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A importância dos movimentos rurais

É lamentável que certo pensamento acadêmico, quiçá exageradamente marcado pelo viés urbano e sulista, insiste em negar a necessidade da reforma agrária neste país. E vai mais longe: insiste em negar a necessidade de fazer avançar a democracia no Brasil pela via dos movimentos sociais. O fato de termos sido um dos últimos a abolir o estatuto da escravidão, da violência ainda grassar no campo, de termos os traços fortes de uma sociedade patriarcal e autoritária, nada disso comove estas pessoas. Em geral, voltados para os números, para o papel do setor agropecuário nas contas nacionais, preferem desconhecer os problemas mais graves e profundos da formação social brasileira.

O raciocínio é lógico: se não temos problemas sociais graves não há porque termos movimentos sociais fortes. Se não existe problema da expulsão do homem do campo, da moradia na cidade, de desalojados pelas barragens, não há porque ter Sem-Terra, nem Sem-Teto, muito menos barrageiros. Mas, visível e
lamentavelmente, não é esse o quadro do país neste começo de século XXI.

Ao contrário, o país está marcando passo em não reconhecer os contingentes alijados da produção agrária. Isso, em princípio, não tem nada a ver com o chamado agronegócio. Tem a ver com o potencial das terras que permanecem ociosas. E se é um problema social, nem por isso deixa de ser uma questão econômica relevante. Pois alijar milhões da produção é também gerar um prejuízo econômico. É certo que a questão agrícola é uma, e a agrária é outra. A produção agrícola em termos empresariais pode aumentar, mesmo sem reforma agrária, porque o investidor capitalista, no limite, pode arrendar a terra.

Mas a não-solução da questão agrária, ou seja, da questão social no campo, impede o país de usufruir dos benefícios sociais do desenvolvimento agrícola, porque sem a reforma agrária o sistema econômico gera mecanismos concentradores e expropriadores. Não é por acaso que milhões de produtores rurais, em meio a uma safra recorde, estão se queixando do tratamento dado ao setor. A reforma agrária tem o papel de democratizar o acesso à terra, ao crédito, à assistência técnica, ao mercado. É dotar o país de uma grande estrutura de produtores politizados e organizados.

E se é inadequada a antinomia entre o agronegócio e a reforma agrária, também não se deve alijar o pequeno camponês dos grandes mercados. Claro, que isso requer um grande percurso, mas é isso justamente que se chama reforma agrária. Um processo em que a terra é o começo, mas no qual o acesso ao mercado é também uma realidade para muitos. Pode-se argumentar que a concorrência, no final, comprometeria esse processo, e isso é verdade, mas o agricultor terá meios de se associar e de preparar o seu futuro. O importante é reconhecer que o trabalhador sem-terra terá a oportunidade de deixar de ser um permanente desempregado e passar à condição de produtor livre de mercadorias.

É neste contexto que o MST anuncia o “Abril Vermelho”. Ele é explicitamente voltado a lembrar o massacre de Eldorado dos Carajás. Só nisso, a decisão é meritória: vivemos em um país que apagou seus registros sobre a escravidão, que hoje coqueteia com a idéia de apagar os registros da ditadura militar. Penso que uma nação verdadeira não apenas não tem medo de seu passado, como o cultiva da melhor maneira possível.

Em todo caso, não é transformando questões políticas reais em polêmicas acadêmicas que contribuiremos com o debate sobre a questão do campo. O MST é um movimento vivo, e traz a herança da CPT, mas de Trombas e Formoso, da Liga de Sapé e do índio guarani Sepé. E se um dia quiser se transformar em partido político terá todo o direito de fazê-lo. Mas não se pode negar o fato que os movimentos sociais eclodem aqui, porque aqui está não apenas a lembrança mais recente da senzala, mas porque o país do agronegócio em expansão continua funcionando com o trabalho escravo, por exemplo, nas carvoarias e fazendas do sul do Maranhão e do Pará, e em muitos outros rincões.

Portanto, se estamos satisfeitos com uma democracia que convive bem com a sujeição e o trabalho infantil nas carvoarias, se o nosso conceito de democracia não se incomoda com os assassinatos no campo, então de fato a reforma agrária é desnecessária. Mas se queremos uma democracia minimamente substantiva, a questão será: podemos chegar a ela com a atual estrutura agrária? E se precisamos de uma reforma agrária, poderemos chegar a ela sem movimentos fortes?

Por Edgard Malagodi, que é Doutor em Sociologia e Professor Titular da Universidade Federal de Campina Grande – PB. É autor de Propriedade Fundiária e Campesinato. Um estudo de Smith, Ricardo e Marx

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.adital.org.br.

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