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Por 11:31 Sem categoria

Da luta contra o racismo à luta pelo Poder: quais são os desafios das mulheres negras?

“Apartheid disfarçado todo dia
Quando me olho não me vejo na TV
Quando me vejo estou sempre na cozinha
Ou na favela submissa ao poder
Já fui mucama, mas agora sou “neguinha”
“Minha pretinha, nós gostamos de você”
Levante a saia, saia correndo pro quarto
Na madrugada patrãozinho quer te ver…”

Por Patrícia Chaves, militante do Levante de Salvador

À mulher negra, vinda para o Brasil no período escravista colonial, foram delegadas três finalidades: a escrava sexual, a reprodução da mão de obra e a exploração de sua força de trabalho. E mesmo com o “fim” da escravidão, mesmo depois de mais de 100 anos, nós continuamos exercendo os mesmo papeis que nos foram atribuídos na época. O capitalismo se apropriou do racismo e do patriarcado para manutenção de um sistema de dominação opressor e explorador. Continuamos sendo as empregadas domésticas dos condomínios, o objeto sexual para o prazer masculino, vivemos nas senzalas do século XXI.

mulher negra

A mídia tem papel fundamental na manutenção desses estereótipos.  A nós, mulheres negras, só existe dois lugares na TV: a empregada doméstica da novela, ou tendo nossos corpos hipersexualizados nas propagandas de cerveja ou no concurso da “globeleza”. E isso com um único objetivo, mercantilizar nossos corpos, nos coisificar, para perpetuar a exploração de nossas vidas.

O machismo impõe que nós, mulheres, não tenhamos direito sobre nossa vida e nossos corpos. A legalização do aborto, bandeira do movimento feminista, é uma pauta que atinge diretamente a vida das mulheres negras, porque são as mulheres pobres da periferia que sofrem utilizando métodos inseguros, por não terem acesso às clinicas especializadas para realizar o procedimento. Acabam morrendo à espera de atendimento nos centros de saúde e ainda são criminalizadas. As mulheres negras sentem na pela a falta de recursos em bens públicos, como moradia, creche, saúde e educação.

Nossa cultura, identidade e beleza, foram negadas ao longo da história. Ser negra no Brasil é nascer sem autoestima, sofrer a imposição de um padrão de beleza branco que afirma a todo tempo que o melhor é ter cabelo liso, nariz fino, por que a nossa beleza não é valorizada.

A formação social e econômica do nosso país se deu a partir do estupro e exploração dessas mulheres negras, que em contrapartida, resistiram em luta e marcaram nossa historia, liderando grandes revoltas populares contra a dominação europeia na luta pela libertação de seu povo. Queremos falar de Maria Felipa, Negra Zeferina, Luiza Mahin, Dandara, Tereza de Benguela que se levantaram contra esse sistema dominante.

O dia 25 de julho, dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, é definido em 1992 no 1o Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, do qual se percebe a necessidade de ampliar e fortalecer as relações com organizações desses países, pois é uma realidade que atinge todo o continente. Esse dia tem como ponto a reafirmação e resistência das mulheres negras, e significa dar visibilidade a uma luta histórica que poucos conhecem. Mas, sobre tudo, hoje devemos pensar: Onde estamos? Onde queremos estar? Como vamos conquistar o que queremos? Quais são os nossos principais desafios? A história nos mostra que só a auto-organização das mulheres foi capaz de garantir vitórias para luta feminista. É importante entender que a luta contra a discriminação de gênero, raça e classe precisam caminhar juntas.  A construção de um feminismo anti-capitalista e antirracista é fundamental para alterar as relações de dominação e opressão vivenciada por essas mulheres, e isso só acontecerá a partir de grandes transformações no modo de produção capitalista.

Nunca na história do Brasil o povo negro, que teve papel essencial na construção do nosso país, teve participação nos espaços de poder. Somos maioria nos presídios, nas filas de hospitais, nas estatísticas do mapa da violência. Queremos ser maioria nas Universidades, no mercado de trabalho, na política. Queremos o poder! O poder que sempre esteve concentrado nas mãos de uma burguesia branca, patriarcal e racista, e é contra ela a nossa luta histórica e cotidiana.

A todo momento nosso potencial intelectual é questionado, e o fato de não acessarmos os espaços de poder é visto como falta de capacidade individual. Nosso problema é coletivo!  As barreiras foram construídas historicamente para impedir nosso acesso aos espaços de decisão do país. E sabemos que para vencer essa dominação é preciso romper com o modelo de produção que oprime e explora vidas, é preciso destruir esse sistema capitalista-patriarcal-racista. O inimigo é um só. Precisamos estar juntas e juntos para derrotá-lo.

Com isso, nós, mulheres negras, temos duas tarefas principais esse ano. A nossa participação na construção do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político, só com a mudança do sistema político do nosso país poderemos debater a representação nos espaço de poder que sempre nos foram negados. Com isso não queremos dizer que só queremos mais mulheres negras, queremos mulheres negras que combatam diariamente o machismo e o racismo, que nos representem, tenham claro um projeto de nação para emancipação do nosso povo. Precisamos construir esse plebiscito para garantir que essa constituinte seja feminista e negra, só assim ela responderá as demandas populares. E a construção da Marcha contra o Genocídio do Povo Negro, nosso povo está morrendo, e para que continuemos em luta precisamos estar vivos! A luta do povo negro associada a luta de classes e feminista acumula na construção de um Projeto Popular para o Brasil, e se coloca como elemento fundamental numa estratégia revolucionaria capaz de colocar o povo no poder! Já resistimos por muito tempo, nossa palavra de ordem agora é reaja!

“…Agora digo o que vejo na TV.

Um som negro. Deusa negra. Eva negra.

AS NEGRAS NO PODER!”

 

Artigo colhido no sítio http://levante.org.br/apartheid-disfarcado-todo-dia-25-de-julho/

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