Valor Online
SÃO PAULO – O 22º Congresso da Internacional Socialista começa hoje em São Paulo sob críticas de socialistas e comunistas. Eles sustentam que a IS é ” uma farsa ” , ” não tem programa ” e está mais próxima hoje do que os teóricos chamam de ” social-liberalismo ” . Proclamam-se socialistas pelo ” apelo e peso histórico ” . Cientistas políticos destacam ainda que, por conta da política econômica ortodoxa adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT se encaixa perfeitamente dentro do novo conceito de social-democracia.
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” O PT não se encaixaria na social-democracia de 20 ou 30 anos atrás. Mas como o sentido da palavra foi mudando, então o partido não se perderia nessa entidade, apesar de o presidente sempre afirmar que não é socialista, mas torneiro mecânico ” , diz Armando Boito, professor da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx).
Para Boito, o PT está ampliando o modelo econômico neoliberal do PSDB, com a manutenção da abertura econômica, da política de privatização e radicalização do ajuste fiscal. ” Cadê a política salarial? Isso não é socialismo, mas capitalismo extremado ” , argumenta.
O governo Lula, disse Boito, esboça ampliar os investimentos em políticas compensatórias, algo típico do social-liberalismo. Isso porque os programas sociais, como o Fome Zero, não configuram um direito do cidadão. São sobras de ajuste fiscal e dependem de contingenciamento. Posições semelhantes, de acordo com o cientista político, foram adotadas pelos chefes de Estado cujos partidos são membros da IS. ” Eles não se contrapõem à propriedade privada nem ao mercado ” , completa.
Boito avalia que a IS não pode ser considerada internacionalista, uma vez que ” os interesses nacionais se sobrepõem aos dos trabalhadores ” . Ele disse ainda lamentar que a entidade não tenha posições claras sobre, por exemplo, globalização e Oriente Médio.
O secretário-geral da IS, Luis Ayala, afirmou que a entidade é democrática e não interfere nos assuntos internos de nenhum país. ” Somos uma família de partidos que tomam suas decisões. São questões de política interna ” .
Para o cientista político João Quartim de Moraes, a IS é uma ” entidade frouxa ” porque ” não tem critérios programáticos ” . ” Como é que uma entidade cujo principal astro é o Tony Blair (primeiro-ministro da Inglaterra) pode ser considerada social-democrata? ” , questiona.
Ayala declarou que a IS é uma entidade que congrega 150 partidos de esquerda de todo o mundo. Na terça-feira, será eleita a nova direção da entidade, mas não é possível afirmar se haverá uma mudança na linha de ação do grupo.
Para Quartim, o PT não se perderia na IS, pois Lula faz o que François Mitterrand (ex-presidente da França) fez em 1983. ” Diante das dificuldades, Mitterrand adotou uma política neoliberal ” , lembra.
A negativa do presidente do PT, José Genoino, ao convite da IS para deixar a condição de observador e ser membro efetivo é explicada pelo cientista política Michel Zaidan, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). ” O PT não quer aderir à Internacional para não ser acusado de ser um partido social-centrista ” . Zaidan admite que outra dificuldade do PT para aderir à IS é a diversidade de pensamento das tendências do partido. ” Muitas são contra o ingresso à entidade ” .
O deputado federal Jamil Murad (PCdoB-SP) disse esperar que, neste congresso, seja cobrada mais coerência de alguns expoente da social-democracia, como Blair. ” Ele já teve muita tribuna para sua posição pró-guerra ” , condena.
O presidente Lula, que aniversaria hoje, fará o discurso de abertura do congresso. Além dos ministros petistas, devem participar chefes de Estado de todo o mundo e ex-primeiros-ministros como Lionel Jospin (França) e Mário Soares (Portugal), e o ex-presidente da Rússia, Mikhail Gorbatchov.
De acordo com Genoino, o PT não pretende deixar a condição de observador da IS, pelo menos, até a sucessão municipal. ” Não temos pressa. Este assunto já foi discutido internamente e voltaremos a debatê-lo em 2004. A prioridade é concentrar esforços para as reformas que estão no Congresso e as eleições ” , justificou. Genoino disse ainda que o PT não tem intenção, agora, de se tornar membro da IS porque ” o partido tem um caminho próprio de esquerda ” .
No último congresso, em 1999, na França, a organização vetou a entrada do PSDB. A tentativa de filiar os tucanos foi articulada por Blair, um dos 25 vice-presidentes da IS. Mas na época, o presidente do PDT, Leonel Brizola, também na condição de vice-presidente, participou de uma articulação que levou ao veto. O argumento para a justificar a decisão foi o de que o partido do então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) tinha como aliados no governo, legendas conservadoras e de direita.
Segundo uma fonte próxima a FHC, a entrada do PSDB na IS não era um objetivo apenas de Blair, mas um desejo antigo de partidos socialistas e trabalhistas da Europa. Mas o projeto naufragou também por causa de um racha na IS.
Desde 1995 duas correntes buscam a liderança ideológica da organização. Uma mais próxima do neoliberalismo, tendo Blair como um de seus ícones, e outra defensora dos compromissos históricos com o socialismo, que tem como representante Antônio Guterres, ex-primeiro ministro de Portugal e atual presidente da IS.