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As energias do Brasil

Os choques do petróleo de 1973 e 1979 inseriram o planejamento energético no centro da política dos Estados nacionais. No Brasil, foi o tempo da ida da Petrobras para o mar em busca de óleo offshore e do programa do álcool, ambos bem-sucedidos. A queda do preço do barril na segunda metade da década de 1980 retirou a energia do cenário político. Na década de 1990, a doutrina neoliberal dominante se opôs ao papel do Estado na energia, reduzindo-a à dimensão econômica de mercado. O petróleo teve o preço baixo garantido pelo poder americano após o colapso soviético, minimizando as turbulências nas áreas produtoras, como o Oriente Médio. O barril chegou a 10 dólares no fim do século XX, e quem previsse seu aumento era renegado pelo mainstream da economia.

O gás natural, um produto em parte associado ao petróleo, também teve seu preço garantido por contratos. A expansão da energia elétrica foi assegurada pelas privatizações, que a integraram como um bom negócio na economia globalizada, atraindo as grandes empresas transnacionais. Restou ao Estado o papel regulador para dirimir conflitos de interesses.

A desregulamentação da energia foi apenas uma parte do processo de liberalização da economia sob a globalização financeira, cujo resultado, contingente ou necessário, foi a crise mundial de 2008. No caso da energia, somou-se à crise ambiental, com o efeito estufa, outro grande problema político, pois se trata de escolhas da sociedade que não cabe às empresas fazerem sozinhas.

O preço do barril de petróleo subiu de 10 dólares até mais de 20 dólares na virada do milênio. Em 2007, chegou a mais de 70 e, em julho de 2008 alcançou 147 dólares, caindo a seguir para menos de 50 dólares. O gás natural, por sua vez, ocasionou anteriormente problemas entre a Rússia e a Europa e entre a Argentina e o Chile, tanto quanto ou mais do que o ocorrido entre a Bolívia e o Brasil. Na energia elétrica, houve colapsos que desligaram centros urbanos por muitas horas no Brasil e nos Estados Unidos, bem como racionamentos sérios em 2001, por muitos meses ou por todo o ano, aqui e na Califórnia.

A energia voltou a ser uma questão política no mundo. No Brasil, a retomada do desenvolvimento implica dar atenção ao tema. A política do petróleo deve ser integrada em uma política de combustíveis, por sua vez enquadrada dentro de uma política energética, envolvendo também a energia elétrica, na qual se inclui a geração termoelétrica, e as fontes renováveis de energia. Isso ainda deverá ser feito. O Brasil utiliza combustíveis da biomassa renováveis – o álcool, o bagaço de cana, a lenha e o carvão vegetal – e expande o biodiesel, ao passo que, no mundo, os combustíveis usados em grande escala são de origem fóssil, como o carvão mineral, os derivados de petróleo e o gás natural. O consumo do carvão mineral, cujas reservas mundiais são grandes, mantém-se alto em nível, apesar de seu impacto nas emissões de gases de efeito estufa. No Brasil, o consumo é restrito ao coque importado, além de algumas termoelétricas no Sul.

Os efeitos do pré-sal

As projeções das reservas de petróleo não apresentam um encurtamento tão drástico do tempo de vida, como alguns autores previram, tampouco esse tempo é muito longo. Considerando o petróleo convencional, inclusive a recuperação terciária do restante deixado nos poços já explorados, as reservas entrarão em declínio em poucas décadas. Caso se inclua o petróleo não convencional, como os óleos pesados venezuelanos, os de águas extremamente profundas e o xisto betuminoso, o prazo se dilata relativamente. O gás natural, por sua vez, tem reservas para um tempo maior do que o petróleo convencional. Embora haja muitas incertezas, a tendência futura é de preço alto do petróleo, ainda que não deva permanecer na faixa recentemente atingida. Contribui para esse aumento o forte crescimento da demanda da China.

Isso sugere a necessidade de um critério para uso das reservas brasileiras, além da auto-suficiência que se configurou nos últimos anos, graças ao êxito da Petrobras. Elas não eram muito grandes em termos mundiais, o que torna questionável a exportação de petróleo, além daquele para compensar a importação de derivados e petróleo leve para o blend com o óleo pesado nacional no refino. A descoberta do petróleo no pré-sal muda essa situação? Até que ponto? Essas perguntas têm de ser respondidas.

As descobertas do poço de Tupi e, sucessivamente, da área petrolífera do pré-sal sob o mar, ao longo do litoral do Espírito Santo a Santa Catarina, revolucionou a situação do petróleo no País. Não é adequado aos interesses nacionais simplesmente fazer leilões periódicos de blocos para a exploração do petróleo. Concorrem nos leilões grandes empresas estrangeiras – ou, raramente, empresas privadas nacionais – e a Petrobras.

As descobertas têm base no acúmulo de conhecimento da Petrobras sobre a geologia das áreas promissoras. Os defensores da mudança do regime do monopólio constitucional do petróleo, no governo Fernando Henrique Cardoso, argumentavam que as empresas mundiais viriam liderar o setor petrolífero no Brasil. Entretanto, a Petrobras se consolidou. É a líder mundial na exploração em águas profundas no mar. Seus competidores preferem em muitos casos se associar a ela em parcerias.

A descoberta no pré-sal gerou a expectativa de acrescentar às reservas nacionais de 14 bilhões de barris outros 30 bilhões ou 80 bilhões. A diferença das estimativas estabelecerá a distinção entre uma posição confortável para atender ao crescimento e à demanda interna e a posição de se tornar um exportador de petróleo.

