fetec@fetecpr.com.br | (41) 3322-9885 | (41) 3324-5636

Por 23:59 Sem categoria

Sociedade deve se sentir dona da TV Brasil

O ouvidor-geral da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), jornalista Laurindo Leal Filho, foi um dos palestrantes do 14º Curso Anual do NPC. Em entrevista à equipe de cobertura do Curso, Lalo, como é conhecido, falou sobre as principais características de uma TV Pública, como a independência econômica e administrativa. Também destacou a importância de se fazer com que a sociedade se sinta dona da programação e defendeu a realização da Conferência Nacional de Comunicação.

– Existe um modelo internacionalmente consagrado de TV pública, que é o da BBC, de Londres. Qual você acha que deve ser o grau de adaptação desse modelo aqui no Brasil? Ou o Brasil não deve se adaptar a nenhum modelo pré-estabelecido de TV Pública?

Acho que devemos ter no horizonte, como utopia, a possibilidade de ter uma TV efetivamente pública. Como se define e qualifica uma TV pública? A independência no financiamento e no controle. Quando ela é realmente independente, tanto do Estado quanto do comércio, ou seja, da publicidade e da propaganda. Foi assim que funcionaram as TVs públicas na Europa, e a BBC é o exemplo mais bem acabado. Mas não é só ela. A TV Alemã funciona assim, a TV Japonesa também, e outras televisões não comerciais da Europa funcionam quase assim. Elas têm alguma publicidade, mas têm participação dos telespectadores.

No Brasil devemos sempre ter no horizonte uma TV com independência financeira e política. Claro que não temos condições objetivas, nesse momento histórico, para ter uma TV nesses moldes, com essa independência. E, pegando um exemplo mais recente, a TV Brasil é institucionalmente mais estatal do que pública. Porque é 100% financiada pelo Governo Federal, e teve um Conselho Diretor formado por indicação do presidente da República.

Isso não quer dizer que ela não possa gradativamente se tornar pública. Por exemplo: o Conselho Diretor, no seu regimento, prevê que no final dos mandatos dessa primeira gestão, já existam mecanismos de a sociedade poder indicar alguns conselheiros. Esse é um passo importante para torná-la pública pelo lado institucional. Pelo lado do financiamento, eu acredito que podemos ir buscando recursos em outras fontes, para diminuir a dependência do Governo Federal.

O grande problema das TVs não comerciais no Brasil, que chamamos de estatais, é que alguns governos deixam que elas sejam quase ou muito públicas, mas outros não. A TV Brasil corre esse risco. Vamos admitir que, no Governo Lula, abram-se canais para a participação da sociedade, e ela vai se tornando pública. Nada garante que outro governo não vá diminuir o financiamento, ao perceber que não tem controle sobre ela. Foi o que alguns governos estaduais de São Paulo fizeram com a TV Cultura: diminuíram o financiamento quando não concordaram com a linha da emissora.

Acredito que, para caminhar para um modelo público, a TV tem que, aos poucos, se tornar menos dependente do governo financeiramente, e ter mais presença da sociedade na sua administração.

– A radiodifusão pública na Europa surgiu em um contexto de mobilização antes da II Guerra Mundial. Depois da guerra, houve uma maior participação popular nessa estrutura. Qual a comparação que você faz desse processo de radiodifusão pública na Europa com o que pode acontecer aqui no Brasil?

Realmente, as circunstâncias para o surgimento da radiodifusão pública eram muito distintas na década de 1920. A BBC, particularmente, se consolidou durante a Guerra, por prestar um serviço público que a população julgou muito importante: fez a intermediação e o contato entre soldados e suas famílias. Por isso, foi criado no imaginário popular um respeito muito grande pela BBC, e até hoje o povo tem clareza de que a BBC pertence a eles. Nós não temos isso aqui no Brasil.

Então um dos nossos grandes desafios é fazer com que a população tenha a sensação que eu chamo de “pertencimento”. Ela tem que perceber e ter a certeza de que a TV pública e as rádios públicas pertencem a ela.

No próprio estatuto da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) existem alguns mecanismos. Por exemplo, a criação de grupos de ouvintes, de telespectadores, e até uma sociedade de amigos da TV Brasil. São essas pessoas que podem dar uma sustentação externa à TV Pública.

