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O impeachment: obra das elites mais conservadoras do Brasil

Por Márcio Kieller, secretário geral da CUT Paraná

Todas as causas são justas. Todos sem exceção tem o direito de se manifestar para verem seus intentos realizados. Mas não podemos admitir que o Big Brother (termo cunhado no livro 1984, de George Orwell) dite para a sociedade toda o que é ou não certo. Ou seja, um oligopólio de comunicação que no Brasil não passam de seis grandes conglomerados familiares ditarem regras, costumes, tendências e vontades, tirando a capacidade de organização e da escolha social racional, aplicando um profundo processo de alienação.

Por isso as manifestações pró Impeachment que aconteceram de forma orquestradas por esses grandes conglomerados de comunicação, em nomes das elites empresarias, latifundiárias não nos preocupam em seu caráter popular, pois não vimos trabalhadores assalariados e nem mesmos os desempregados protestando por causa do emprego. Afinal, a grande mídia diz que existe desemprego geral e não sazonal em alguns setores, como constata o Dieese. Não vimos nessas manifestações os milhões de incluídos dizendo que existem atrasos nos seus programas sociais. Não vimos irem às ruas à juventude das periferias. Não vimos irem às ruas as beneficiadas pelas políticas de gênero, que ainda precisam de auto afirmação cotidiana, pois a ainda é gritante percentual de mulheres e crianças que sofrem com a violência doméstica e com os abusos sexuais. Não vimos ir às ruas a juventude que está nos programas sociais de inclusão nas universidades em programas como o Ciência Sem Fronteiras.

A que pese que o discurso midiático de que o governo é o culpado por todas as mazelas da sociedade, como principal objetivo desse processo de alienação midiática a lá George Orwell, cumpre o seu papel, pois muitos dos incluídos fazem o discurso contra os benefícios e programas sociais que eles mesmos se utilizam. As manifestações foram patrocinadas pelas forças mais conservadoras da sociedade que dependem da pobreza e do desemprego, que são as elites empresarias, latifundiárias e midiáticas, elites que no caso, tem como discurso que não iriam pagar o pato e o empurraram para os trabalhadores pagarem. Mas alguém pagou as manifestações das elites, que não queriam pagar o pato? Para termos essa resposta basta olhamos o grau de retrocessos políticos que tivemos nesses poucos meses de interinidade do governo golpista de Temer e seus representantes nas Câmara e no Senado para sabermos quem foi que financiou o golpe institucional. E que está exigindo a contrapartida, que é a entrega dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores e a aplicação dos retrocessos sociais.

Para compreender por que não existe mais interesse das elites no Estado é só prestarmos atenção na configuração mundial e mais propriamente para a América Latina nas últimas décadas. Depois do refluxo neoliberalismo pregado pelo cúpula que aconteceu nos anos finais do último milênio chamada “Consenso de Washington” que trouxe um cenário complicado para a classe trabalhadora que estava sendo tolhida em seus direitos fundamentais, e a resistência deu vazão para o surgimento da organização popular e a eleição de governos democráticos e populares em quase toda a América Latina, que trouxeram de volta os ganhos e benefícios como: Nestor e Cristina Kirchner na Argentina, Fernando Lugo no Paraguai, Hugo Chaves e Maduro na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Michele Bachetet no Chile, Pepe Mojica no Uruguai, Lula e Dilma no Brasil, dentre outras importantes lideranças democráticas e populares.

No Brasil sobre a batuta dos governos democráticos e populares a primeira década do novo milênio foi de bonança para os desvalidos e de avanços para a classe trabalhadora como um todo. A prosperidade econômica trouxe desenvolvimento social e distribuição de riqueza e renda para os mais pobres e avanços importantes na organização social das trabalhadoras e trabalhadores e a inclusão social de milhões de excluídos. É nesse processo de desenvolvimento em que os ricos nunca deixaram de ficar mais ricos, pelo contrário continuaram lucrando, mais e mais, em função da leva de dezenas de milhões de pessoas que foram incluídas, que fomentaram o setor de serviços e de primeiras necessidades. Mas como a economia mundial não é uma economia de viés socialista e democrático e as elites não compartilham do altruísmo social o que prevaleceu não foi lógica do lucro continuo. Pois não suportaram essas elites a democratização dos luxos a que elas, as elites sempre tiveram acesso. Por que exploravam os que nada tinham, ex. Voar de avião dividindo as filas dos aeroportos, frequentar shopping centers, não mais somente para olhar as vitrines mas, ter acesso a bens de consumo e a até a automóveis passou ser possiblidade real para os que ascenderam. Ver seus filhos e filhas privilegiados com programas sociais que permitiam inclusive o intercâmbio com outros países como foi o programa Ciência Sem Fronteiras, que o governo golpista já anunciou que fará mudanças, isso se não encerrá-lo. Mais e novas Universidades, trazendo uniformização do acesso ao ensino superior com o ENEM, fortalecimento do Sistema Único de Saúde. Enfim, acesso aos milhões de empregos com carteira assinada era a nova realidade.