O Brasil adotou, com a reforma constitucional realizada há dez anos, o sistema de concessões, mas há outras opções, como o sistema contratual com partilha da produção ou prestação de serviços. Nas concessões, o petróleo extraído pertence à empresa petrolífera, que paga taxas, royalties e participações especiais ao governo. Países ricos como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Noruega adotam esse sistema, também utilizado por algumas nações em desenvolvimento. Entretanto, outros emergentes utilizam o sistema contratual, como a China, a Índia e, na América do Sul, a Venezuela. Também a Rússia usa esse sistema. O petróleo produzido não pertence à empresa petrolífera. No contrato de partilha, é repartido entre ela e o país. No contrato de prestação de serviços, em vez da partilha, há a remuneração do trabalho da empresa. Uma possibilidade sugerida no debate é aumentar substancialmente as obrigações pagas pela empresa de petróleo, que chega, em alguns países, a até 80% da receita.

Outra possibilidade é a exploração ser feita pela empresa estatal, o que ocorre, com freqüência, nos grandes produtores de petróleo. Como a Petrobras, embora controlada pela União, tem grande porcentual de suas ações vendido na Bolsa de Nova York e remete muito em dividendos ao exterior, foi posta em discussão a criação de uma empresa estatal responsável pela exploração do pré-sal. A tecnologia detida pela Petrobras, entretanto, teria de ser utilizada pela nova companhia. O petróleo de Tupi está a 6 mil metros de profundidade, abaixo de 2 mil metros de lâmina de água no mar. A exploração em tais condições é cara e exige investimentos importantes. Não há uma solução simples. Infelizmente, a crise mundial tirou a questão do petróleo da prioridade do governo, obstruindo o rico debate público que vinha sendo realizado.

Finalizo esta parte com duas questões. Primeiro: é conveniente para o Brasil apostar todas as cartas na produção de petróleo a ponto de se tornar um grande exportador em detrimento da diversificação da sua produção? Aqui se apresenta o problema da doença holandesa na teoria econômica. A Noruega foi bem-sucedida, mas é um país pequeno que já tinha seus problemas sociais equacionados quando as reservas do Mar do Norte foram descobertas. Segundo: qual o efeito da crise nos investimentos no pré-sal, com a queda do preço do petróleo?

Do problema do gás à questão com o Paraguai

O gás natural tem sido objeto de debate, com destaque para a necessidade de definir melhor sua participação na geração elétrica, inclusive na distribuída fora das redes, bem como para injetar o excedente de energia na rede elétrica como uma usina virtual distribuída. De outro lado, ampliou-se o uso nos veículos, na indústria e nas residências. Esses pontos se relacionam ao problema das relações com a Bolívia após a nacionalização das reservas. No setor elétrico, o novo modelo avançou em relação ao anterior, voltado para a privatização. A criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para o planejamento do setor foi importante.

Entretanto, há pontos ainda polêmicos que carecem de debate. Muitas das questões dizem respeito à transição malfeita do antigo para o novo modelo, em decorrência da herança deixada por um processo de privatizações malsucedido e, em particular, pelas seqüelas do racionamento de 2001.

Entre esses pontos, destacam-se: a energia hidrelétrica mais barata está sendo substituída por energia termoelétrica mais cara, o cancelamento dos contratos iniciais das geradoras elétricas federais, determinado pelo governo, que manteve a regulamentação anterior voltada para a privatização, e a manutenção de contratos de termoelétricas onerosos ao consumidor.

No fim de 2006 e 2007, cresceu a preocupação a respeito de um novo apagão. Mas a situação foi diferente da ocorrida em 2001. As chuvas foram favoráveis. Os reservatórios de hidrelétricas tinham níveis em média acima da curva de aversão ao risco, definida como limite a ser evitado. Se as chuvas não forem favoráveis no futuro próximo, com a economia crescendo significativamente, pode haver um risco de racionamento maior que o desejável.

As termoelétricas devem dispor de gás. A Petrobras remanejou o produto de outros usuários para operar as termoelétricas. Tudo isso revela que há problemas no novo modelo a serem corrigidos. Por exemplo, há os consumidores livres, que compraram a energia hidrelétrica barata. As grandes indústrias intensivas absorvem 30% da energia elétrica do País, fora do sistema atendido pelas concessionárias com tarifas altas.

Uma termoelétrica operará em complementação às hidrelétricas, pois não faz sentido verter água enquanto se queima gás, fóssil e importado. Nos contratos usuais, paga-se pelo uso de gás sem interrupção. Foi uma atitude positiva a Petrobras ter começado a importação de gás natural liquefeito por navios, pois pode ser interrompida conforme a necessidade. As termoelétricas estão sendo introduzidas sem considerar o sistema hidrelétrico brasileiro.

Os leilões de energia levaram as termoelétricas a carvão e a diesel, caras e poluentes, emitindo mais gases de efeito estufa. O governo deve dar mais atenção às fontes renováveis, entre elas a geração hidrelétrica, embora deva reconhecer seus problemas ambientais, incluindo emissões de metano.

Quando presidi a Eletrobrás, a empresa assumiu o compromisso de comprar energia de usinas eólicas e de biomassa e de pequenas hidrelétricas do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), totalizando 3,3 GW, e foram feitos investimentos na duplicação de Tucuruí, nas duas novas turbinas de Itaipu e na hidrelétrica de Peixe Angical, em parceria de Furnas com a empresa EDP. Além do projeto do rio Madeira, foi muito reduzida a área inundada no projeto de Belo Monte. Mas concordo que as regras ambientais têm de ser obedecidas. Cabe ao governo convencer a sociedade da qualidade dos projetos.

E discordo da substituição de futuras hidrelétricas por reatores nucleares, como se cogita. Caberia ao Grupo Eletrobrás um papel maior, e a gestão das suas empresas deveria ser realizada por um conselho formado por seus presidentes. Além disso, tais empresas deveriam ser retiradas da partilha dos partidos da base parlamentar.

