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”Elysium” não pode ser aqui

”Elysium” não pode ser aqui

Escrito por:

João Felício

Presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI)

Assisti recentemente um filme de ficção científica chamado Elysium, de Neill Blomkamp. No ano de 2154, a população da terra está dividida em duas classes: os ricos, que vivem esplendorosamente bem, com muito verde e limpeza na estação espacial que dá nome ao filme e o resto, que sobrevive na Terra completamente arruinada, suja e fétida. Mas um homem – sempre a saída individualista onipresente – pode ser a esperança para trazer a igualdade entre os dois mundos.

Made in USA, o enlatado traz os antivalores típicos do seu stablishment: os donos das megacorporações e dos bancos transnacionais, que arruínam o planeta, espalhando mortes e destruição para catapultarem suas fortunas. O filme é muito ruim, não só por insistir que a transformação é individual, negando o papel do coletivo, como por vender fantasiosa e fantasticamente a ideia de que todos os ricos poderiam se entocar numa nave ou numa região apartada. Apesar de parte considerável desta elite e da classe média alta em todo o mundo acreditar que é possível construir um gueto inexpugnável que os leve à felicidade total, mesmo que seja pela infelicidade geral dos demais. Mas, por isso mesmo, o filme é digno de nota para uma maior reflexão sobre o momento em que vivemos.

Embora tenham como caldo de cultura a indignação com a corrupção potencializada pela grande mídia, as manifestações ocorridas no domingo, 15 de março, tiveram um forte componente reacionário. Se para esta gente a questão central no Brasil hoje é o combate à corrupção, então deveriam ter aparecido na avenida Paulista e em outras capitais pedindo punição a todos os envolvidos em corrupção e não somente no escândalo da Petrobrás. Aqui em São Paulo, por exemplo, a corrupção tucana no metrô, na Sabesp e no anel viário, fartamente divulgados, cuja investigação anda a passos de tartaruga, não estava na agenda dos manifestantes. Ninguém gritou Fora Alckmin e Fora PSDB.

Reconheço que entre aqueles manifestantes havia gente bem intencionada, que não pertence à elite e quer um Brasil mais justo, sem corrupção, com uma agenda parecida com as manifestações do dia 13, organizadas pela CUT e pelos movimentos sociais. Não creio que esta era a vontade da maioria dos que estavam naquele ato que, como retrataram as faixas e as palavras de ordem, não manifestou qualquer preocupação com o seguro desemprego, o abono salarial ou o auxílio doença. As próprias pesquisas demonstram que eram pessoas que haviam votado no candidato derrotado e gente de alto poder aquisitivo.

Qualquer setor da sociedade tem o direito de se manifestar, reivindicar o que considera mais conveniente, expor todas as suas lideranças com a mais absoluta transparência e as fontes de recursos. É desta maneira que nós sempre nos comportamos. Para mim, uma atividade que tem forte apoio da mídia, cuja maioria era de alto poder aquisitivo – conforme admitido pela própria imprensa internacional -, que contou com a presença de membros da organização fascista Tradição, Família e Propriedade (TFP), a viúva do torturador Fleury, banqueiros e outras figuras carimbadas de sangue, boa coisa não é. Não há sombra de dúvida de que as organizações que convocaram o ato do domingo são vinculadas à elite.

Ao analisar esses atos que aconteceram no dia 15 me veio à mente, inevitavelmente, o famoso livro de Paulo Schilling “Como se coloca a direita no poder”. É incrível a semelhança que há entre os atos ocorridos com aqueles que antecederam o golpe de 64, bem como com o que está acontecendo na Venezuela e na Argentina. Todos eles com apoio de órgãos da grande imprensa. A obra de Paulo Schilling retrata muito bem as forças políticas que agiram em 64 e seus motivos. Mais do que um golpe militar, foi um golpe do grande capital. Todos deveriam ler este livro.

Até para contar o número de participantes nos dois atos há um ódio de classe. A polícia do governador Geraldo Alckmin contabilizou apenas 12 mil pessoas na manifestação do dia 13, enquanto projetou um milhão para o do dia 15. Nenhum órgão de imprensa publicou fotografia do protesto do dia 13 em perspectiva, para não dar visibilidade ao tamanho e não estabelecer comparações. Já o do dia 15 foi retratado através de uma bela foto em perspectiva. Conforme o Instituto Datafolha constatou, o ato da CUT tinha mais de três vezes o número divulgado pela polícia estadual e o do dia 15 cinco vezes menos do que o propagandeado pela imprensa. Casualidade?

Na verdade, as manifestações do dia 15 não foram somente contra a corrupção e os erros cometidos pelo governo federal. A maioria dos que estavam ali presentes, além do ódio de classe, não se conformam de terem perdido quatro eleições consecutivas. Os incomoda também – e expressam o seu preconceito por meio de faixas, pirulitos e cartazes – avanços que ocorreram neste país nos últimos anos, como o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida, o Mais Médicos e a PEC das Domésticas. Para eles é um absurdo empregada doméstica ter direitos e um pobre ter um médico cubano. É por isso que odeiam o Lula. Onde já se viu um metalúrgico e uma mulher torturada terem chegado à presidência da República? Não são pessoas que possuem a “competência técnica” defendidas por esta casta.

A maioria dos presentes nesses atos do dia 15 é composta por gente que paga pouco imposto e quer pagar menos ainda, não aceitando que no orçamento da União se privilegie a área social, como saúde e educação. Quem paga imposto neste país são os pobres e a classe média. Por isso que para nós o ajuste fiscal necessário precisa taxar os ricos. Queremos que o governo federal retire do Congresso Nacional as Medidas Provisórias 664 e 665 – que cortam direitos sociais e trabalhistas. Queremos uma reforma política que acabe definitivamente com o financiamento empresarial e que todos, absolutamente todos os corruptos, sejam punidos de acordo com a lei. Sejam eles da Petrobrás, do Metrô de São Paulo ou de qualquer partido. Esta pauta de reivindicação defendida pela CUT estava presente nos atos do dia 15? Com certeza, não. Na realidade o que querem é uma ruptura no processo democrático ao proporem o impeachment da presidenta da República.

A democracia é muito jovem no continente latino-americano para ser banalizada, como alguns pretendem. Poucos são os países nesta região onde ela conseguiu sobreviver durante décadas. As rupturas sempre foram provocadas pelos mesmos atores: setores da mídia, parte das empresas nacionais e multinacionais e, na maioria das vezes, o imperialismo estadunidense. Nunca podemos nos esquecer que o golpe de 64 foi apoiado pelo governo dos EUA da época, com o embaixador Lincoln Gordon mergulhado até o pescoço. É impressionante como o imperialismo se utiliza dos seus tentáculos para impor a sua hegemonia, seja através do envolvimento direto ou de outras “organizações”. Isso já está ocorrendo na Venezuela e no Oriente Médio. Por isso que a luta pela consolidação da democracia tem uma importância tão grande quanto a nossa pauta de reivindicação trabalhista. Quando há ruptura, geralmente quem mais perde é a população carente.

Reivindicamos que o governo Dilma implemente o programa desenvolvimentista pelo qual foi eleito e que os erros cometidos sejam corrigidos por quem recebeu o sufrágio popular. Não há outro caminho para consolidar a democracia, defender a soberania e barrar o caminho aos oportunistas de plantão.

Fonte: CUT

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