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Por 19:33 Sem categoria

Argentina: a hora das mulheres

Só a Igreja Católica tem medo de mulheres tirando o poder de velhos celibatários. Depois do mito Evita e da caricatura Isabelita, agora temos Cristina, eleita pelo voto. Que tal uma mulher presidente do Brasil em 2010?

Evita foi um mito. Isabelita uma caricatura. Agora temos Cristina, eleita pelo voto. No Chile está Bachelet, torturada pela ditadura, mãe de general expulso, ela mesma ministra da Defesa de Lagos. Fox, no México, tentou emplacar sua mulher e não conseguiu, também Duhalde na Argentina. Temos agora Hillary Clinton na disputa e presidentas e primeiro-ministras pelo mundo afora (uma, deposta, em prisão domiciliar). Só a Igreja Católica tem medo de mulheres tirando o poder de velhos celibatários.

Primeiro ponto: a emergência feminina. E fico pensando no Brasil. Por que não termos, em 2010, Dilma Roussef, enérgica e competente, para um belo diálogo com Cristina? Disse isso no Jornal das Dez da Globonews, dia 16 de outubro, e senti um mal-estar no ambiente. Na repetição do programa na madrugada, esta parte desapareceu. Coincidência nos cortes de abreviação?

Segundo ponto: a emergência do povo na América Latina. Nosso torneiro mecânico começou o processo, para arrepios de uma pseudo-elite atrasada. Temos o índio cocalero Evo Morales na Bolívia e Rafael Corrêa, no Equador, ligado ao movimento indígena, cristão admirador da teologia da libertação. Mesmo Chávez, com toda sua ambigüidade populista-autoritária, tem o povão ao seu lado. E há comentaristas “objetivos” que não entendem porque Lula estaria “blindado”. O povo pobre sabe muito bem. Os Kirchner vêm de uma província pobre e recolheram votos de um peronismo em frangalhos, mas que colocou desde muitos anos os “cabecitas negras” em cena.

Terceiro ponto: as chances de uma aliança sul-americana. Nestor tinha ciúmes do protagonismo criativo brasileiro e da presença do operário Lula no cenário mundial, acompanhado por Celso Amorim. Aliás, não precisou de títulos acadêmicos de seu antecessor, solene e impostado. Cristina não parece ter esse problema do marido. Sua primeira viagem será ao Brasil. Razão a mais para, depois de Lula, um encontro entre duas mulheres (ou três, com Bachelet, se seu mandato permitir até lá).

Quarto ponto: Cristina não tem programa definido, como tampouco a outra mulher candidata, Elisa Carrió, e a lista dos restantes, incluindo o direitista Lavagna. Mas isso vem de certa tradição do país. Perón, líder populista, era apoiado por um espectro ideológico incrivelmente contraditório. O importante é o que Cristina poderá fazer. Fala-se do crescimento argentino, mas atenção, vem lá de baixo, recuperando-se, um país “venido a menos” nos últimos anos. Nestor começou essa recuperação, oxalá Cristina continue.

Último ponto: A abstenção (voto “bronca”) foi alta. Um país tão politizado antes, atravessa uma crise de credibilidade na política. Aliás, isso é uma tendência em muitos países.

Pelo sangue espanhol e lembrando minha mãe que acaba de partir, sinto um enorme carinho pela América Latina, que me recebeu em tempos de chumbo, e pela Argentina, onde tenho tantos amigos, que acompanho desde 1954. Por isso torço por um bom mandato. As incompreensões entre Brasil e Argentina são absurdas, inclusive no futebol. Viva Pelé e Maradona, Robinho e Tevito (aliás, um pouco nosso). Longa vida ao Mercosul, ampliado, não em função dos interessas econômicos dos grandes, mas do protagonismo popular. E, quem sabe, Cristina e Dilma trabalhando juntas no futuro.

Por Luis Alberto Gómez de Sousa, que é sociólogo e ex-funcionário das Nações Unidas, é diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

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