Passando ao outro desafio, o presidente do Paraguai quer a revisão do acordo de Itaipu. A usina binacional tem dívida de 19 bilhões de dólares com a Eletrobrás e com o Tesouro brasileiro, pois foi o Brasil que construiu a usina e obteve seu financiamento. Essa dívida é amortizada pela tarifa paga pelos consumidores, que, na maioria, são brasileiros.

Metade da energia gerada por Itaipu pertence ao Brasil e metade ao Paraguai, que consome cerca de 5% do que lhe cabe. Pelo acordo, a Eletrobrás compra os restantes 95%, pagando um valor que, por muitos anos, era alto. Uma cota compulsória da energia de Itaipu teve de ser estabelecida no governo Ernesto Geisel para empresas elétricas brasileiras. Hoje não é mais cara, comparativamente, pois a energia elétrica gerada no Brasil encareceu desde as privatizações. O que se paga pela energia de Itaipu (US$ 42/MWh) é da ordem de grandeza do preço previsto da geração pela hidrelétrica de Santo Antônio, a ser construída no rio Madeira (R$ 78/MWh).

Deve-se ter em conta na negociação que, desde a primeira eleição de Lula, algumas concessões foram feitas beneficiando o Paraguai. Na transição, em dezembro de 2002, foi reduzida a quantidade de energia de Itaipu contratada pela Ande, estatal elétrica paraguaia. Com isso, o Paraguai foi favorecido em cerca de 80 milhões de dólares anuais que deixam de ser pagos pela Ande a Itaipu. A taxa de cessão de energia subiu de US$ 1,70/MWh para US$ 2,80/MWh, dando mais 25 milhões de dólares anuais. Finalmente, foi retirado o fator de ajuste da dívida pela inflação americana.

O que não deverá ser admitido na negociação é que a parte da energia de Itaipu pertencente ao Paraguai possa ser colocada no mercado para a Argentina e o Chile, perdendo o Brasil o direito de dispor dela por meio da Eletrobrás. Itaipu supre cerca de 19% da energia elétrica do País. O Itamaraty deve chegar a um bom termo na negociação, como fez no caso do gás natural boliviano.

Biocombustíveis, alimentos e desmatamento

Intensificou-se o debate internacional sobre os biocombustíveis, acusados de contribuir ora para a alta de preços dos alimentos, ora para o desmatamento da Amazônia. Há grandes interesses em jogo, como em tudo o que diz respeito à energia. O presidente da República tem defendido o álcool produzido no Brasil em conferências internacionais.

A vantagem dos biocombustíveis, como o álcool, é que, no crescimento do vegetal, ele absorve da atmosfera o CO2 emitido na combustão do álcool nos carros. Do ponto de vista do aquecimento global, em virtude das emissões de gases que agravam o efeito estufa – como o CO2 produzido na queima de carvão, derivados do petróleo e gás natural –, o álcool de milho pouco adianta como substituto da gasolina. Para se ter uma idéia, a redução das emissões de CO2 é de apenas 20%. Já a cana dispõe de um excedente de biomassa sob a forma de bagaço que é utilizado na produção do álcool. A proporção é invertida: a redução das emissões chega a 80%. E pode ser ainda maior, caso se passe a usar álcool com aditivo ou biodiesel nos tratores e caminhões usados na colheita.

O álcool de milho nos Estados Unidos é subsidiado e, diferentemente do brasileiro, feito de cana, afeta o preço do cereal e reflete em outros alimentos. Ademais, a captura de CO2 do ar no crescimento da cana iguala aproximadamente a sua emissão na produção e no consumo do álcool. Logo, é efetiva para evitar emissões de gases que contribuem para o aquecimento global ao substituir a gasolina.

Em segundo lugar, a disponibilidade de biomassa pode aumentar, ao se evitar a queima das folhagens em virtude da utilização crescente da mecanização na colheita da cana. Isso traz a vantagem de abolir o trabalho árduo dos bóias-frias e, ao mesmo tempo, a desvantagem de reduzir empregos. O excedente de bagaço e as folhagens podem servir para gerar eletricidade para a rede, com substituição do gás natural e de outros combustíveis, até carvão e diesel, que infelizmente vêm tomando o lugar da hidreletricidade na expansão da geração elétrica.

Dois outros pontos favoráveis ao álcool de cana são o menor custo e o menor uso da terra, por conta de sua maior produtividade em litros por hectare, em relação ao álcool de milho. Finalmente, o milho para o álcool nos Estados Unidos acaba por competir com a produção de alimentos, em virtude da área plantada, dos subsídios e do fato de o próprio milho ser um importante item utilizado na alimentação humana e de animais.

A cana, por sua vez, ocupa no Brasil somente 7 milhões de hectares, dos quais 3 milhões são destinados para o açúcar e 4 milhões ao álcool. Já a soja, em grande parte para exportação, ocupa 23 milhões de hectares (Mha). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), temos 152 Mha de área agricultável, da qual só utilizamos 62 Mha, e há 177 Mha de pastagens. Excluídos os 440 Mha de florestas nativas, dispõe-se de 90 Mha para expandir a agricultura sem desmatamento e sem considerar a conversão de pastagens degradadas.

O consumo de gasolina nos Estados Unidos é de 10 milhões de barris/dia. A expectativa é aumentar o porcentual de álcool para 20%, algo como 140 bilhões de litros de álcool por ano, considerando 1,3 litro de álcool para cada litro de gasolina. Poderá o Brasil suprir esse mercado? Como o Brasil produz 23 bilhões de barris por ano, teria de ocupar para o álcool uma área seis vezes maior, ou seja, 24 Mha, parte significativa da área agricultável não usada sem desmatar. Não levamos em conta o aumento de produtividade por hectare nem o aumento do consumo interno e outros mercados externos. Apenas uma parte da área disponível é adequada ao plantio da cana e é econômica e socialmente viável para os biocombustíveis, como álcool e biodiesel, ambos em crescimento no mercado interno. Até o momento, o biodiesel no Brasil vem sendo produzido a partir da soja, contrariamente à expectativa do governo. A soja para exportação tem pressionado o desmatamento da Amazônia.