Mas, antes disso, ela tem que chegar até a casa das pessoas. A sociedade tem que conhecer a TV Brasil, perceber que ela é diferente da comercial, e passar a ter um sentimento quase de carinho por ela. Se a emissora conseguir chegar às casas com uma boa programação, já é um primeiro passo. O segundo passo é criar canais institucionais pelos quais as pessoas possam fazer suas críticas.

Eu assumi recentemente a ouvidoria, mas não é o único canal. Acho, por exemplo, que o Conselho tem que ser mais aberto. Os conselheiros têm que ser conhecidos da população, têm que ter um endereço eletrônico ou um telefone disponível e acessível para quem quiser entrar em contato.

A ouvidoria vai começar a criar grupos da sociedade para discutir questões da programação. E são necessárias ainda outras iniciativas, tudo que for possível para envolver cada vez mais a sociedade.

– Qual importância da Conferência Nacional de Comunicação em relação à participação da sociedade civil?

Acho muito importante a realização da Conferência, porque as pessoas que estarão lá são de militância. Já participaram das conferências regionais, municipais, até chegar à nacional. Na Conferência, a rádio e a TV públicas têm que ter um bom espaço para falar e principalmente para ouvir. Seria muito positivo se os participantes levassem para seu município algo de positivo sobre a TV Pública, tanto em relação às idéias quanto o próprio relacionamento. Vocês têm razão. A Conferência é fundamental, pena que não está garantida.

– Existe aporte de recursos pelo Governo Federal para ampliar essa infra-estrutura da TV Brasil e chegar a grande parte do território brasileiro?

Creio que o problema não é de recursos, mas sim de estratégia. Tenho dúvidas da política que está sendo levada à frente, que é a de formar a rede nacional a partir das emissoras públicas dos estados. Eu não tenho convicção de que isso vai dar certo no Brasil todo. Um governador pode aceitar o sinal da TV Brasil, o outro pode dizer que não… Esse problema não é de dinheiro, mas sim de estratégia. No meu ponto de vista, acho que a TV tinha que chegar a todas as cidades. As emissoras regionais deveriam atuar fornecendo programas para a rede nacional. A relação deveria se dar a nível da programação, e não da transmissão.

– Existe um PL tramitando no Congresso, que prevê a criação de oito canais na TV digital para as TVs do Senado, da Câmara, TV Pública. Então como fica esse processo de formar uma rede para operar nos canais das estatais, se um canal para a TV Brasil já está previsto na TV Digital?

Já existe o canal sim. Agora no dia 2 de dezembro, por exemplo, já começa a operar em São Paulo, pelo canal 68. Mas é na TV Digital, o que não amplia, não dá para chegar a todas as casas. Quanto tempo vai levar para acabar o sinal analógico no Brasil? Nos EUA, estão prevendo para o próximo ano, porque houve subsídio forte para todo mundo ter TV Digital em casa. Na Europa, estão previstos 15 anos, logo lá onde a capacidade de consumo é maior. Com aqui ainda não vi nenhum programa de subsídio, por enquanto creio que vamos ter que esperar de dez a quinze anos nesse modelo.

– O que representa para a população brasileira 20 anos de Constituição, para começar a discutir a comunicação enquanto direito?

A Constituição Brasileira ajudou muito, mas não é só isso não. Em 1985, quando se aprofundou o processo democrático, aí começou o primeiro debate sobre a democratização da comunicação. Não significa que antes a discussão não existia, mas estava restrita aos sindicatos.

Na segunda metade da década de 1990, esse debate se ampliou para a sociedade: as universidades, por exemplo, começaram a ter suas primeiras teses sobre comunicação, sobre TV particularmente. E foi também nessa época que a TV Comercial aberta chegou ao fundo do poço em termos de qualidade. Começou, então, a haver uma reação da sociedade. Eu me lembro que, no meio da década de 1990, eu morei na Inglaterra e vim para cá falando de um modelo público de televisão, e ninguém entendia. Acho que a tendência é cada vez mais as pessoas perceberem que a comunicação é um direito humano, mesmo com o bloqueio informativo que a gente tem.

– Em relação à programação da TV Pública, como será construída?

É uma TV generalista, ou seja, aquela que tem filme, jornal, dramaturgia, programas infantis. Os gêneros são mais ou menos os mesmos da TV Comercial, o problema é a qualidade.

– E em relação à diversidade regional?

