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Por 23:09 Sem categoria

A questão dos pobres saiu do campo do clientelismo, diz Patrus Ananias

O Brasil conta hoje com rede de proteção social que beneficia cerca de 60 milhões de brasileiros, da qual faz parte o “Bolsa Família”, com 11 milhões de famílias inscritas. O ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, ressalta que a questão social entrou definitivamente na pauta do País e critica os debates sobre o programa centrados apenas na discussão sobre a chamada “porta de saída”. A seguir, os principais trechos da entrevista do ministro concedida ao Em Questão.

Em Questão – Ministro, quantas famílias estão cadastradas no programa Bolsa Família atualmente?

Patrus Ananias – O Bolsa Família atende hoje aproximadamente 11 milhões de famílias, com presença em todos os municípios do Brasil. No entanto, é importante registrar que o Bolsa Família não é iniciativa única, isolada. O programa insere-se num conjunto de outras políticas públicas voltadas para a proteção e promoção das pessoas, famílias e comunidades pobres. Esse conjunto forma uma rede e beneficia mais de 60 milhões de pessoas.

EQ – E quais são os demais programas dessa rede de proteção à qual o senhor se refere?

PA – O Bolsa Família está integrado ao Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e ao Paif (Programa de Atenção Integral à Família), através dos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social), também chamados de “Casas da Família”. Estamos articulando o Bolsa Família com o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), com o fortalecimento da atividade por meio da compra da produção das famílias agricultoras. E temos outros programas de grandes dimensões, como o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que paga um salário mínimo para pessoas com mais de 65 anos que estão nos critérios do benefício, que atende também para os pobres com deficiências e incapacitados para o trabalho. Atendemos hoje no BPC cerca de 2,5 milhões de brasileiros nessas condições.

EQ – Como funcionam os Centros de Referência?

PA – Esses CRAS estão-se tornando – além de lugares de acolhimento com a presença de psicólogos, assistentes sociais – também espaços de alfabetização, inclusão digital, qualificação e capacitação profissional dessas pessoas, das famílias, dos pais, das mães, dos jovens dos nossos programas, especialmente os do Bolsa Família. A meta é chegar a 2008 com mais de 3.200 dessas unidades. Na prática, os Centros de Referência estão-se integrando com programas de inclusão produtiva, da economia solidária, e tornando-se espaços de geração de emprego e renda, de apoio ao cooperativismo.

EQ – Historicamente, o governo federal tem recebido críticas de ser mau gerente, gestor incompetente. Como é gerenciar toda essa rede de proteção social, incluindo o Bolsa-Família, o maior programa de distribuição de renda do mundo?

PA – Evidentemente, o ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome está aquém de nossas necessidades atuais. Conversamos recentemente com o presidente Lula, que nos deu sinal verde para promover reestruturação no órgão. Estamos conversando com o ministério do Planejamento e faremos o mesmo, posteriormente, com o da Fazenda e a Casa Civil para podermos apresentar proposta a respeito. Isso é fundamental. Nosso ministério está presente em todos os municípios do Brasil e contamos em nosso quadro com 1,3 mil funcionários, dos quais 600 terceirizados. Além disso, estamos dispersos em cinco espaços diferentes aqui em Brasília, o que dificulta nossas ações, nossa comunicação. A intenção é, com a nova proposta de reestruturação, criar plano de cargos e salários e, no médio prazo, o cargo de gestor de políticas sociais. Mas é fundamental registrar que estamos conseguindo implantar no Brasil políticas públicas de caráter estritamente republicano. A questão social, dos pobres, definitivamente está saindo do campo do clientelismo, do assistencialismo para o dos direitos, das políticas públicas efetivamente.

EQ – O senhor poderia explicar melhor isso?

PA – Trata-se de consolidar políticas públicas juridicamente normatizadas, com critérios claros, regras, transparência, prestação de contas, controle social, que atuem rigorosamente dentro do pacto federativo. Isso implica realizar ações integradas e buscar parcerias com todos os governos municipais e estaduais sem favorecimento político-partidário e assim colocar o interesse público, o bem comum – no nosso caso, o benefício aos mais pobres – acima de eventuais divergências, sejam políticas ou ideológicas. Até porque, primeiro, é princípio constitucional; segundo, pela própria questão ética. Não queremos ministério inchado, mas adequado às nossas necessidades, que são as do País. Estamo-nos esforçando ao máximo para consolidar essas políticas como conquista do Estado brasileiro, do povo brasileiro.

EQ – Estudos divulgados pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais –, apontam que o Bolsa Família não teria tido efeito positivo na melhoria das condições nutricionais e de vacinação das crianças de famílias beneficiadas pelo programa.

