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Governo Bolsonaro elimina o controle seguro e auditável da jornada de trabalho

Prevista em lei desde a publicação da Consolidação das Leis do Trabalho em 1º de maio de 1943 e citada na Constituição de 1988 como direito fundamental do trabalhador, a obrigatoriedade de o empregador anotar os horários de entrada e saída de seus funcionários é ao mesmo tempo uma das maiores conquistas trabalhistas da Era Vargas e um dos maiores símbolos das lutas sindicais. Desde 10 de fevereiro, é também o mais novo alvo do retrocesso civilizatório promovido pelo governo de Jair Bolsonaro, que, na ânsia de agradar a uma parcela, não necessariamente a mais avançada, do empresariado, adotou um novo sistema de marcação eletrônica de ponto que entrega à raposa a chave – e o relógio – do galinheiro.

Ainda nos anos 30 do século passado, uma nascente consciência sindical fez surgirem no País os cadernos nos quais os empregados de fábricas e tecelagens anotavam seus horários de entrada e saída com a intenção de denunciar e evitar jornadas extenuantes. Apesar de várias modernizações, entre elas o popular “cartão de ponto”, a anotação de horários nunca deixou de ser um terreno fértil para manipulações por parte de patrões mal-intencionados e contestações judiciais pelos trabalhadores. Este cenário de insegurança perdurou até 2009, quando o Ministério do Trabalho criou o Sistema de Registro Eletrônico de Ponto (SREP), que funciona a partir de um equipamento – o Registrador Eletrônico de Ponto Convencional (REP-C) – homologado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Desde então, qualquer fabricante de equipamentos de ­REP-C precisa estar obrigatoriamente cadastrado em órgãos oficiais.

Em diversas oportunidades, o REP-C foi avaliado e considerado inexpugnável por fiscais, técnicos e juízes do trabalho. Isso não impediu que o atual Ministério do Trabalho e Previdência tenha decidido, após uma “consulta pública” ­online de um mês, iniciada em janeiro, trocar o exitoso sistema por outro, batizado como Registrador Eletrônico de Ponto Via Programa (REP-P) e definido como “fraudável” por especialistas em informática. Além de o novo software ser administrado em nuvem e de forma unilateral pelos empregadores, outra falha no sistema, segundo os críticos, é que ele não mais permite a impressão de comprovantes com o registro dos horários de entrada e saída, prejudicando, sobretudo, os trabalhadores que não têm acesso a celulares ou computadores conectados à internet. Para completar, o novo equipamento adotado pelo governo Bolsonaro não tem certificação do Inmetro.

 O ministro Barroso, do STF, irá decidir – Imagem: TSE

Uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra o REP-P foi ajuizada em dezembro no Supremo Tribunal Federal pela direção nacional do PSOL. A ação juntou-se a outra, movida anteriormente pelo PDT, e seguiu à apreciação do ministro Luís Roberto Barroso, que, em despacho publicado em 9 de fevereiro, afirmou a “inequívoca relevância” da questão e determinou “rito abreviado” para o seu exame. O ministro deu prazo de dez dias para que o Ministério do Trabalho preste esclarecimentos sobre a decisão pela mudança do sistema e mais dez dias para que o Inmetro e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) avaliem o “nível de segurança” do REP-P. Em seguida, determinou Barroso, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República terão cinco dias para manifestar suas posições.

“Em última análise, a adoção do ­REP-P prejudica a capacidade de fiscalização da jornada de trabalho, fragilizando direitos fundamentais dos trabalhadores, como hora extra, entrada e saí­da e descanso semanal remunerado. É muito mais fácil fraudar a jornada de trabalho com o REP-P, pois ele não é auditável e o equipamento não é aprovado pelo ­Inmetro”, afirma Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL. A ADPF movida pelo partido, assim como aquela do PDT, afirma que a adoção do novo sistema “é um atalho administrativo para a extinção do REP-C e de todos os princípios informadores deste que conformam a segurança jurídica do sistema de registro de ponto dos trabalhadores, bem como dos valores sociais do trabalho”.

Os partidos temem uma possível volta ao quadro de insegurança jurídica e trabalhista anterior a 2009. Em sua ação, o PSOL afirma que o agora preterido ­REP-C “criou e regulamentou pormenorizadamente o sistema de registro de ponto eletrônico dos trabalhadores brasileiros, tendo civilizado boa parte das relações de emprego em nosso País, na medida em que eliminou a possibilidade de fraudes no controle da jornada de trabalho”.

“O PSOL e o PDT entraram com ações no STF contra o novo modelo de registro de horas dos empregados, sujeito a fraudes”

Gustavo Marinho, do escritório ­Warde Advogados, responsável pela ação do PSOL, explica as diferenças entre os dois sistemas: “Ao contrário do REP-C, o ­REP-P é totalmente virtual e por isso não possui uma série de proteções por ­hardwares, como a memória de registro de ponto. É a MRP que permite identificar fraudes, já que tudo o que fica registrado não pode ser alterado, é inexpugnável”. Segundo Marinho, o novo software “possui dezenas de milhões de linhas de programação” que podem conter algum ajuste que permita fraudes. “Se pensarmos que podem existir dezenas, centenas de softwares como esse, os riscos são enormes, pois é humanamente impossível auditá-los. Os fiscais do trabalho não têm como verificar a lisura de todos os softwares, pois é muita coisa.”

Em nota, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho repudia o novo sistema: “Não se pode concordar com esse retrocesso, alterando-se a certificação do ponto eletrônico para uma mera declaração produzida por uma das partes, no caso os empregadores. A partir dessa alteração, se for efetivada, deixará de existir qualquer mecanismo de controle de horário bilateral. As empresas simplesmente alegarão que não houve a prestação de horas extras porque não constam de seus sistemas próprios e inacessíveis”.

Em parecer técnico, a Politécnica da UFRJ afirma que “o REP-C, quando comparado ao REP-P, reúne condições muito superiores para melhor salvaguardar os direitos dos trabalhadores”. Em documento assinado pelo engenheiro Carlos Ribas D’Ávila, a universidade atesta que o novo sistema não permite que quaisquer mudanças na configuração do equipamento, como a alteração na hora do relógio, fiquem registradas, com segurança e inviolabilidade, em sua memória: “Portanto, não é possível garantir a possibilidade de se auditar e identificar a prática de fraudes”.

Fonte: Carta Capital

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