para detonar um processo de democratização e de moralização do futebol brasileiro.

por Emir Sader em 09/07/2014 às 08:29

O paradoxo é que na Copa do Mundo melhor organizada, a seleção brasileira sofre o maior vexame da sua história futebolística. Claro que não existe relação mecânica entre os dois planos. As grandes seleções de 1958, 1962, 1970, para citar as melhores, não tiveram relação estreita com o desenvolvimento político do país, embora as duas primeiras faziam parte de um contexto de florescimento político e cultural, que elevava a identidade e a auto-estima dos brasileiros. (Foram concomitantes com um processo de democratização do país, com a bossa nova, com o cinema novo, com um novo teatro, entre outros fenômenos culturais extraordinários.)

Desta vez o Mundial encontra o Brasil em um dos melhores momentos da sua história, com um processo de democratização social como nunca o país havia vivido e com um governo com o apoio que lhe permite, pela primeira vez em democracia, governar o país por três mandatos – 12 anos – com grandes probabilidades de se estender por pelo menos mais 4 anos, com um ciclo impressionante de continuidade e estabilidade política.

Mas sabíamos que o futebol segue outro sendeiros. Entre as transformações regressivas que o neoliberalismo introduziu no país e que foram muito pouco superadas, está a mercantailização, o poder do dinheiro penetrando em todas as esferas sociais. O futebol não apenas não ficou infenso a isso, como é um campo privilegiado para a mercantilização.

Por obra de um brasileiro, Joao Havelange, o futebol se tornou, através da Fifa, um dos maiores negócios do mundo, estendendo-a a praticamente todos os países, incorporando a mais de 200 países, de todos os continente, montando ao mesmo tempo um império financeiro global, fortalecido pela internacionalização da mídia. Tudo isso foi paralelo à globalização econômica e ideológica, que transforma tudo em mercadoria, para o que os jogadores futebol são mercadorias preciosas.

Enquanto o chamado processo de profissionalização dos clubes terminava com  o incentivo a revelar jogadores – e a urbanização foi terminando com os campinhos de futebol de várzea, grande fonte de revelação de jovens craques -, os empresários passaram a ter o papel determinante no futebol. Compram precocemente passes de jogadores por preços irrisórios e os vendem no exterior, basta que alguns deem certo, para que os retornos econômicos sejam muito altos. Os outros podem circular por mercados futebolísticos periféricos, suficientes para pagar seus custos.

Os clubes foram as maiores vítimas, junto com os processos de formação de jogadores. Não vale a pena formá-los no clube, porque desde muito cedo os pais assinam contratos de bolso com empresários, que os levam para qualquer país, conforme os interesses e as possibilidades. O caso do Messi, que foi embora da Argentina aos 14 anos, se formou até mesmo futebolisticamente em Barcelona, é a ponta do iceberg de todo o fenômeno.

O futebol é talvez a atividade contemporânea mais mercantilizada, mais comandada pelas duras regras do custo e do benefício, da maximização dos lucros. O fato de que o Mundial seja da Fifa e não dos países organizadores, que fornecem as condições locais para que a Fifa realize seus eventos, é uma expressão disso.

Futebolisticamente o Brasil vive ainda a ressaca da derrota do belo futebol de 1982. Aquela derrota e a necessidade de voltar a ganhar, depois de 1970, impuseram o abandono do futebol arte que sempre nos havia caracterizado e nos havia levado a ser campeões, ate aquele momento, três vezes, pelo pragmatismo, para vencer. A própria mudança do Telê para o Parreira e o Felipão, representam essa mudança. E voltamos a ganhar, mudando para um estilo pragmático, abandonando o estilo que outros seguiram cultuando, como a Holanda e, mais recentemente, a Alemanha.

Vínhamos, agora, de uma entressafra, com o fim de carreira de jogadores como o Ronaldinho Gaúcho, o Kaka, o Robinho, entre outros e apenas começou a surgir uma nova e boa geração – Tiago Silva, David Luiz, Luis Gustavo, Marcelo, Hernane, Oscar, Lucas, Jeferson, Vitor, Ganso, Leandro Damião, entre outros. Ainda sem experiência suficiente, ainda mais para aguentar uma Copa em casa. O Mano Menezes poderia ter armado um bom time, mas perdeu inexplicavelmente dois anos com experiências intermináveis. E, nesse tempo, perdemos dois jogadores importantes: Ganso e Leandro Damião, por razões que não vem ao caso analisar aqui.

