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Reduzir o gasto público, mas o gasto com juros

“Também sou favorável a reduzir o gasto público, mas o gasto com juros”, diz o presidente do Ipea

A desigualdade entre renda do trabalho e da propriedade no Brasil está pior hoje que em 1990, último ano da chamada ‘década perdida’. O presidente do Ipea, Marcio Pochmann, alertou que a alta dos juros no país e a crise mundial, provocada pelo vale-tudo dos mercados financeiros, podem piorar a situação. Justamente num período em que o país vinha se recuperando, e a renda do trabalho crescia desde 2004.

Segundo Pochmann, para reduzir os efeitos da crise no Brasil, é preciso tentar manter o nível de atividade. “Também sou favorável a reduzir o gasto público, mas o gasto com juros. Precisamos perguntar à população se ela está satisfeita com o serviço de saúde, se a educação atingiu um nível de qualidade que não precisa de mais recursos, construção de escolas… Todos defendem o corte dos gastos. Então pergunto onde cortar?”, disse Pochmann, durante apresentação do estudo “Distribuição Funcional da Renda no Brasil”, na sede do Ipea, em Brasília.

“Para manter [o crescimento econômico], é preciso decisões que defendam sustentação do nível de atividade. Se esse nível da economia cair, teremos repercussões no emprego, na renda e nos salários”, alertou o economista.

“Do ponto de vista da composição do gasto, o Estado gasta somas significativas com juros. São 7% do PIB que comprometemos anualmente. Juros é renda da propriedade, é uma contribuição para o
aumento da desigualdade da renda [nacional]”. (Ascom/Ipea)

Confira a íntegra da coletiva:

Brasília (12/11/2008) – Ascom/Ipea:

Entrevista coletiva com o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, sobre o Comunicado da Presidência nº 14, “Distribuição Funcional da Renda no Brasil: Situação Recente”.

Presidente do Ipea, Marcio Pochmann: Esse é um estudo preliminar, que diz respeito a essa linha de comunicação criada no Ipea – Comunicados da Presidência – são estudos que antecipam uma avaliação relativa a temas de investigação no instituto. Nesse 14º comunicado tratamos da distribuição da renda, numa ótica ampliada que é a distribuição pessoal da renda. Nosso objetivo é apresentar uma evolução na distribuição funcional da renda nos últimos 17 anos e analisar os fatores responsáveis pela modificação da discussão funcional da renda do ano 2000 a 2006.

Quanto da renda é de trabalho?

MP: Está em torno de 40% do PIB. A renda do país não é formada só de trabalho, tem outras formas que a gente chama de renda da propriedade (daqueles que têm uma propriedade e a usam para adquirir outra renda), por exemplo, quem tem uma fábrica, empresa ou estabelecimento comercial.

Aluguel também é considerado?

MP: Exatamente. É uma renda da propriedade, paga pelo empréstimo de uso de uma casa, apartamento, terreno. Quando falamos de renda da propriedade temos dois tipos de rendimento: o tangível, que deriva de uma fábrica, comércio, do aluguel de um apartamento de uma fazenda. E o não tangível. Aplicações financeiras, derivativos, bolsas de valores são rendas da propriedade não tangíveis (segundo tipo de rendimento), mas são rendas.

Pensão e aposentadoria são renda de trabalho?

MP: Sem dúvida, é uma contribuição derivada do trabalho.

Quais as principais razões do aumento de renda dos mais pobres?

MP: São várias, por exemplo, a expansão do emprego, elevação dos salários – seja pelo valor pago, pelo salário mínimo – também a complementação via Previdência Social, programas como o Bolsa Família. Tem a ver com a expansão econômica e a estabilidade monetária dos últimos anos.

Esta boa essa velocidade de queda da diferença dos mais ricos e
mais pobres é uma tendência?