Essa nova realidade econômica e social e a socialização dos espaços até então destinados somente aos membros dessas elites, trouxe para o campo dos pensadores do neoliberalismo a necessidade de desmontar esse período de avanços das políticas de bem estar social com o estado forte, atuante e participativo. Para os pensadores da lógica do lucro é necessário trazer para novamente para o cenário a “Teoria da Dependência”, fortalecendo a síndrome de “vira-lata”, que diz que não podemos ser um país forte e desenvolvido e que precisamos estar sempre na rabeira dos países ditos desenvolvidos do primeiro mundo. Mas havia um problema no meio do caminho. Como destituir governos fortes e democraticamente eleitos? Pelo caminho das eleições esses teóricos do caos viram que não havia espaço, pois o governos populares só se fortaleciam conforme as eleições aconteciam. Então, foram buscar na corrupção sistêmica a desculpa e o motivo para desqualificar os governos democraticamente eleitos.

Por que corrupção sistêmica? Por que ela sempre existiu e nós a consideramos um mal abominável, mas o fato é que ela está entranhada nas relações políticas desde a época do Brasil Colônia. E com raras exceções na política alguém faz algum movimento sem esperar algo em troca, ou seja, a histórica política do “é dando que se recebe”. O sistema eleitoral por exemplo, historicamente permitiu que houvesse caixa dois e quando esse foi combatido, vieram as doações privadas de campanha através das propinas de contratos com as estatais, a exemplo da Petrobras. O que privilegiou o modus operandi atual do sistema eleitoral, ou seja, principalmente para cargos executivos não há ninguém que não esteja devendo favores a essas elites midiáticas, empresárias e latifundiárias.

A modalidade se aprofundou de tal maneira que as grandes indústrias, empreiteiras, veículos de comunicação e os bancos, apesar de terem seus candidatos preferências doam quantias iguais para todos, para que independente de quem venha a se sagrar vitoriosos nas urnas não estejam livre das cobranças posteriores. Afinal, ninguém coloca milhões em uma campanha sem esperar algo em troca. E o que os movimentos sociais e populares, os partidos de esquerda no Brasil que historicamente reivindicaram acabar com a farra das campanhas privadas, patrocinada por aqueles que se locupletam depois das eleições com o dinheiro público, independente de quem ganhe. Propõem há muito tempo a construção de campanhas financiadas exclusivamente com o dinheiro público, ou seja, o financiamento público de campanha para quem vença as eleições possa ter imparcialidade para melhor conduzir a máquina pública e os interesses da população. E não estejam somente a serviço dos interesses daqueles que contribuíram com vultosos montantes para os partidos nas eleições.

E o resultado sistêmico desse modelo eleitoral é a corrupção que há décadas está entranhada nos governos, assim como nas casas de leis federais, estaduais e municipais. Pois, a imensa maioria dos presidentes, governadores, prefeitos, deputados e vereadores tem a chancela financeira de grandes grupos econômicos e midiáticos que lhes permite ganhar as eleições, mas com ela vem a quase impossível desvinculação dos interesses privados. E no jogo atual a única forma de participar dos processos eleitorais com reais chances de vitória é jogar dentro das regras eleitorais estabelecidas.

E no atual momento da política brasileira o grande Leviatã, o Estado, não atende mais aos interesses privados precisa ser diminuído, domesticado e colocado em repouso. Até que se precise novamente assumir o controle social. O que ocorre de tempos em tempos, o que nós chamamos de ofensiva neoliberal. E como o cenário que se apresentava é que com os avanços sociais e a inclusão dificilmente se mudaria isso nas urnas, optou se pela exceção, pelo golpe institucional para implementar a retirada de direitos pela imposição de retrocessos ao mundo do trabalho e a classe trabalhadora.

O golpe institucional pode não se confirmar no Senado Federal, portanto, há uma necessidade urgente de implementar as mudanças, no cenário de uma possível derrota do impeachment no senado, que não está descartada e a volta de Dilma Rousseff, que aconteceria num ambiente político de impossibilidade de rever essas mudanças que atacam os direitos sociais da classe trabalhadora na Câmara e no Senado. Ou seja, Dilma teria que administrar as maldades que o governo golpista, interino de Temer e seus asseclas aprovaram. E como no atual Congresso a presidenta não teria a força política dos votos, para rever essas decisões, teria que viver com elas, administrá-las.

Mas mesmo que não esse seja o cenário. Mesmo assim é fundamental a luta que se restabeleça o processo democrático, pois não queremos viver mais sob regimes de exceção que tem como base a fomentação do ódio e da intolerância política. Por isso o Impeachment pode ter a face do mal, como obra das elites mais conservadoras e retrogradas do Brasil.

A sociedade organizada, os sindicatos, os movimentos sociais, o movimento estudantil, o movimento camponês, da agricultura familiar, da cultura e tantos outros continuaram nas ruas dando respostas de não aceitarão o governo golpista de Temer, exigindo o fim do golpe e o pleno reestabelecimento da democracia.

Marcio Kieller é secretário Geral da CUT/PR e Mestre em Sociologia Política pela UFPR

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