O Felipão nunca foi um grande estrategista. Ele é um treinador feijão com arroz, com boa capacidade de comando sobre os jogadores. (Mas ja sabíamos que treinadores campeões que voltaram à seleção, como o Zagalo e o Parreira, nunca repetiram o feito.) A convocação dele foi bem aceita, mas não se atentou para a falta de pelo menos um meio campista – que só poderia ser  o Ganso, o Ronaldinho Gaucho nao dava mais – e de um bom centroavante. (O Fred era uma interrogação e o Jô não é exatamente um centroavante.) Faltou também um reserva para o Neymar, mesmo sem pensar na sua perda por contusão grave (que poderia ser  Philipe Coutinho ou outro atacante mais agressivo).

A falta do meio campista fez com que o Brasil nunca dominasse o meio campo, tivesse dificuldade de saída de bola da defesa e não tivesse ninguém para acalmar o time, recebendo a bola da defesa, matando-a no peito, distribuindo o jogo e, sobretudo, fazendo lançamentos, o que só foi feito, de longe pelos zagueiros. O fracasso do Fred foi dramático e não havia outro, melhor teria sido ter alguém como Alan Kardec do que o Jô, so pra tentar alternativa.

O time foi levando, a duras penas,  jogando muito menos do que na Copa das Confederacoes (que confirmou sua maldição: quem ganha essa Copa, acha que está preparado pro Mundial e fracassa em seguida), mas dando a impressão que em algum momento poderia deslanchar. Os primeiro tempos contra o Chile e contra a Colômbia, foram os momentos de melhor apresentação da seleção, sem superar os problemas – saída longa da defesa ao ataque, falta do meio campista, Fred pífio, Oscar desaparecido.

A catástrofe com a Alemanha foi a exacerbação máxima dos erros acumulados, com a desaparição dos méritos. Sem Tiago Silva – que mostrou ser muito mais importante, pela sua ausência -, sem Neymar – ninguém mais incomodou a defesa alemã – e com um conjunto de jogadores muito inexperientes – Fernandinho, Luis Gustavo, Dante, Bernard (que confirmou que não é um jogador que deu um salto de promessa a craque com personalidade)   em numero excessivo para um jogo diante de um time experiente, treinado há seis anos. Enquanto que nós tínhamos treinado no máximo dois anos, com vários amistosos pífios, sem disputar a classificação, fomos vítimas passivas da máquina alemã, que jogou no estilo que nós jogávamos antes.

Ainda assim, nada justifica que, com dois a zero, o time não se reorganizasse, seja a defesa, em campo mesmo,  e/ou com intervenção do Felipão, até mesmo fortalecendo a defesa (com Henrique, por exemplo) e com alguém mais contundente na frente (o Hernane, por exemplo). Ficar assistindo a debacle confirmou a impotência do Felipão como estrategista (e como o Parreira só servia lá para dar entrevistas).

Foi a derrota mais acachapante que o Brasil sofreu, ainda mais em Copa do Mundo e aqui em casa. Vai ser traumática. (Alias, qual o papel da psicóloga?) Tomara que não se creia que se vá superar nos divãs de psicanalistas.

O país avançou muito, diminuiu substancialmente as desigualdades sociais, a pobreza e a miséria, recuperou seu prestigio em escala mundial, mostrou uma enorme capacidade para organizar a melhor das Copas. Mas esses avanços não chegaram, nem de longe ao futebol, o esporte mais popular, o que mais mexe com os sentimentos das pessoas.

Se afirmamos direitos sociais da grande massa secularmente excluída, restringindo uma parte dos efeitos negativos de concentração de renda e de exclusão social do império dos mercados e do dinheiro, o futebol não foi, em nada atingido por esse processo. Continua um império que se rege por suas próprias regras, com processos de corrupção evidentes – em clubes, nas federações e na CBF, da mesma forma que na Fifa.

Tendo as maiores torcidas do mundo, estas e os associados não são quem elege e decide os destinos dos clubes. Diretorias eleitas por exíguas minorias mandam e desmandam nos clubes, gastam o dinheiro como bem entendem, sem discussão pública, nem controle popular. Não há eleições diretas – como prevê um projeto de lei no Congresso – para democratizar a atividade mais popular no Brasil e para abrir as caixas pretas dos clubes, das federações  e confederações, mediante um imenso processo de transparência pública.

E, principalmente, limitar o papel dos empresários, verdadeiros gangsters, que agem nos clubes, com anuência e complacências das diretorias, e fortalecer as escolas de futebol, recuperar os campinhos de várzeas e de praia, que são os verdadeiros lugares de revelação de craques. Dar aos clubes condições de organizar essas escolas  manter os jovens jogando aqui (não perdoar as dividas dos clubes sem esse tipo de contrapartida).

