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Por 19:20 Sem categoria

Economistas de esquerda da América Latina apontam que o Brasil pode ser o principal entrave para a construção do Banco do Sul

O Brasil como problema

Nos últimos dias, dois prestigiados economistas de esquerda, coincidentemente, apontaram o governo de Luiz Inácio Lula da Silva como responsável por travar a marcha rumo à construção do Banco do Sul.

Com isso, afirmaram que por detrás das declarações favoráveis à integração regional, jogam papéis relevantes os interesses vinculados às transnacionais – que tentam bloquear as melhores intenções encabeçadas por Venezuela e Equador, e apoiadas por boa parte dos países sul-americanos.

O peruano Oscar Ugarteche, em artigo entitulado “Brasil versus Banco do Sul”, foi muito explícito em afirmar que o que falta é somente vontade política, já que os problemas técnicos estão resolvidos e o banco já conta inclusive com um estatuto: “A maior resistência do governo brasileiro à arquitetura regional é querer que o Banco do Sul financie a Integração de Infraestrutura Regional Sulamericana (IIRSA). O governo Lula colocou no centro de sua política regional este conjunto de obras que buscam fomentar o comércio Pacífico-Atlántico, para por os recursos naturais de modo mais barato e rápido nos mercados do chamado primeiro mundo.

Na realidade, o Brasil não necessita de um banco regional que tenha um papel de desenvolvimento, uma vez que já possui seu próprio banco, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que conta com mais recursos para investir na região do que o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Por isso, como assinala Ugarteche, o governo brasileiro está procurando frear o lançamento do banco que aconteceria em julho na Venezuela. A conclusão, segundo o economista, é que “opor-se à arquitetura financeira latino-americana é fazer um serviço ao status quo, ao Tesouro estadunidense e às instituições financeiras de Washington, delibitadas e desprestigiadas”.

“Potência global”

O belga Eric Toussaint, presidente do Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, assegurou em entrevista que o “Brasil não apóia a iniciativa do Banco do Sul porque não precisa dele para seus projetos de potência econômica”. Entretanto, o governo Lula participa formalmente da iniciativa “já que se este banco se concretizar, o Brasil não poderá ficar ausente porque poderia perder uma parte do peso dominante que tem”. Enquanto os governos de Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales querem acelerar o andamento do Banco do Sul, o “Brasil trata de reduzir a velocidade”, conclui Toussaint.

O tema não é menor e não depende da vontade pessoal, senão de estratégias de larga duração. O Brasil quer ser a potência global da América do Sul, e, para isso, necessita conquistar a hegemonia regional. A IIRSA é uma das ferramentas, já que o principal beneficiado na região será a burguesia paulista, por uma via dupla: se assegura a rápida circulação de mercadorias até o Norte e o grosso das empresas construtoras dessas gigantescas obras de infraestrutura serão brasileiras. Mas a IIRSA não é uma criação de Lula, senão do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso. Lula se limita a continuá-la e a aprofundá-la.

É necessário, então, compreender a estratégia do Brasil. Em um recente livro, Samuel Pinheiro Guimarães (Desafios brasileiros na era dos gigantes, Contraponto, 2006), o número dois da diplomacia do Itamaraty explica os objetivos de longo prazo de seu país: “O ascenso brasileiro à condição de grande potência não deve ser considerado uma utopia, senão um objetivo nacional necessário. Sua não-realização corresponderia ao fracasso em enfrentar os desafios que tem adiante e, por isso, aceleraria o ingresso em um período de grande instabilidade (e eventuais conflitos internos)”.

Um dos principais “desafios” se relaciona com a distribuição da riqueza, já que o Brasil é considerado o “campeão mundial da desigualdade”. Agrega que a América do Sul “é a região-chave para a estratégia mundial do Brasil”.

Burguesia brasileira

A clareza do diplomata permite compreender o tipo de integração que busca o Brasil. A burguesia brasileira opera da mesma forma como fazia a Europa com o Brasil. A burguesia brasileira opera da mesma forma como faziam os europeus na aurora do imperialismo: para não se ver forçada a uma distribuição da riqueza necessitou expandir-se até às regiões mais pobres em que podia obter lucros. Não é isso o que estão fazendo as elites brasileiras, cujas empresas dominam proporções importantes das forças produtivas e dos recursos naturais da Bolívia, Uruguai, Paraguai, Equador e Argentina?

É certo, como aponta Ugarteche, que a oportunidade é agora já que o governo de George W. Bush está debilitado, e não pode se opor a uma integração latino-americana, autônoma da área do dólar. Não será a primeira vez que uma nação deste continente fará o jogo do império. Mas seria a primeira ocasião em que um governo que se proclama de “esquerda” contribuiria para reforçar os laços de dependência.

Por isso, o debate aberto se faz prioritário. Os governantes da região, por razões diplomáticas elementares, não podem apontar com o dedo aos governantes de outros países. Mas nós não podemos nem devemos dissimular a existência de dois caminhos opostos e contraditórios.

Certamente a situação no Brasil é muito difícil, sobretudo para os movimentos sociais que são a única esquerda realmente existente. A opção pelo etanol feita por Lula ao receber, em março, George W. Bush equivale a dar aos EUA sinal verde para que as transnacionais avancem sobre a Amazônia e em áreas de agricultura familiar. Por isso, chama a atenção que intelectuais europeus como Toni Negri, em visita a diversos países da região, mantenha a tese de que os governos progressistas apontam na mesma direção já que fortalecem o multilateralismo. Isso é fato, mas pressupõe uma visão eurocêntrica. Neste momento, neste continente, o verdadeiro multilateralismo passa por impulsionar uma integração capaz de desafiar a hegemonia estadunidense, não de reforçá-la.

Por Raúl Zibechi, que é jornalista, editor de Política Internacional do Semanário Brecha, do Uruguai.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.brasildefato.com.br.

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