MP: Todo país que tem um índice de Gini (medida de desigualdade) acima de 0,4 não tem uma distribuição civilizada da renda. Tínhamos em 1990, índice de 0,6 – um padrão muito primitivo. Em 2007 o Gini está em 0,53, melhorou bastante, mas ainda estamos longe de uma distribuição civilizada.

A desigualdade não diminuiu?

MP: A desigualdade diminuiu na renda do trabalho, mas não na renda do país. Quando fazemos uma análise por anos, percebemos que nos últimos 17 anos somente em sete anos houve melhora combinada na redução das desigualdades no índice de Gini – com a redução da desigualdade ou ampliação dos trabalhadores na renda nacional. Foi em dois períodos, um de 1996 até 2001, e no período recente de 2005 a 2007, esperamos também em 2008. Como não há dados mais completos, não avançamos. A distribuição de renda melhora no país quando se combinam dois elementos, aumento da participação de renda no trabalho, acompanhado de uma redução da desigualdade daqueles que as recebem.

O trabalhador que recebe aluguel, se aplicar no mercado acionário, sua renda aumenta, mesmo que não seja do trabalho.

É importante que essa renda cresça?

MP: Na verdade, o número dos proprietários no Brasil é insignificante. Os detentores de títulos públicos, privados, propriedade, imóvel, fazenda é residual.

E nos países desenvolvidos?

MP: Mesmo nos países caracterizados por uma distribuição mais civilizada da renda, a renda da propriedade representa em torno de 30% a 40% do PIB, sendo que 60% a 70% do PIB é renda do trabalho. Nos países desenvolvidos 60%, 70% da renda é do trabalho.

Esse é o número que devemos alcançar?

MP: É o que temos de mais avançado no mundo.

Desde 1990, a renda do trabalho não é a principal fonte de renda no país?

MP: Em 1990, era a maior participação. De lá pra cá perdeu posição.

Isso será mantido, por causa da crise, ou pode ser alterado? Pode ser que ultrapasse em 2011, mas em médio prazo?

MP: Não dissemos que deve chegar em 2011 [ao mesmo patamar da distribuição funcional de 1990]. Dissemos que, se mantiver do jeito que vem de 2004 a 2007, em 2011 chegaríamos a essa situação, mas temos uma crise pela frente.

Essa tendência pode ser interrompida?

MP: Pode sim. Para manter é preciso decisões que defendam sustentação do nível de atividade. Se cair, esse nível na economia, teremos repercussões no emprego, na renda e nos salários.

Controle da inflação deve ser renegado?

MP: Nós temos uma experiência que não queremos voltar. As medidas de sustentação da renda, neste momento, são mais importantes que a decisão de preços.

A discussão do momento é se devemos subir juros ou priorizar o crescimento. O Banco Central tem que ter cuidado com a inflação. Por outro lado, o ministro da Fazenda diz que não tem que gastar menos. Qual o caminho que o senhor acredita ser o correto?

MP: No ponto de vista da composição do gasto, o Estado gasta somas significativas com juros, são 7% do PIB, que comprometemos anualmente com juros. Juros é renda da propriedade, é uma contribuição para o aumento da desigualdade da renda.

Então, onde não tem que cortar?

MP: Investimento e todas as medidas que criam para o país, uma situação de bem-estar social.

O custo com reajuste de funcionalismo, estaria dentro desse contexto?

MP: Precisamos entender o que é o Estado? Qual seu papel? Nos anos 50, gerou-se um preconceito de que Estado era um conjunto de barnabés que só carimbam. Não que não tenhamos isso, mas é residual. Estamos falando de gasto público. Tirando juros e investimento, as outras contas são de serviço. Também sou favorável a reduzir o gasto público, mas o gasto com juros. Precisamos perguntar à população se está satisfeita com o serviço de saúde, se a educação atingiu um nível de qualidade que não precisa de mais recursos, construção de escolas… Todos defendem o corte dos gastos. Então perguntamos onde cortar?

A principal preocupação é a inflação. Há um consenso que defende mais gasto em saúde, educação e segurança. A gente poderia viver com pouco mais de inflação para pagar esses gastos?