Isso já vem sendo feito. No jornal da TV Brasil quase todos os dias entram estados que normalmente não aparecem na grande mídia, como Piauí, Maranhão. Mas, apesar de não nos limitarmos ao eixo Rio – São Paulo, sabemos que temos que buscar mais produções regionais.

– Como é a participação da sociedade nessa programação?

Estamos criando mecanismos de intervir, a partir de e-mail, cartas, telefone. Mas esses canais ainda não estão todos funcionando.

– Para poder intervir, as pessoas têm que assistir. Qual a previsão para que se chegue ao Brasil todo?

Tem uma gerência de rede que está ampliando por meio de convênios com várias emissoras regionais. Antes só pegava no Rio e em Brasília, mas hoje pega em outros estados. Por enquanto, isso depende muito das negociações em casa estado.

– Segundo Fernando Bittencourt, gerente de engenharia da Globo, não existe concorrência entre as novas mídias digitais (internet, celular) e os meios tradicionais. Para ele, o que acontece é que a população está consumindo mais audiovisual. Você concorda com ele, ou acha que as novas mídias concorrem com a radiodifusão tradicional? Nesse sentido, seria prudente investir só na TV, ou lembrar das rádios, da Agência Brasil?

Acho que o ideal é ter um sistema público de comunicação, envolvendo todos os meios. No caso da EBC, são oito emissoras de rádio, três de televisão, e ainda a Agência Brasil que funciona na Internet. Sempre que surge uma nova mídia, achamos que a outra vai acabar. No final, elas se adaptam. Em relação à interatividade, por exemplo, qual a diferença entre as emissoras? As comerciais estão apostando em interatividade e até na multiprogramação para vender os produtos que elas anunciam. Já na TV Pública, a interatividade vai ser usada para outras coisas. Por exemplo, para abrir canais que o telespectador pode usar para dizer o que gostou ou não, e até enviar programas. Claro que vai ter uma adaptação com o surgimento de outras mídias, mas não quer dizer que um meio vai acabar.

– Para finalizar, qual o papel da EBC para pressionar o governo para convocar a Conferência Nacional?

Não posso falar em nome da EBC, mas já vi declarações da Tereza Cruvinel dizendo que a EBC apóia a Conferência Nacional de Comunicação. Mais do que isso eu não sei.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.piratininga.org.br.

====================================================

Beto Almeida defende a mídia pública, já que é impossível humanizar a mídia capitalista

“A TV tem servido como ferramenta de desumanização e embrutecimento. Se transformou em chicote eletrônico”.

Essa é a opinião do jornalista Beto Almeida em relação à grande mídia do Brasil. Beto Almeida foi palestrante do 14o Curso Anual do NPC, trabalha na TV Paraná Educativa e é um dos diretores da Telesur, rede de TV latino-americana com sede na Venezuela. Em entrevista, falou sobre a necessidade de se oferecer pluralidade e de existirem canais para as TVs Comunitárias, comentou o fato de TVs privadas receberem verbas públicas, e defendeu a produção de entretenimento para conscientizar, e não com objetivos mercadológicos, como faz a grande mídia. O objetivo, para ele, deve ser a transformação social. Confira a entrevista.

– Você acha que a sociedade brasileira de alguma forma ficou mais crítica?

Sim, tanto que a popularidade do Lula cresceu. É aquilo que o Ramonet dizia ontem: a mídia acha que, porque tem o poder de divulgação, tem a capacidade de manipular as vontades das pessoas. Na Venezuela todos os meios de comunicação atacam o Chavez, por exemplo, e mesmo assim ele ganha as eleições. Aqui o Lula é atacado por todas as emissoras, menos a TV Brasil.

Em relação ao Obama… Nos Estados Unidos, o verdadeiro poder não é do presidente. É do pentágono, da indústria bélica. O presidente que se insurgir contra esse poder morre, como o Kennedy. O problema do Obama é: até que ponto ele resistirá às imposições do Pentágono para fazer da guerra um funcionamento normal da economia norte-americana?