Portanto, a expansão do álcool para o mercado interno não apresenta problema no uso da terra, mas o atendimento do mercado externo potencial necessitaria de área significativa. Devemos levar em conta, ainda, a expansão de culturas para alimentos. Fica a questão: é conveniente para o Brasil se tornar um grande exportador de energia?

A política de combustível do governo incluiu, agora, o biodiesel e deu ênfase ao álcool motor, cujo crescimento acentuou-se pelo uso de motores flexíveis, que permitem a mistura de álcool e gasolina, e pela alta do preço internacional do petróleo. Os motores flexíveis são adaptados e, quando se usa o álcool sem a gasolina, o rendimento cai. O consumo de álcool por quilômetro é maior do que poderia ser em carros a álcool puro, cuja taxa de compressão é aumentada para compensar o menor poder calorífico. Devem-se aperfeiçoar os motores flexíveis para superar essa perda de eficiência. No biodiesel, o problema é a diversidade de matérias-primas, que produzem óleos com características diferentes, alguns com problemas que estão sendo resolvidos. Não há problema na fase atual de adição de até 2% de biodiesel ao diesel. A mamona de pequenos produtores foi estimulada, mas cresceu o uso da soja. Um avanço importante paralelo ao biodiesel foi o uso de óleos vegetais no refino pela Petrobras (Hbio).

Por Luiz Pinguelli Rosa, que é diretor da Coppe/UFRJ. Foi presidente da Eletrobrás.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.cartacapital.com.br.

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Pré-sal eleva Brasil ao patamar de potência

Petróleo da camada pré-sal muda patamar do Brasil entre potências

Esta é a conclusão de Ildo Sauer, um dos maiores especialistas em petróleo e energia no Brasil, ao analisar a importância das descobertas recentes da Petrobras, em termos de poder de negociação e barganha mundial. Segundo Ildo, dentro de 3 ou 4 anos, o combustível de Santos do pré-sal, que vai da costa de Santa Catarina a do Espírito Santo, estará com seu potencial dimensionado.”Numa analogia, do ponto de vista de posicionamento e negociação, (para o governo, o petróleo do pré-sal) é algo equivalente ao que tem hoje nas mãos os países que, militarmente, detém a bomba atômica”, avalia.

Nesta entrevista, o ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras, também explica como a estatal pode levar a cabo sua missão na política energética nacional. Ele observa que, apesar da política neoliberal, o governo Fernando Henrique Cardoso, e de presidentes que o antecederam, conseguiu resistir e pôde desenvolver, ao longo dos seus 50 anos, tecnologia que empresa nenhuma no mundo foi capaz.

Atualmente, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, Ildo explica as razões pelas quais é a favor de uma mudança no marco regulatório do petróleo. Ele considera “amadurecida” a discussão a respeito e, portanto, que a decisão pode ser adotada já.

Analista crítico e um dos formuladores da política energética do Partido dos Trabalhadores, Ildo defende a realização de um balanço da gestão e da política de energia nos últimos anos no Brasil. E prevê: “ele vai mostrar que no setor elétrico, onde o problema foi maior por causa de uma lacuna regulatória, o mercado livre, de 2003 a 2007, comprou cerca de 25% da energia elétrica, mas subvencionada pelas estatais a um custo que quase as deixou quebradas.”

[ Zé Dirceu ] O que as descobertas na camada pré-sal representam para o Brasil? Quais os principais desafios e oportunidades se apresentam a partir daí?

[ Ildo Sauer ] A descoberta do pré-sal é uma oportunidade nova de discutir a história recente do Brasil, dos caminhos trilhados nos vários segmentos, especialmente no da energia. É uma oportunidade de montar e estruturar um novo projeto econômico-social para o país.

Também permite um balanço sobre a trajetória recente na área de energia e, principalmente, sobre os instrumentos adotados no país, herdados da reforma ultraliberal que chegou atrasada aqui, mas com força nos anos 90, e que indicava que só a hegemonia do mercado com supremacia financeira era capaz de conduzir as transformações e organizar a vida e a produção.

O pré-sal resulta de um processo histórico mais longo. Nasce da luta do povo brasileiro, na década de 40, pela soberania e autonomia energéticas. Após a II Guerra, o brasileiro percebeu que, sem a intervenção deliberada e organizada a partir do Estado com a Petrobrás – e em paralelo, a Telebras, a CSN e outras organizações -, não seria possível fazer o avanço das forças produtivas chegar em todos os cantos do Brasil.

A primeira missão da Petrobras naquele tempo foi garantir que o petróleo, com o seu papel de energia concentrada, capaz de promover maior produtividade e circulação, chegasse a todos os cantos do Brasil.
Criada com essa visão, em sua primeira fase, garantiu que o país fosse abastecido, respeitando suas contradições econômicas e regionais.

Mas o fato é que com o choque do petróleo em 1973 e 1979 e a crise econômica internacional, as taxas de crescimento mundial se reduziram drasticamente, e surgiu um movimento defendendo que as empresas estatais fossem extintas.

No Brasil, criamos o pró-álcool, o pró-óleo (óleo vegetal), o próprio biodiesel e o programa nuclear. À Petrobras foi dada a missão de buscar a auto-suficiência, atingida em 2006. Só uma empresa organizada com pessoal, tecnologia, vínculos e com processo produtivo interno e externo, foi capaz de, em 30 anos, buscar petróleo onde ninguém tinha buscado: nas profundezas do mar. No começo, a poucos metros e depois a 3 mil metros.

