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A atualidade da Consolidação das Leis do Trabalho

As constantes tentativas de desfigurar a legislação trabalhista brasileira têm razões históricas. Travamos, atualmente, uma luta dura contra a “Emenda 3”, que se insere nessa perspectiva. Não é de hoje que os liberais atacam a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – uma batalha que tende a se acirrar no futuro próximo.

De uma perspectiva histórica, é possível perceber uma evolução que trouxe a relação entre capital e trabalho, engrenagem básica da sociedade capitalista, para um patamar menos truculento. Na Inglaterra do início do século XIX, que emergia como a grande potência econômica do planeta, os trabalhadores — incluindo crianças — eram acorrentados às máquinas e trabalhavam 14, 16 horas por dia. Embora de maneira não-linear e com muitos refluxos, chegamos ao século XXI com muitos avanços.

Devemos muito de tudo isso às idéias marxistas. A pressão da experiência socialista, enquanto durou, emprestou ao sistema capitalista uma lógica menos selvagem. O liberalismo e sua postura de representar apenas os interesses de uma classe emergente — a burguesia — foi substituído por projetos que pretendiam representar toda a sociedade. O impasse era simples: ou o capital balanceava melhor sua relação com o trabalho, ou este, embalado pelos ventos que sopravam de Moscou, implodiria o sistema.

Agente da reconstrução econômica

As elites entregaram parte dos anéis, mantiveram os dedos e, em conseqüência, é possível dizer neste início de século XXI que a relação entre capital e trabalho conserva ainda boa parte da proteção social construída ao longo da história. O aspecto mais importante a ressaltar aqui, no que diz respeito aos países de regime capitalista, é o caráter antiliberal das políticas keynesianas e social-democratas.

Um novo papel foi conferido ao Estado, agora concebido como agente principal da reconstrução econômica, indutor do desenvolvimento e figura central para a distribuição da riqueza produzida. Com isso, a intervenção estatal direta e indireta foi legitimada e os valores igualitários, tais como justiça social e solidariedade, passaram a compor a agenda pública. A social-democracia, tornada reformista e keynesiana, salvou o capitalismo.

Enfraquecimento do poder dos sindicatos

Aos liberais restou o caminho da oposição. Mas a pequena audiência que encontraram, por décadas a fio, não os esmoreceu. A situação do liberalismo permaneceu relativamente inalterada até meados dos anos 70, quando uma série de fatores progressivos e combinados começou a solapar o que até então permitira o êxito das idéias antiliberais. Estes fatores são, basicamente, os dois choques do petróleo, o aumento da inflação pela quebra do ciclo crescimento/distribuição de renda e a reestruturação produtiva promovida pela 3ª revolução industrial.

Esta, ao diminuir a quantidade necessária de trabalho social à produção, enfraqueceu brutalmente o poder dos sindicatos — até então partícipes da estrutura social-democrata. O ressurgimento da força dos liberais também contou com a débâcle das principais experiências socialistas. A ascensão de líderes como Margareth Thatcher (1979) na Inglaterra e Ronald Reagan (1980) nos Estados Unidos representou a chegada ao poder de antigos liberais oposicionistas. Isso fez com que houvesse o predomínio de uma “nova direita”, com enorme capacidade de expandir ideologicamente sua visão de mundo.

Principal bandeira a ser fincada

Esse “pensamento único” das décadas de 80 e 90 consolidou uma nova hegemonia do liberalismo. Isso explica os ataques à legislação sindical e trabalhista. No Brasil, se a história ainda serve como guia, portanto, a defesa da essência da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e dos seus aprimoramentos — destacadamente a Constituição de 1988 — é a principal bandeira que precisa ser fincada no campo de batalhas das “reformas” sindical e trabalhista. A que questão precisa ser vista por uma perspectiva histórica.

Quando o governo do presidente Getúlio Vargas instituiu a CLT, no dia 1º de maio de 1943, corriam os tempos de crise do liberalismo, com o New Deal do presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt fazendo o Estado puxar a recuperação da economia, a revolução socialista na União Soviética avançando e o keynesianismo despontando como a teoria que prometia salvar o capitalismo. A economia brasileira, livre das amarras do velho liberalismo oligárquico, crescia e se desenvolvia.

Os traços positivos e negativos da CLT

Havia, evidentemente, entraves à livre organização dos trabalhadores e às conquistas de direitos sociais. Discursando na Assembléia Constituinte de 1946, o deputado comunista João Amazonas disse que o Brasil era um país bastante atrasado nesse sentido. “E não somente em relação aos países economicamente mais desenvolvidos, mas comparado com algumas colônias ou domínios, em que pese a propaganda oficial, que fez da legislação trabalhista brasileira a melhor e mais perfeita do mundo”, disse ele.

Os traços positivos e negativos da CLT são reflexos das conquistas e das derrotas dos trabalhadores ao longo deste embate histórico. E esse debate talvez seja uma das discussões que mais mobilizarão as energias do país nos próximos meses. Há, desde já, uma clara contradição entre o que o candidato Lula disse e os rumos que o assunto vai tomando. O governo Lula prometeu incorporar “milhões” de trabalhadores ao mercado regulado de trabalho. Em resumo: modernizar a lei para combater a informalidade e o subemprego. O que os trabalhadores esperam, evidentemente, é a revogação daquela lógica da “era FHC”, segundo a qual era preciso enfraquecer o trabalho para atrair o capital.

Entrave para as aspirações nacionais

Um dos pré-requisitos do modelo liberal é garantir força de trabalho barata — incluindo nesse conceito, além do achatamento salarial, o enfraquecimento dos sindicatos e a “flexibilização” das leis trabalhistas. E a força dessas propostas decorre do fim da influência do campo socialista em todo o mundo e da crise do Estado de Bem-Estar Social. Há poucos elementos que balanceiam as relações entre capital e trabalho. O governo Lula herdou os efeitos condensados de toda essa trajetória nacional e internacional.

Em meio a essas incertezas, o sentimento de urgência que, finalmente, começa a tomar conta dos trabalhadores para a necessidade de o país ampliar direitos e valorizar o trabalho, retomar o crescimento e distribuir renda constitui um fato auspicioso. Mas um Estado algemado pela ideologia liberal é, sem dúvida, um entrave para as aspirações nacionais. Esse é, enfim, o jogo que decidirá, brevemente, para onde vão as conquistas históricas e as esperanças dos trabalhadores brasileiros. O resultado dependerá, fundamentalmente, da tática que será usada pelo movimento sindical combativo.

Por Pascoal Carneiro, diretor executivo da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.cut.org.br.

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