Como Marx dizia, e depois Lênin, na fase superior do capitalismo a economia se transforma em produtora de não mercadorias. Ou seja: não há nenhuma razão para existir fome, porque existe capacidade produtiva capaz de abastecer o mundo inteiro. Aí você passa a entupir a cidade de carros, de motos, uma TV para cada cômodo da casa… Esse é o plano louco do sistema capitalista. Hoje existem países que também têm poder nuclear, além dos EUA, e por isso criaram problemas. Os EUA não têm certeza se podem lançar uma guerra. Os norte-americanos, armados até os dentes, querem dizer para o iraniano que ele não pode ter armas. Mas o Irã não aceita e não entende, afinal de contas, de onde veio esse poder? O Obama disse que vai retirar as tropas do Iraque, mas vai manter no Afeganistão. Também ouvi que ele chamará a Hillary Clinton para ser secretária de Estado, e ela defendeu o ataque nuclear ao Irã.

– Eram várias outras candidaturas nas eleições norte-americanas, mas aqui só apareciam Obama e Mc Cain…

É claro. Nos EUA a eleição é movida a dólar, e as outras candidaturas, como não tinham dinheiro, não podiam comprar a mídia. A verdade é que nos EUA não há democracia, já que quem não tem dinheiro não aparece. No Brasil existe pelo menos a Lei Falcão, que garante a todos que apareçam, ainda que desigualmente.

Nos EUA existe a ditadura monetária. No movimento sindical, por exemplo, se aparece algum dirigente de esquerda, morre. Cadê a liberdade sindical? O Obama vai ter que administrar um monte de conflitos ao mesmo tempo. Vai ceder um pouco ao setor mais à direita do partido democrata. Então, o fato não é que as TVs não quiseram o Mc Cain. Elas perceberam a baixa popularidade do Bush, e o risco de ser eleito alguém que representasse a continuidade dele. Então migraram para o Obama, inclusive um setor do grande capital. O New York Times, inclusive, defendeu o Obama editorialmente.

Lá houve ainda uma outra questão: a juventude e a população negra e hispano-americana se mobilizaram independentemente. Foi a primeira vez que os jovens participaram de uma eleição. Lá tudo é feito para desestimular a participação política. Dia de eleição nem feriado é.

– Você falou sobre a mobilização dos jovens nos Estados Unidos. Você crê que no Brasil a política está como está, porque os jovens ainda não acordaram para a importância da participação deles?

O que ocorre no Brasil é que o PT não tem um projeto claro de transformações sociais. Essas pessoas só se empolgariam se houvesse um projeto de participação. Não creio que existe alienação. Muitos não participam por uma postura crítica, porque não concordam com a política. Tanto que, em momentos decisivos, tendem às propostas mais progressistas: votam no Lula ao invés do Alckmin, do Serra. É a única oportunidade de se expressarem.

Eu pergunto: cadê a União Nacional dos Estudantes? O Lula foi à sede da UNE para convocar a campanha “O Pré-Sal é Nosso”, mas a entidade não se manifestou. O presidente estimulou uma campanha nas ruas, porque sabia que corria risco ao enfrentar o poder petroleiro. É esse poder que quer derrubar o Chávez, que quer derrubar o Evo Morales, que derrubou o governo no Irã. O Lula chamou a UNE para ir para a rua, e a entidade ficou paralisada. Até porque o PCdoB está na presidência da ANP (Agência Nacional de Petróleo).

– Qual o papel da mídia alternativa para atingir esses jovens?

A mídia alternativa tem que difundir os valores de solidariedade, da transformação social, os valores socialistas. Nosso projeto tem que ser tomar o Estado para transformá-lo. Tirar a família Marinho, por exemplo, e recuperar a concessão da TV Globo para o Estado, porque é uma concessão pública. A TV Globo recebe verbas públicas. Recorre ao BNDES, ao dinheiro público, para fazer comunicação privada. Estão privatizando o Estado.

Eu queria propor uma discussão dos conceitos marxistas sobre a comunicação. O Estado não é neutro. E nós precisamos tomá-lo para transformá-lo, para impedir que ele faça a política neoliberal. O Ramonet dizia ontem que o Estado Mínimo neoliberal prega o seguinte: “nenhuma educação para o povo”, “nenhum remédio para o povo”. Quer acabar com as garantias públicas.

Marx dizia que o plano do capitalismo é “salário zero”. Ou seja: ir tirando os direitos, até o ponto em que o trabalhador precisa pagar para respirar. Aqueles que querem ver a TV Câmara e a TV Senado, por exemplo, têm que fazer uma assinatura, quando, na verdade, o contribuinte já pagou pela existência dessas TVs. Isso significa bitributação, ou seja, cobrar de novo. O orçamento do Senado e da Câmara é feito com dinheiro do contribuinte, e por isso esses canais têm que ser abertos. Não tem que pagar uma empresa privada de cabo para isso.