Nesse sentido, a lição da descoberta é de que um longo processo político e histórico permitiu que uma organização econômica, tecnológica e de avanços da produção, organizada pelos brasileiros, chegasse a algo completamente inédito: descobrir petróleo na camada pré-sal.

Não se sabe, ainda, quanto é – se são 30 bilhões de barris, 50 bi, 80 bi ou até mesmo 250 bilhões. Mas o maior significado é que teremos uma grande reserva, maior do que a americana, algo entre Venezuela, Iraque e o Irã, ou até próximo da Arábia Saudita.

Portanto, o maior significado é que um processo histórico, econômico e político forneceu uma série de respostas à visão dominante nos anos 90, de que a hegemonia do mercado conduzia as transformações. O pré-sal tem esse significado político, além do econômico. Nesse sentido a Petrobras é fruto de um processo altamente exitoso da sociedade brasileira.

Auto-suficiência e pré-sal: uma vitória sobre o neoliberalismo

[ Zé Dirceu ] Você acha necessário um novo marco regulatório? A Petrobras deixar para trás a legislação que flexibilizou o monopólio do petróleo no Governo FHC, dos leilões e o sistema atual que existe no país?

[ Ildo Sauer ] Sim. Até porque essa descoberta não tem nada a ver com o mito que se propaga na sociedade de que a auto-suficiência e o pré-sal são frutos da liberação da nova Lei de Política Energética, de 1997, do governo FHC.

Muito pelo contrário! Ela se deu apesar do ataque formulado a partir da visão ultraliberal daquele período. Deu-se apesar de todos os impactos que isso teve na forma de organizar o Estado e a produção, e que se materializou no Brasil concretamente com essa lei. Apesar dessa forma de ver o mundo (do governo FHC), a Petrobras deu certo, operando à margem, e se protegendo.

Todo o processo de gestão, de riscos tecnológicos, financeiros, geológicos, é produto de uma empresa que nega o paradigma principal da reforma neoliberal. Qual era esse paradigma? Quebrar a Petrobras, privatizar as refinarias, criar um mercado competitivo e progressivamente dar concessões, baseado nos conhecimentos que a Petrobras tinha construído ao longo de décadas.

A única contribuição da reforma liberal foi a prática de preços de mercado, isto é, o fato de que aqui dentro se pratica preços de custos e oportunidades. O mercado competitivo internacional para os derivados de petróleo permitiu que a Petrobras obtivesse financiamentos no mercado externo, e aqui dentro, para garantir seus planos de investimentos.

No governo Lula, a estratégia se alterou completamente. A Petrobras passou a comprar todos os blocos colocados à venda que podia e sobre os quais teria alguma prospectividade. Nesse sentido, o sucesso da empresa aconteceu à margem.

Outro ponto que indica a exaustão do modelo é o princípio em que ele se baseava, de premiar quem apostasse no risco de exploração e produção, em quem alocasse capital e conhecimento para tentar encontrar o petróleo. No caso do pré-sal o modelo está ultrapassado porque esse risco não existe mais, foi superado pela Petrobras.

Não foi nenhuma outra empresa que formulou o modelo e gastou cerca de US$ 250 milhões em uma primeira perfuração (valor aproximado do primeiro furo do campo de Tupi). Portanto, o pilar que sustentava o modelo regulatório anterior, de premiar o risco de quem investisse, não existe mais.

Claro que ainda existem riscos. É preciso fazer ainda um conjunto de perfurações. Até agora foram feitos pouco mais de 15, todas pela Petrobras, que comprovaram que provavelmente toda aquela formação de milhões de anos atrás, que vai de Santa Catarina até o Espírito Santo – cerca de 250 quilômetros de extensão – pode conter petróleo.

Outro dado importante a justificar a mudança do marco: não se sabe, à luz das 9 rodadas de licitação já feitas – 4 no governo anterior e 5 neste governo – quem de fato detém a área que se sobrepõe a essas partes. Sabe-se que grande parte é da Petrobras, dela sozinha e de alguns parceiros. Mas tem outras, que a própria Exxon detém. Para se saber realmente quem é dono, faz-se necessário concluir o processo exploratório.

[ Zé Dirceu ] Qual seria o modelo para a exploração? O de prestação de serviços, de produção, ou o atual, pelo qual se dá a concessão, cobra impostos, prêmios…

[ Ildo Sauer ] Durante as discussões do programa do atual governo, a proposta hegemônica antes do presidente Lula assumir era a de que se alteraria o modelo. O proposto naquele tempo foi: será concedido o direito de explorar àquela empresa que oferecer não o maior pagamento pela concessão, mas aquela que mostrar capacidade de superar o risco tecnológico, gerencial, financeiro e que, encontrando o petróleo, for capaz de produzir e dar ao governo nacional a maior fração do petróleo produzido.

Uma espécie de cardápio. E de produção compartilhada. São dois modelos que nesse caso do pré-sal podem ser considerados. Hoje, provavelmente, o mais adequado é o de prestação de serviços porque não há mais risco exploratório.

Temos que fazer 100 perfurações entre SC e ES

[ Zé Dirceu ] O de prestação de serviços?

[ Ildo Sauer ] No máximo o de risco compartilhado. Mas para o pré-sal a minha proposta é mais simples. Para outras regiões pode até se discutir outro tipo de modelo. Para o pré-sal só existe um risco, o associado à confirmação. Talvez seja necessária uma estimativa de técnicos. Temos que fazer 100 furos entre SC e o ES para delimitar as jazidas.

[ Zé Dirceu ] Isso pode custar entre US$ 6 bilhões a US$ 10 bilhões.