MP: Não podemos reduzir o enfrentamento da inflação, que é um problema, assim como outros que o país tem. Estamos com uma tendência satisfatória no período muito recente em termos de enfrentamento da desigualdade. A questão é como manter essa tendência. Do contrário podemos voltar a uma situação muito insatisfatória.

O senhor defende mais gasto em investimento, estrutura, educação. Esse é o caminho para manter o país crescendo?

MP: Não é aumentar gastos, é melhorar sua composição.

Mas como deixar de pagar juros, reduzindo-os?

MP: Exatamente.

O mercado está projetando um aumento da inflação para esse ano e o seguinte, por causa desse cenário de crise?

MP: Qual mercado? O financeiro? O mercado financeiro representa 7% da renda dos trabalhadores. Temos que pensar no mercado produtivo, porque é a maior parte. A questão dos juros é importante no enfrentamento da inflação de demanda. Porque reduzir a demanda? Inflação de demanda é quando não se tem a capacidade de produção suficiente para atender o consumo.

É quando o consumo está crescendo mais que a produção, nesse caso, haveria mais pessoas querendo comprar o que está sendo produzido. Aí, ou importa ou terá inflação. O preço vai subir porque não há produto para vender para todo mundo.

O que temos de inflação hoje é de demanda? Tivemos dois surtos de inflação nesse ano. O primeiro é inflação importada, devido à elevação de preços das commodities, no início do ano; o outro, dos alimentos no meio do ano. Não foi inflação de demanda. Ao elevar a taxa de juros, o efeito não é imediato. Demora cinco, seis meses. Já vamos ter um efeito da crise possivelmente no início do primeiro trimestre do ano que vem.

Mais a desaceleração provocada pela elevação da taxa de juros. O início de 2009 é um período que apresenta uma sazonalidade, geralmente a economia está morna, salvo a safra agrícola. Teremos o efeito da crise internacional. Não entendemos que temos uma inflação de demanda, que justificaria a elevação da taxa de juros. Hoje vivemos um quadro de redução de preço das commodities.

Devido à escassez de financiamento de crédito, o senhor acredita que irá provocar aumento de juros por cinco anos?

MP: Os juros já vinham subindo.

O senhor afirma que não precisa aumentar os juros porque não há inflação de demanda. Portanto, a gente pode mudar a composição do gasto, direcionar uma parte menor para os juros e outra parte para os gastos em saúde, educação, investimentos, e assim manter atividade aquecida?

MP: A nossa preocupação é dar continuidade a esse bom momento que vivemos para chegar a 2011 com uma situação que tínhamos em 1990. E só vai ocorrer dependendo do nível de atividade. Se refluir, a capacidade de os sindicatos elevarem o salário é menor, a capacidade de o governo arrecadar impostos se reduz. Os gastos em saúde, educação certamente não serão os mesmos. O que pode manter a situação é a sustentação do nível de atividade. Pode-se se dar na recomposição do gasto público, reduzindo em algumas áreas e aumentando em outras, porque são mais intensivas em bem-estar, emprego e remuneração e ao mesmo tempo, ações voltadas a manter aquecidas as empresas não-financeiras. A administração pública e as empresas não-financeiras correspondem a 85% da renda do trabalho.

Se conseguir manter ou reduzir os juros, não vai beneficiar essas empresas não-financeiras? Pode melhorar a renda do trabalho?

MP: Se a economia desacelera e mantemos a taxa de juros nesses patamares, não aquece tanto, vai apenas desacelerar menos, porque já estamos num quadro de desaceleração. O crescimento do ano que vem já seria menor que o deste, em função da elevação da taxa de juros no início do ano. Já teríamos uma economia menos aquecida e pode estar muito menos por efeito da crise.

E se aumentar os juros?

MP: Aprofunda o ritmo de desaceleração. Ao mesmo tempo, contribui para mandar mais água para os moinhos dos proprietários.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.ipea.gov.br.

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