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A política, de volta nas questões do desenvolvimento

O Banco Mundial divulgou recentemente um estudo elaborado pela Comissão para o Crescimento e Desenvolvimento, coordenado pelo prêmio Nobel Michael Spence e inspirado em outro Nobel, Robert Solow, que se constitui em mais uma pá de cal no Consenso de Washington, expressão pelo qual ficou conhecido o frustrado receituário neoliberal imposto pelos organismos multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, aos países em desenvolvimento nas décadas de 1980 e 90. No Brasil, como se sabe, a administração de tal receituário coube aos governos Collor e FHC.

O estudo concentra-se na análise da economia de 13 países que no período 1950-1980 cresceram à taxa de 7% ano — dentre eles o Brasil — e conduz a duas conclusões fundamentais: (1) não existem receitas prontas e universais para o crescimento e o desenvolvimento, como pretendem os fundamentalistas do mercado, e (2) o Estado desempenha um papel crucial nesse processo.

No Brasil, o impacto da publicação, divulgada por jornais de economia, restringiu-se aos meios acadêmicos e governamentais. Quanto aos falcões do colunismo militante, caudatários da ideologia moribunda, nenhuma menção. Não era de esperar atitude diferente, embora se deva reconhecer que a matéria é de grande interesse jornalístico, pois se está diante do caso clássico, a justificar o interesse da imprensa, em que é o dono que morde o cachorro e não o cachorro que morde o dono.

É verdade que as propostas contidas no documento — de grande relevância para o debate nos fóruns sobre o tema — são quase tão antigas como a pólvora. Mas a grande novidade, que o colunismo militante se recusou a enxergar, está em que elas partem de uma comissão constituída pelo Banco Mundial, instituição que no último meio século outra coisa não fez senão intentar destituir o Estado de seu papel de indutor do desenvolvimento e impor diretrizes liberalizantes aos países em desenvolvimento, com resultados desastrosos.

Não é caso de se discutir aqui toda a temática abordada no estudo. Registre-se apenas que, segundo os seus autores, é ingenuidade esperar que reformas simplistas do tipo “privatizar, desregulamentar e liberalizar” irão produzir necessariamente a expansão econômica com justiça social. Sem o Estado não há desenvolvimento — eis a síntese do trabalho. “Acreditamos que essa prescrição (as reformas) define o papel do governo de uma maneira muito limitada. Não é porque os governos sejam às vezes desajeitados ou equivocados que devemos retirá-los do script. Ao contrário, conforme a economia cresce e se desenvolve, governos ativos e pragmáticos têm um papel crucial desempenhar (…) Uma estratégia coerente de crescimento irá, portanto, estabelecer prioridades, decidindo onde aplicar as energias e recursos do governo. Tais escolhas são extremamente importantes”. Observe-se que, para não ferir susceptibilidades ideológicas internas à instituição, os autores recorrem a um eufemismo, utilizando a palavra “governo” no lugar de “Estado”. Um bom entendedor saberá reconhecer no contexto a diferença entre um e outro.

Outra constatação do estudo, frontalmente contrária ao receituário único — o principal pressuposto do fundamentalismo do mercado — é de que não faz sentido falar-se em crescimento ou desenvolvimento em abstrato, sem menção a circunstâncias de tempo e lugar. Os processos são singulares (locais) e exigem para o seu desdobramento positivo intervenções criativas e autóctones. Lembre-se, em contraste, a afirmação do então ministro da Economia do governo FHC, Pedro Malan: “Meu desejo é que um dia já não haja necessidade de se falar em Ministério da Economia”.

Isso conduz a uma terceira constatação (na verdade, um corolário implícito) — uma autêntica revolução copernicana, em se tratando do Banco Mundial: o desenvolvimento tem a ver em primeiro lugar e acima de tudo com a idéia de que a política é tão importante como a economia. Ou seja, o mercado, entregue a si mesmo, não gera redução da desigualdade, democracia nem justiça social. Ou, como dizia o Relatório do Desenvolvimento Humano, do PNUD, de 2002, “a redução da pobreza exige que os excluídos tenham poder político. E a melhor maneira de conseguir isso, de modo consistente com os objetivos do desenvolvimento, é pela criação de formas robustas de governança democrática, em todos os níveis da sociedade”.

Por Rui Falcão, 64 anos, advogado e jornalista, é deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores. Foi deputado federal, presidente do PT e secretário de governo na gestão Marta Suplicy.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.pt.org.br.

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