Existe apoio à radiodifusão privada, mas não existe um fundo de apoio à radiodifusão comunitária, não é? A TV Globo não é apoiada pelo Estado? Queremos isonomia para a TV Pública, pode ser 1%.

– A gente poderia de alguma forma pressionar o Estado em relação a isso? Será que a gente consegue?

Devemos, é a nossa obrigação. Eu tive uma experiência recentemente… Com um comitê de solidariedade, fui ao Timor Leste agora, e encontrei com os donos de uma rádio comunitária. O Lula disse que estava muito admirado, e disse “nós precisamos pagar a nossa dívida com as rádios comunitárias”. Ele reconhece que tem essa dívida.

– E por que não libera a existência das rádios?

Porque ele não tem poderes. Chegar ao poder pode não ser o mesmo que estar no Governo. Você pode estar no Governo e não ter os principais poderes. O PT, quando foi eleito, começou a fazer luta parlamentar, e não mobilização. Isso facilitou com que o partido fizesse os chamados mensalões. Agora, o mensalão não é uma invenção do PT. Ele foi apenas divulgado pela mídia burguesa, mas já é uma prática comum do capital.

– Você acha que a gente poderia pensar em um consórcio dos movimentos sociais e sindicatos? Seria para reivindicar as rádios comerciais que recebem financiamento público, e dar para as entidades fazerem parte dele, para construir hegemonia?

É correto, mas os movimentos sociais do Brasil hoje não têm iniciativas concretas. A Associação das Mães da Praça de Maio, na Argentina, ocupou a rádio da Marinha. A mobilização foi de tal forma, que a ocupação foi sancionada, e agora elas têm a rádio. Eu inclusive sou correspondente da rádio aqui no Brasil. Eu proponho, por exemplo, de a gente ocupar a Rádio MEC. Em Brasília é uma retransmissora da rádio daqui. Lá ninguém ouve, porque o sinal é péssimo. O transmissor está sucateado…

– Ocupar a rádio MEC, a gente está arriscado de tirarem a gente do ar.
A tática não é fazer movimento contra o Lula, é para encorajar o Lula, como as mães na Argentina fizeram inteligentemente. Um setor da esquerda ataca a Cristina, diz que ela é neoliberal. Tem um setor da esquerda que está fora da realidade.

Por exemplo, eu vim participar da Conferencia de Solidariedade a Cuba. Lá o pessoal dizia que Lula é traidor de Cuba. O presidente foi a Cuba, disse que o Brasil ia ser o parceiro n° 1, que ia furar o bloqueio norte-americano. O Lula não é um revolucionário, mas e daí, vamos desistir? Nós não construímos outra alternativa. Ele tem o movimento de massa, e ele será determinante na próxima etapa de luta de classes no Brasil. Não dá para ignorar o povo.

A gente está tentando lá em Brasília a migração do sinal digital, e um fundo para a radiodifusão comunitária. Mas tem muita gente que quer ser um empresário a mais. Hoje falam “comunitária”, mas amanhã, quando tiverem sinal livre digital, vão se aproximar do setor empresarial. Por isso tem que ser fundação. O que a gente faz em Brasília é esse trabalho de politização. Fazemos reportagens de manifestações. Muitas vezes colocamos na íntegra apenas como narrativa, é melhor não ter nada. Alguém pode reclamar da estética, mas não temos como pagar um editor.

No Brasil não existe TV Pública. O que existe é a TV estatal, e as TVs privadas apoiadas pelo Estado.

– Marcelo Bechara, consultor jurídico do Ministério das Comunicações, falou recentemente na TV Senado que a idéia é que as TVs comunitárias não tenham um canal… Você acha que esse sistema tira a autonomia das TVs comunitárias?

Eu não ouvi essa declaração. Porque se for assim não está certo. O que queremos é um espaço na TV digital. A tecnologia tem que ser usada democraticamente. Se não colocar TV Comunitária vai acabar sendo mais do mesmo. O que propomos: um sistema de rede de TVs Institucionais no Brasil inteiro, em cada município. Lula chegou a assinar esse decreto, criando a RTVIN (Rede de TV Institucional). Cada município teria um canal e produziria duas horas no local. Não tem nenhuma justificativa para não ser assim. A Fenaj foi contra, e alegou que era um decreto, tinha que ser um PL. A Abert também foi contra. Lula recuou.