Apoiar o futebol feminino, seus campeonatos, as condições de trabalho e de aposentadoria, de uma atividade muito mais democratizadora do que o masculino – vejam o tipo de pessoas que tem praticado e ascendido pelo futebol feminino.

E abrir a caixa preta da CBF, impor condições de eleição democrática nos clubes, nas federações e nas confederações. Os clubes e as federações são cooptados pela CBF mediante favores e terminam reelegendo diretorias que publicamente são condenadas por ma’ administração e por sus peitas graves de corrupção.

Em suma, o futebol – e os esportes profissionalizados em geral – tem que fazer parte da pauta política de democratização do pais. São atividades saudáveis, tem imensas torcidas que se apegam emocionalmente a seus times, são lazer de massas e sao instâncias econômicas importantes. (Que tal revisar as vendas milionárias de jogadores ao exteriores, se os impostos foram pagos, se não se trata de lavagem de dinheiro de outras atividades, etc., como está   sendo feito na Espanha, até mesmo com a venda do Neymar, portanto com ramificações aqui?)

A vergonhosa derrota dentro do campo pode servir para detonar um processo de democratização e de moralização do futebol que, por sua vez, possa fortalecer a revelação de novos craques, sua manutenção no Brasil por um tempo muito mais longo e fazer o futebol brasileiro retomar seu estilo bonito, que o levou a ganhar a três mais bonitas Copas que conquistamos.

A derrota de 16 de julho de 1950 foi mais traumática, porque em 45 minutos deixamos de ganhar a primeira Copa, para o qual bastava um empate e que viramos ganhando de 1 a 0, com 200 mil pessoas no Maracanã. Mas tiramos lições e 8 anos depois vencemos a primeira Copa que uma seleção ganhou fora do seu continente, abrindo o melhor ciclo da história do nosso futebol, que foi até a derrota – traumática, também – de 1982.

Essa própria geração de jogadores tem futuro, o Brasil é forte candidato a ganhar a próxima Copa, conseguindo recuperar o Ganso, ter atacantes ofensivos melhores, tem um bom técnico estrategista – que parece ser o Tite. Mas serão triunfos efêmeros – como foram os de 1994 e de 2002 -, se não democratizarmos, desmercantilizarmos, profundamente a própria estrutura do futebol brasileiro, com reflexos na revelação de novos craques, no fortalecimento – pela democratização  – dos clubes.

Artigo colhido no sítio http://www.cartamaior.com.br/?/Blog/Blog-do-Emir/Sobre-como-sacudir-a-poeira-e-dar-a-volta-por-cima/2/31341

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A derrota e a disputa pelo imaginário brasileiro

O jogral conservador ganhará decibéis redobrados na tentativa de transformar a humilhação esportiva na metáfora de um Brasil corroído pelo desgoverno.

por: Saul Leblon

A seleção brasileira foi mastigada  até a alma pelas mandíbulas alemãs nesta 3ª feira, na disputa das semifinais da Copa do Mundo.

Depois de tomar quatro gols em seis minutos no primeiro tempo, a equipe montada por Felipe Scolari  tirou o uniforme e vestiu o manto de um zumbi coletivo.

Morta, arrastou-se  pelo gramado do Mineirão,  de onde saiu carregando o fardo de  uma goleada histórica por 7 x 1.

A derrota atinge a estrutura do futebol brasileiro.

A exemplo  do que ocorreu  na economia nos últimos trinta anos, o futebol viveu um processo de primarização.

Clubes que deveriam ser fontes de talentos, com forte investimento em categorias de base,  tornaram-se exportadores  de brotos verdes.

Ao ensaiarem seu diferencial nos gramados, garotos  já são monetizados e remetidos a clubes do exterior,  que cuidam de completar sua formação.

Alguns,  caso de  David Luiz, só para citar um exemplo,  voltam depois consagrados, quase desconhecidos aqui, para compor uma seleção que convive mais tempo no avião do que nos gramados.

Nas cadeias da globalização da bola, o Brasil se rendeu ao papel de fornecedor de matéria-prima.

A dependência financeira dos clubes em relação às cotas de transmissões esportivas dos grandes campeonatos regionais e nacionais é outro torniquete da atrofia que explodiu no Mineirão.

As redes de tevê  ficam com a parte do leão da publicidade milionária das transmissões futebolísticas –fonte de uma das maiores audiências da televisão brasileira.