[ Ildo Sauer ] Prováveis US$ 6 bilhões de dólares. A tendência é que os custos caiam, porque normalmente os serviços associados ao petróleo flutuam com o preço deste. Com o petróleo a US$ 60 dólares o barril, é possível que caia. O primeiro poço custou 250 milhões de dólares. Os outros, US$ 60 mi. Por isso estimo US$ 6 bilhões.

Eu proponho que o governo federal contrate, via Tesouro Nacional, Ministério das Minas e Energias, ou até via Agência Nacional de Petróleo (ANP) se for o caso, pelo custo de serviço, a empresa que tem mais capacidade no mundo de concluir o processo exploratório que ela iniciou.

Contrata a Petrobras porque é a única que tem essa capacitação construída ao longo de 50 anos, substancialmente aprimorada nos últimos anos pela decisão estratégica de buscar esse recurso. Ela faz os cem furos, e confirma se no Brasil hoje há 30 bilhões de barris, como estimam os menos otimistas, 80 a 110 bilhões como estimam outros, ou até 250 a 300 bilhões como alguns imaginam. Traça os indícios possíveis e depois, juridicamente, se determina quais são os direitos dos concessionários que estão na área.

Feito esse plano de avaliação e desenvolvimento, tem-se condições de dizer qual o melhor regime tecnológico para desenvolver essa reserva, não só do ponto de vista econômico, mas também político.

[ Zé Dirceu ] Quais os resultados possíveis?

[ Ildo Sauer ] No lugar onde estiver, qualquer barril de petróleo hoje tem um valor estimado para transações entre US$ 5 a US$ 15. Quem assumir a concessão do petróleo paga esse prêmio. Vamos estimar em uns US$ 10. Se nós descobrirmos 100 bilhões de barris, vezes 10, é US$ 1 trilhão enterrado na área do pré-sal. Se forem 300 bilhões de barris, como os otimistas imaginam, serão US$ 300 trilhões.

[ Zé Dirceu ] Seria o valor do ativo?

[ Ildo Sauer ] Do ativo lá, só que o que ele permite gerar é muito maior no futuro. Imaginem o poder de barganha! Grande parte disso, de 80% a 95%, na minha estimativa, estaria em poder do Tesouro Nacional. Não seria nem da Petrobrás. Aí vai depender muito de onde está o petróleo confirmado, quais os direitos já concedidos.

[ Zé Dirceu ] Talvez esteja totalmente fora da área de concessão.

[ Ildo Sauer ] Totalmente não. Ao olharmos os mapas, vê-se que parte necessariamente está sobre o microbiolitro onde há concessões. Há dúvidas sobre se quem comprou os blocos e fez um plano de exploração aprovado pela ANP sem considerar o pré-sal, tem direito agora, num segundo estágio, a pedir prorrogação de prazo e disputar. Qual o significado econômico disso? O Tesouro e a União teriam um patrimônio, ali do lado, de reserva de valor que pode variar de US$ 1 trilhão a US$ 3 trilhões.

Isso coloca por terra o terceiro mito dos que defendem a manutenção do modelo atual, o de que é preciso preservar a estabilidade regulatória por causa dos investimentos. Não há um capitalista do mundo que sendo convidado a participar do processo produtivo de uma reserva que tenha de 30 bilhões a 300 bilhões de barris, não queira fazê-lo.

Por isso os dois pontos preliminares da proposta que fazemos são: primeiro, não se faz mais nenhuma rodada de concessão de petróleo, suspensão total e cancelamento de qualquer nova rodada de licitação até nunca mais; segundo, vamos gastar de US$ 5 a US$ 6 bilhões de dólares para comprovar quanto é, quanto sai, quanto vale o petróleo do pré-sal.

Nova empresa: riscos políticos e econômicos

[ Zé Dirceu ] É necessário a criação de nova empresa só para cuidar do pré-sal?

[ Ildo Sauer ] Absolutamente não. A nova empresa representa riscos extremados do ponto de vista político e econômico para o povo brasileiro. Risco de ser capturada e virar uma cavalariça de partilha à luz das pressões em qualquer governo. Nem estou falando desse, mas em geral. Se empresas do porte da Petrobrás que tem uma corporação qualificada, organizada, capaz de servir de contraponto, de esclarecimento ao debate público, já estão sujeitas à fortes pressões, imagine criar outra comandada por 1, 2 ou 3 dúzias de pessoas nesse ambiente.

Primeiro, leve-se em consideração, também, que a capacitação para intervir sobre essa indústria tão complexa exige múltiplas habilidades que no Brasil eu identifico só na Petrobrás. No mundo, algumas empresas talvez detenham capacitação semelhante, mas não superior.

Segundo, uma nova empresa dessas não seria mais do que uma gestora de contratos. Não poderá ir muito além porque não tem capacitação industrial. Querendo ou não, até hoje quem produz valor é a intervenção do trabalho socialmente organizado sobre a natureza e a Petrobras é a instituição concreta disso para o mundo de hoje.

É necessário uma empresa para controlar a Petrobras? Não. O Congresso Nacional, o Ministério das Minas e Energia, o governo, a população na rua tem que ajudar a determinar quanto, aonde e porquê vai ser produzido petróleo, dependendo do quanto se comprovar existir no pré-sal.

Para a criação de uma nova empresa, como se tem aventado por aí, pegam como exemplo a experiência da Petoro, da Noruega. Mas são realidades econômicas, tecnológicas e sociais muito distintas. Temos exemplos de empresas desse tipo de gestão na Noruega, em Angola e na Nigéria. São os paradigmas que estão aí, e todos realmente permitem aprendizado. Mas a nossa história é diferente.