PA – Trata-se de pesquisa parcial, para confrontar com outros levantamentos que estamos fazendo. Foram estudos encomendados pelo próprio Ministério, na linha de priorizar a avaliação dos nossos programas. Tanto que criamos a Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, que busca verificar o impacto de nossos programas e o seu monitoramento. Temos trabalhado também com o IPEA, com o IBGE, universidades, institutos reconhecidos do País. Antes não tínhamos nada disso. É importante dizer que contamos com reconhecimento internacional muito significativo, como o do Banco Mundial e o do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Estamos construindo um caminho, consolidando no Brasil rede de políticas públicas de proteção e promoção dos pobres. Isso não havia antes. A questão social no Brasil era tratada de forma marginal e de maneira muito localizada.
EQ – Recentemente, o Governo anunciou que a partir do próximo ano vai estender o Bolsa Família também para jovens entre 16 e 17 anos. O senhor pode comentar o que isso significa e quais os impactos da iniciativa?

PA – O público de 16 e 17 anos também passa a ser levado em conta na definição dos recursos transferidos por meio do Bolsa Família. Atualmente, os critérios para recebimento do benefício, além da renda familiar, são relativos à quantidade de filhos com até 15 anos. O valor da bolsa por adolescente (no limite de dois por família) será de R$ 30,00. Com essas alterações, o maior valor transferido pelo Bolsa Família – que hoje é de R$112,00 – poderá chegar a R$172,00, caso a família seja extremamente pobre, tenha três filhos com até 15 anos e mais dois entre 16 e 17 anos. Os novos beneficiários terão de cumprir a contrapartida educacional e terão agenda específica na área da saúde. Esta iniciativa integra o ProJovem Adolescente – que faz parte do Programa Nacional de Inclusão de Jovens –, destinado ao público de 15 a 17 anos. Este programa também compreende as outras três modalidades do Projovem: Urbano, Campo e Trabalhador, para quem tem mais de 18 anos. O objetivo é unificar as ações, fortalecer a relação familiar, combater a pobreza, estimular a permanência na escola e oferecer oportunidades profissionais. Outra finalidade é contribuir para a diminuição dos índices de violência entre os jovens, do uso de drogas, da incidência de doenças sexualmente transmissíveis e de gravidez não planejada. Essas atividades estarão integradas aos Centros de Referência da Assistência Social, os quais proporcionarão qualificação profissional, inclusive com recursos do ministério do Trabalho. A meta para 2008 é atender 1,7 milhão de adolescentes.
EQ – Qual é a vantagem de se ter programa único, com diversas frentes de ação, ao invés de ter programas fragmentados? O que se ganha?

PA – Só ganhamos com isso. Temos cadastro único, o que é grande conquista do governo federal. Antes, os programas eram fragmentados, com cadastros próprios. O cadastro único possibilita controle maior, inclusive com a utilização de tecnologias mais modernas. Ele vai além do Bolsa Família, pois inclui 16 milhões de famílias, cujo padrão de renda é pouco superior aos parâmetros do Bolsa Família, o qual estipula o rendimento em até R$120,00 por pessoa. Por isso, como disse, o cadastro único vai além, já que abriga também famílias com rendimento per capita correspondente a meio salário mínimo. O fato relevante é termos hoje o mapeamento da pobreza em nosso país. Isso possibilita o aperfeiçoamento constante do sistema de coleta das informações e a conseqüente otimização dos programas.

EQ – Quais os outros benefícios de se planejar com dados do cadastro único?

PA – Inúmeros. Por exemplo, fizemos agora pesquisa muito importante que mostrou estar o Bolsa Família realmente bem focalizado, pois atende famílias de baixa renda que não dispõem de saneamento básico, com baixo consumo de água e energia elétrica. Outro ganho fundamental é poder-se estabelecer também políticas comuns de avaliação de impacto. Com isso, criam-se sinergias, maximizam-se os recursos públicos. Cria-se essa consciência de que as políticas sociais são complementares.

EQ – O senhor pode exemplificar melhor como se dá essa complementaridade?

PA – Alguns, por exemplo, insistem em contrapor o Bolsa Família e a educação, o que é grave equívoco. As políticas sociais são complementares. Nenhuma política social por si só produz inclusão e justiça social. Todos sabemos que educação é fundamental, como direito constitutivo da pessoa. Mas uma criança não aprende na escola se não tiver saúde. Uma criança não tem saúde se não tiver assegurado junto a sua família o direito à alimentação, e com regularidade, qualidade, quantidade. Uma criança não terá saúde se não tiver água potável, se não tiver saneamento básico ou moradia. Existe a preocupação constante em se integrarem todas essas políticas sociais.

EQ – Uma das principais críticas ao Bolsa Família é a questão da “porta de saída”. Como o senhor encara essa crítica?

PA – Obviamente, gostaríamos de estar em sociedade com pleno emprego assegurado para todos. É através do trabalho que nos disciplinamos, elevamos nossa auto-estima, inserimo-nos e damos contribuição à comunidade. Nossa meta é garantir o direito ao trabalho, mas precisamos considerar que temos desemprego estrutural no mundo, inclusive nos países totalmente desenvolvidos. No Brasil, não é diferente. Estamos atuando com firmeza para integrar nossas ações com os programas de trabalho e renda firmando parcerias com universidades que preparam as famílias para o mercado através de incubadoras, investindo no cooperativismo, nos arranjos produtivos locais para as famílias poderem-se tornar empreendedoras também. No entanto, estamos declarando guerra à expressão “porta de saída”, pois ela é reflexo do que há de mais retrógrado no Brasil, uma vez que os que a utilizam referem-se aos pobres com se fossem incômodo. O que queremos, na verdade, é aumentar as portas de entrada dos mais pobres para a assistência social, educação, alimentação e principalmente trabalho.