Donas do caixa, redes como a Globo, fazem gato e sapato dos clubes, obrigando jogadores a uma ciranda insana de tabelas e competições que se sobrepõem em ritmo alucinante, para servirem à conveniência das grades e da receita publicitária.

É praticamente impossível sobreviver fora da ciranda e, dentro dela, impera o imediatismo: não há tempo,  nem recurso,  para investir em formação de atletas nas categorias de base.

A pressão brutal por resultados –-se  não ‘subir’  ou, pior, se  ‘cair’, o clube perde a cota da tevê–  obriga dirigentes à caça insaciável por jogadores tarimbados, em detrimento da revelação própria nos quadros juvenis.

A reiteração entre audiência e cotas premia os clubes maiores criando um círculo de ferro que condena o grosso das demais agremiações  à marginalização.

No triênio 2016/19, por exemplo, a Globo prevê pagar  R$ 4,11 bi por direitos de transmissão no Brasil. Desse total, três clubes, Corinthians, Flamengo e São Paulo ficarão com quase R$ 500 milhões.

O restante será rateado pelas agremiações  do resto do país.

No futebol inglês e no alemão, o critério é mais equânime.

Na Alemanha a verba é  dividida em cotas iguais entre todos os clubes. Na Inglaterra, 70% do total é dividido em partes iguais, ficando 30% para ‘prêmios’ por classificação e audiência.

Na Alemanha, ademais, há uma rede capilarizada de escolas de futebol, que compõe um sistema nacional  de formação de atletas, revelação de talentos, bem como preparação de técnicos e juízes.

Centros de treinamento de alto nível  focados em categorias de base, como o do São Paulo FC, são raros no Brasil, que viu morrer o celeiro do futebol de várzea sem que se pusesse nada no lugar.

Adestradas na lógica da mão para a boca, as torcidas se transformam em certificadoras dessa engrenagem sôfrega.

Não raro com o uso da violência, cobram  resultados e  contratações  milionárias  dos cartolas, que usam o álibi das uniformizadas para a rendição incondicional ao mercantilismo esportivo.

Ao contrário da equidistância que seus candidatos cobravam de Dilma ainda há pouco, quando o time de Felipão  avançava na classificação, a derrota nacional na Copa do Mundo certamente será explorada pelo conservadorismo.

A disputa pelo imaginário brasileiro ganhará decibéis redobrados a partir de agora, na tentação rastejante de  transformar  a humilhação esportiva  na metáfora de um Brasil  corroído pelo ‘desgoverno petista’.

O tiro pode sair pela culatra.

A tese não é apenas  oportunista.

Ela é errada.

O que acontece é simplesmente o oposto.

A estrutura do futebol brasileiro, na verdade, está aquém dos avanços sociais e políticos assistidos  no país nas últimas décadas.

Há um descompasso entre a sociedade e o gramado.

A caixa preta da Fifa  –reafirmada no intercurso entre cambistas e filhos de dirigentes, como se viu em episódio recente no Rio de Janeiro– é apenas a expressão global do sistema autoritário e nada transparente dominante em várias ligas nacionais.

A do Brasil, com a CBF, é um caso superlativo.

Dominada por um punhado de coronéis da bola,  requer um corajoso  processo de oxigenação, equivalente à  reforma  preconizada por Dilma para o sistema político brasileiro.

Trata-se de democratizar os centros de decisão, bem como as legislações relativas à compra e venda de atletas, evitar sua venda precoce ao exterior,   ademais de remodelar os circuitos das competições e libertar o caixa dos clubes da tutela asfixiante das tevês, para que possam , de uma vez por todas, converterem-se, de fato, em  academias de formação e difusão esportiva.

O conjunto atinge diretamente o núcleo duro dos  interesses e valores com os quais o conservadorismo compactua  para voltar ao poder.

A quem desdenha da necessidade de um planejamento nacional em qualquer esfera –da industrialização, ao direcionamento do crédito, passando pelo controle de capitais e do câmbio–  cabe perguntar: se não temos uma política nacional para o futebol, como se pode pleitear uma seleção nacional à altura das  nossas expectativas?

Enquanto ficamos na dependência de um Neymar, o grupo  da Alemanha joga junto há 10 anos.

Pode-se manipular o imaginário da derrota na catarse das próximas horas. Mas será difícil sustentar o oportunismo  se ele for confrontado com uma visão clara e desassombrada das linhas de passagem que podem devolver ao futebol brasileiro o brilho que ele já teve um dia, e ao seu torcedor, a alegria trincada neste  sombrio oito de julho de 2014.

Editorial colhido no sítio http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/A-derrota-e-a-disputa-pelo-imaginario-brasileiro/31340

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