Antes da Petrobras completar 100 anos, outra fonte de energia será necessária

[ Zé Dirceu ] Outra questão que surge é a intensidade com que serão exploradas essas reservas e a destinação do excedente, a contraparte cobrada em impostos, concessões ou na partilha da produção. Vamos supor que passemos a produzir por dia 4 milhões de barris de petróleo, com consumo de 3 e exportação de 1 milhão a US$ 50. É necessário, então, a criação de um fundo soberano ou esse recurso pode ser transformado em impostos indo para o Orçamento Geral da União para investir em infra-estrutura, educação, inovação?

[ Ildo Sauer ] A experiência internacional na área de qualquer recurso mineral, especialmente nos da área de energia, nos traz algumas lições. Todos esses recursos têm ciclos.

Temos uma tendência geral, especialmente no caso do petróleo, de crescer em valorização. Façamos um balanço simples. Toda a humanidade na virada do século 19, estava em torno de 1,6 bilhão de habitantes. Na virada do último milênio, já estávamos próximos a 6,7 bilhões. Em grande parte, expansão populacional ocorreu pela expansão econômica. A produtividade foi intensificada profundamente com o uso intensivo de energia que potencializa a força de trabalho humano.

Então o petróleo esteve substancialmente no centro disso, junto a outras fontes de energia para se manter a eletricidade. Para fazer isso, nós gastamos 1 trilhão de barris de petróleo mais ou menos. Há ainda 2 trilhões de barris de petróleo convencional estimados como remanescentes, e outros 2 trilhões no horizonte, que apresentam dificuldade de exploração e custos bem maiores.

Tiramos hoje, cerca de 87 milhões de barris/dia. Isso significa que, nos próximos 25 anos, o segundo trilhão estará exaurido. E nos meados dos anos 2040, antes da Petrobras completar 100 anos, o terceiro trilhão estará indo. Evidentemente, para manter o modo de produção e organização, outra fonte, possivelmente mais cara, terá que surgir.

[ Zé Dirceu ] Leva-se de três a cinco anos para descobrir e quantificar o que tem de exato na camada do pré-sal?

[ Ildo Sauer ] Vai demorar.

[ Zé Dirceu ] São tecnologias novas.

[ Ildo Sauer ] São duas coisas paralelas. A primeira é concluir o processo exploratório. Não sei quanto tempo vai demorar porque, mantido o modelo atual, vamos continuar vendendo um bilhete premiado de loteria. Temos que mudar o modelo. Já saber quanto (tem no pré-sal) é uma decisão política. Estimo que em três a quatro anos seja possível concluir o processo exploratório desde que haja essa decisão política afirmativa de fazê-lo.

Em paralelo, a Petrobras está desenvolvendo tecnologias. Começou um pouco com a experiência de Jubarte. É um desafio. Mas quem já cumpriu os desafios que se lhe foram impostos nos últimos 50 anos, e tendo vivido lá dentro, não tenho dúvida em afirmar que isso será superado. A questão é saber qual a melhor estratégia, a melhor solução. Para mim, em um prazo de 2 a 3 anos, continuamente, aumentaremos a capacitação nessa área e responderemos objetivamente sobre o que fazer, se o Brasil comprovar ter 100 milhões de barris de reservas no pré-sal.

[ Zé Dirceu ] 80 milhões, um número intermediário…

[ Ildo Sauer ] Seja 80 milhões. Ela teria, ou melhor, o governo terá em mãos, do ponto de vista econômico, instrumentos estratégicos extraordinários para negociações internacionais, finanças e empresas.

[ Zé Dirceu ] Quantos trilhões relativos ao barril a US$ 10?

[ Ildo Sauer ] Numa analogia, do ponto de vista de posicionamento e negociação, é algo equivalente ao que tem hoje nas mãos os países que, militarmente, detém a bomba atômica. Por isso, defendo fortemente a idéia de parar com o modelo que temos até agora e resolver isso. Depois será um debate longo, muitos ajustes até do ponto de vista econômico até chegar a forma como historicamente muitas nações ancoraram sua capacidade produtiva na apropriação do excedente econômico gerado em condições muito especiais.

Em relação ao excedente econômico, temos que aprender os critérios da sua gestão para evitar sua captura por interesses de pressões momentâneas que acontecem, necessária e continuamente, em todo e qualquer momento. Para evitar que ele vire parte do superávit primário, por pressão da banca ou questões outras de gestão do governo, organização da base e do Congresso.

Nem é necessário definir quanto será explorado, nem como vai ser produzido, nem o que fazer com o excedente. Nas linhas gerais estamos todos de acordo. Como fazer é a questão que está em aberto.

[ Zé Dirceu ] O petróleo fica nessa faixa de US$ 60? Isso terá impacto político na Venezuela, no Equador, na Bolívia, nos países árabes, no Irã.

[ Ildo Sauer ] Veja, US$ 50 dólares / US$ 60 ainda permitem um excedente econômico enorme. Nesses países os custos de encontrar e de retirar são muito baixos. Na Árabia Saudita não chega a US$ 1 – no Brasil é US$ 7. O que dobra aqui para US$ 14 são as participações especiais, royalties e tributos. Gerou-se uma expectativa enorme, até porque US$ 50 / US$ 60 dólares por barril, no atual contexto – US$ 70 talvez – é um valor que tem se mantido por um longo prazo.

Mas há outras alternativas no horizonte, do ponto de vista concorrencial. Vejamos o álcool. Não há espaço no mundo para se produzi-lo de biodiesel e ser suficiente para substituir o petróleo. Está iludido quem acredita nisso. Mas há um espaço grande, que pode ser ocupado por essas fontes por custos próximos a esses, US$ 50 a US$ 70 por barril.