EQ – É possível quantificar quantos pobres se encontram nos parâmetros do Bolsa Família mas ainda estão fora do programa?

PA – O objetivo dos programas sociais do governo federal é atender, promover e incluir todos os pobres do Brasil. Essa á a nossa meta. É claro que não a atingimos totalmente ainda, tanto que uma das prioridades do nosso governo é estender o registro civil a todos. Na linha dessa dívida social histórica que o Brasil tem com o seu povo, especialmente com os pobres, há número expressivo de pessoas que não existem sob o ponto de vista civil porque não têm sequer certidão de nascimento, o registro civil básico. Queremos identificar essas pessoas. Também temos comunidades indígenas e quilombolas que ainda não foram alcançadas, até porque muitas delas fogem, pela herança do passado, do convívio com a civilização. Estamos buscando, inclusive, firmar convênio com o ministério da Defesa para as Forças Armadas nos ajudarem a identificar famílias e comunidades em locais mais distantes, como as populações ribeirinhas da Amazônia. Nosso objetivo é atingir todos. Certamente, hoje, temos presença junto à grande maioria – mais de 90 % – das famílias e comunidades pobres do Brasil.

EQ – Qual o impacto dos programas na vida econômica dos municípios?

PA – Temos pesquisas que mostram claramente o impacto dos nossos programas sociais, especialmente do Bolsa Família, por sua amplitude, nas economias locais (municípios) e regionais. O Bolsa Família é forte instrumento de promoção do desenvolvimento sustentável, porque milhões de pessoas que viviam na mais absoluta miséria, que consumiam muito pouco, agora estão consumindo. Além de formar cidadãos, estamos formando consumidores. As pessoas estão comprando comida, roupa, medicamentos, material escolar, melhorando suas casas e as condições de vida. E aí entram outras iniciativas fortes do Governo – a desoneração da cesta básica, de materiais de construção civil. Essa integração de políticas está aquecendo as economias locais e regionais, gerando empregos e promovendo o que chamamos de “círculo virtuoso do crescimento econômico sustentável”, do ponto de vista social e ambiental.

EQ – E quanto ao estudo recente do IPEA, que comenta o avanço do Bolsa Família e compara com programas mexicanos e chilenos?

PA – É pesquisa que mostra estarmos rigorosamente no rumo certo. Uma das primeiras críticas ao Bolsa-Família era a de ser programa sem fiscalização, sem controle. Nós enfrentamos esse desafio. Consolidamos o cadastro único, buscamos ações integradas com as prefeituras em linha suprapartidária, fizemos convênios com todos os ministérios públicos, de tal maneira que todos os promotores de justiça, em todas as comarcas do Brasil, são nossos parceiros. O estudo do Ipea aponta com propriedade a total justeza de nossa ação, com seus impactos altamente positivos junto ao povo, principalmente o mais carente. O Banco Mundial reconhece o programa como o mais bem focalizado. O público do Bolsa Família é pobre, muito pobre. São pessoas que moram em vilas com poucos benefícios relacionados à infra-estrutura urbana, como o saneamento básico, pavimentação, água, luz. A pesquisa é muito alentadora nesse sentido, tanto que os críticos do programa, que antes questionavam a focalização, agora buscam outros argumentos. Alguns, inclusive, estão tentando contrapor o Bolsa Família à classe média, como se os recursos do programa a estivessem estrangulando. Mas deixar essas pessoas que estão na pobreza sem cuidado terá preço muito maior amanhã. Hoje, pagamos no Brasil alto preço por não termos tido no passado políticas sociais como as que estamos consolidando agora. Tenho a mais absoluta convicção de que se tivéssemos feito há 20 anos o que fazemos atualmente teríamos não só indicadores sociais melhores mas também muito menos violência.

EQ – A rede de proteção social, com seu cadastro, acaba por dar visibilidade para as camadas pobres do País, que deixam de ser estatísticas e passam a ter rosto, endereço.

PA – Exatamente! Essas pessoas estão comendo. Estamos caminhando para garantir a todos os nossos compatriotas o direito humano sagrado e fundamental de alimentação, que não pode depender da boa vontade de terceiros. Alimentação pressupõe regularidade, quantidade e qualidade que garanta a saúde das pessoas. Trabalhamos com as condicionalidades emancipatórias – saúde, educação – preservando e resgatando vínculos e valores familiares. Além de toda essa dimensão concreta e objetiva do direito à proteção e promoção social, existe outro ganho notável: o Brasil está discutindo a questão social, a questão dos pobres. Isso voltou a ser tema de debate.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO http://www.brasil.gov.br/noticias/em_questao/.questao/ent043/

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