Como resolver o problema do desemprego do jornalista, já que a mídia comercial tem limite? Nossa proposta é um programa público de massificação da publicação e da leitura de jornais e revistas. Hoje existe ociosidade de 50% da indústria gráfica brasileira. Existem jornalistas ociosos e desempregados. Existe gente que não pode comprar jornal ou revista. Vamos juntar tudo isso, e fazer uma nova equação.

Esse programa daria papel e horas de gráfica pagos pelo recurso público. Parte das verbas destinadas ao setor privado poderia ir para esse programa. Teríamos investimento em jornalismo municipal, sindical, comunitário, associação de moradores… O principal objetivo é oferecer ao povo o direito de ler, e por isso esses jornais devem ser gratuitos. No Brasil ainda se lê muito pouco. Na Bolívia se lê mais que no Brasil, e é o país mais pobre da América Latina.

– Além de incentivar a leitura, não falta o incentivo a uma leitura crítica?

Se as pessoas não podem comer, se não podem ser cidadãs, como elas podem ter uma educação crítica? Temos que criar oportunidades. Quero ver na favela pessoas manipulando livros, bibliotecas em todos os lados, jornais em todos os lugares, rádios espalhadas por aí… Tem que ser investimento público, porque o setor privado obviamente não vai fazer.

Só quem pensa na função transformadora do Estado tem essa solução. Isso começa dentro do próprio sistema capitalista. Mesmo no capitalismo os marxistas reivindicam a função do Estado, a estatização dos bancos, por exemplo, para facilitar a tomada do poder. Para educar o agricultor, para ele compreender pedagogicamente, pela prática, a função do Estado. Aí ele iria entender o que é o socialismo.

– Esse programa que você acabou de mencionar, que seria público, não poderia se tornar vulnerável ao sistema econômico, ao mercado?

Não. Estaríamos criando uma mídia que pode não ser controlada pelo mercado, enquanto essa chance não existe em relação à mídia capitalista. Sabemos que não há hipótese de O Globo se regenerar, passar a ter ética, se transformar. É impossível humanizar a mídia capitalista. Quanto mais concentrada, mais selvagem ela será.

Qual a garantia para que essa nova mídia escape desse controle? Ela será mais livre quanto mais classes tiverem capacidade para pressionar o Governo. Estamos falando de um programa público em que participam os sindicatos, Associação de Moradores, MST. Não existe TV para vender boi, para vender jóias, para os comerciantes da fé? Por que não existe um canal camponês no Brasil? Um canal educativo, ou então um da população carcerária?

– Sem dinheiro ninguém faz nada…

Estou propondo que a verba que o Governo transfere hoje para o setor privado seja dirigida para os setores organizados da sociedade para fazer programas públicos, tanto em jornais quanto TVs, rádio…

– Você não acha que as pessoas negariam esses programas, por já estarem acostumadas com o sensacionalismo da grande mídia, e a mulher pelada na capa do jornal?

Eu me rebelo contra isso. As pessoas não possuem alternativas. Por exemplo: há uns dez anos teve uma apresentação do balé Kirov na Praia de Copacabana, tinha 250 mil pessoas em pé, na chuva. Não é que as pessoas não queiram se informar, é que elas não têm alternativas. Praticamente todos os canais pregam a mesma coisa.

– Quanto à programação, a questão ideológica não é bem clara explícita. Seria associar a favela à produção de criminosos, por exemplo?

As estatísticas comprovam que o roubo é para sobrevivência, porque as pessoas não têm o que comer. Temos que destruir esse discurso. No Brasil existe dinheiro para tudo, não precisava ter pobres. Mas esse dinheiro é apropriado por um grupo, por exemplo, do Daniel Dantas, que pratica evasão de divisas. São umas 300 pessoas apenas que, diariamente, jogam na Bolsa de Valores, e, no entanto, o Jornal Nacional toda noite divulga. É uma arrogância, e prepotência tremenda.

Proponho o controle de câmbio, controle de capitais. Centralizar o dinheiro em banco estatal. Para que banco privado, para que TV privada? Não consigo encontrar justificativa para manter TV privada. Pluralidade? Não existe. A linha editorial é a mesma: defendem o capitalismo e o neoliberalismo, e culpam a nossa sociedade. O povo brasileiro é heróico, mas ainda não conseguiu construir um movimento revolucionário. O povo cubano conseguiu.

– Quais as perspectivas para o Banco do Sul?

O Lula apoiou.

– Parece que o Brasil está com uma posição diferente dos outros países latino-americanos, querendo que a decisão seja pela quantidade de dinheiro investida?

Ontem eu estava em um Congresso Internacional do Biocombustível, e um venezuelano comentou o acordo do Lula com o Bush em relação ao etanol. Eu disse que o Chávez tinha um acordo com o Bush para venda de petróleo. Então não é uma traição do Lula, porque o etanol é muito melhor que o petróleo, e gera mais emprego, se feito naquela modalidade: plantado nas pequenas propriedades, baseado na agricultura familiar, com reforma agrária. Porque é um fato que o etanol vai acontecer. Toda essa discussão é para não dar poder para o Brasil se transformar em potência da energia renovável. Essa energia será controlada ou pelo imperialismo, ou por uma empresa estatal, como defendemos. Estamos lançando uma campanha, da qual Beth Carvalho (presente na entrevista), madrinha do samba, é signatária.

– Você acha que o Banco do Sul vai sair?

Acho que vai surgir, porque o Lula quer. O Chávez sabe que, sem o Lula, nada acontece na América do Sul. Ele disse que a ALCA foi demolida porque o Lula foi contra. É falsa a visão de que o Lula é traidor da integração. A América Latina não pode crescer sem se entrelaçar com a economia brasileira. Por isso esses países não estão fazendo oposição ao Lula. Venezuela e Cuba não têm soberania alimentar, não têm cultura agrícola. O Brasil tem, e também uma cultura de industrialização.

– Nessa sua proposta diferenciada de comunicação, qual o papel desempenhado pelas paixões nacionais, como a música, o futebol, que servem como meios de atrair o leitor?

Eu acho um absurdo a mídia pública não poder fazer entretenimento. Nós temos que ser atrativos também, fazer novela melhor que a mídia privada, sem interesses de vender. Por que a TV Pública também não pode transmitir futebol, o carnaval?

Beth Carvalho: Na minha opinião, o formato da novela é excelente para informar as pessoas com mais rapidez. Imagina contar as histórias de Machado de Assis, sobre a vida de Zumbi dos Palmares, sobre Cartola ou a história do samba…

Beto Almeida: já pensou uma novela contando a vida do Santos Dumont? Seria maravilhoso.

– E a publicidade entraria?

Sou contra a publicidade comercial. Podemos ter campanhas educativas, pela memória, de divulgação de livros. A TV Cubana não tem publicidade. Vou contar uma experiência que eu presenciei em Cuba. Na TV Cubana começou um programa sobre o amor. Pensei: que tema abstrato! Convidaram pedagogo, psicólogo, começaram a debater as várias formas de manifestação do amor. Por exemplo: o amor entre irmãos. Pegaram o livro do Van Gogh com correspondências dele ao irmão: Cartas a Téo, um livro lindo. O amor do homem pela música: pegaram o testamento de Beethoven. Quanto ao esporte, abordaram como ele trabalha com a personalidade e com a revolução. Esporte em Cuba é uma manifestação de integração revolucionária, não é por motivos estéticos ou para ganhar dinheiro. É uma manifestação popular de soberania socialista. O amor pelas idéias, pelo socialismo, pela revolução, pela transformação da sociedade. Por último pegaram o amor do homem pela mulher com o filme Casablanca.

E aqui no Brasil, como trabalham os programas de TV? Temos o caso recente da Eloá, em que o jornalista participou do crime. A TV normalmente mostra violência: ela é machista, não prepara as pessoas para as soluções amorosas. A TV tem servido como ferramenta de desumanização e embrutecimento. Se transformou em chicote eletrônico.
É a discussão inicial. O Henrique Meirelles, representante do setor financeiro no Governo, é contra. E o Lula é a favor do Banco do Sul. Como o Meirelles não pode enfrentar publicamente o Lula, tenta criar embaraços. Por exemplo: por que o Brasil, que tem muito dinheiro, vai se nivelar com os países mais pobres?

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.piratininga.org.br.

Close