Não farei previsão de como vai evoluir o petróleo, mas entendo que o preço sustentável é de US$ 50 / US$ 60. Pode haver pequenos desvios para cima ou para baixo. Os valores de US$ 150 a US$ 200 foram fruto muito mais de uma conjuntura temporária e de um processo de especulação. Você tem razão, no mundo inteiro o volume efetivamente transacionado, o chamado mercado a termo onde se entrega o produto e se paga, é mais ou menos 1/5 a 1/10 do volume das transações de apostas e especulação nos preços do petróleo para cima e para baixo.

[ Zé Dirceu ] Ele se concretiza mesmo a 10%.

[ Ildo Sauer ] Claro, concretiza-se aí e dá a diretriz de longo prazo.

[ Zé Dirceu ] Virou uma moeda, além de uma commoditie. Um papel.

[ Ildo Sauer ] É um papel. Como um índice na bolsa – o índice do petróleo. É claro que o preço segue estrategicamente uma tendência, que eu prevejo de valorização crescente até que uma outra alternativa, aceitável ambientalmente e socialmente, possa ocupar parte do seu espaço.

Nós trabalhamos estrategicamente na Petrobras para tornar os biocombustíveis essa possibilidade para os anos 2040/2050. Ter uma demanda elevada.

Desde o fim dos anos 90 até agora, a Europa e os EUA estavam com uma taxa pequena, mas constante e estável, de crescimento. A China e a Índia com uma taxa alta, de 10% a 12%, sugando todas as matérias primas, especialmente a energia do mundo. Isso criou um ambiente no qual o minério de ferro e todas as commodities passaram para a conjuntura de longo tempo de depreciação nas perdas e trocas dos países que produziam bens primários dos anos 70 aos 90. De repente, isso se inverte.

Temporariamente, o petróleo caiu para um patamar que me parece razoável. Agora, ninguém terá a bola de cristal para dizer que fica assim se houver uma conflagração internacional, porque muitas empresas investiram bilhões de dólares, e é uma estrutura toda ela interconectada e financiada. Até a Petrobrás, que tem um caixa menor, mas tem.

[ Zé Dirceu ] Mais do que previsão você deu os elementos para poder avaliar.

[ Ildo Sauer ] Falamos de um horizonte de 30 a 40 anos. Veja, com 300 milhões de barris, a Arábia Saudita produz 10 milhões de barris por dia. Se descobrirmos 250 milhões, vamos produzir 10 ou 12 milhões de barris por dia. A definição é um fator qualitativo, político, que já está na mesa há muito tempo e tem sido varrido para debaixo do tapete da discussão.

Qual o excedente econômico produzido pelo petróleo hoje? Vou citar os números do balanço da Petrobrás de 2006 e 2007 – R$ 120 bilhões. Quem compõe a Petrobras? São seus trabalhadores, seus acionistas que tem o capital, os bancos que financiam parte desse capital, e os governos que lhe dão acesso aos recursos naturais, segurança jurídica e tudo o que é necessário para operar.

Essa discussão é importante para quem diz que a Petrobras é uma empresa americana que só vai gerar lucros para as ADRs. Em 2006: R$ 10.4 bi foram para os trabalhadores sob a forma de retribuição pela força de trabalho; R$ 10.9 bi foram para os bancos e financiadores; R$ 27.4 bi foram para os acionistas (30% ADRs Nova York, 30% BOVESPA, inclusive o FGTS); e 40% direto para o governo, para o Tesouro.

Só que desses R$ 27.4 bilhões dos acionistas, só 30%, R$ 9 bilhões, foram pagos como dividendos. O restante foi capitalizado como fundo de reserva para valorizar ações. E os outros R$ 72 bilhões foram para quem? Para todos os governos, federal, estaduais e municipais a título de royalties, participações especiais, impostos e taxações sobre a renda. Há municípios que tem um índice de renda per capita enorme e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixíssimo. E o que foi para o governo federal foi para o superávit primário.

Em 2007, os números foram parecidos: R$ 120 e poucos bilhões. Os trabalhadores ficaram com cerca de R$ 11 bilhões; os bancos com R$ 13 bilhões; e os governos com R$ 72 bilhões. Isso permite mais uma conclusão: a de que a Petrobrás, mesmo do jeito que é hoje, com capital parcial e substancialmente nas mãos das empresas privadas, no fundo, é uma organização social produtora de valor.

Então, de certa forma, aquilo que achamos que é uma discussão só do pré-sal, é uma discussão que está mais do que madura sobre todo o marco regulatório do petróleo. Hoje estamos queimando uma parte pequena do nosso futuro, o petróleo, que não volta mais já que está sendo queimado.

[ Zé Dirceu ] Se nesses seis anos de governo Lula tivéssemos destinado para a Educação essa contraparte do governo federal na Petrobrás que foi para o superávit, tínhamos feito uma revolução social.

[ Ildo Sauer ] É, a intervenção da força de trabalho organizado do sistema Petrobras, e de seus associados sobre a natureza, está gerando um valor econômico enorme, partilhado na sociedade dessa maneira.

Isso desmascara a discussão de que é necessário uma outra “empresinha” para gerenciar a produção do pré-sal, porque o que interessa no processo social de produção é como esta é organizada e como se partilha o seu resultado. Hoje, a partilha do resultado social da produção é essa.

De qualquer maneira, mesmo no regime de concessões, onde o excedente econômico vai em grande parte direto para a concessionária que correu o risco, é esse o resultado. Imagine num contrato melhor de prestação de serviços ou mesmo de produção compartilhada…

A discussão política está em aberto, mas no pré-sal tem que fazer só de prestação de serviço, porque depois de concluído o processo de perfuração, não tem razão de ser diferente. Para outras áreas talvez (o modelo) da produção compartilhada. Se nós pensamos na “empresinha”, devíamos ter pensado no que fazer com a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Não tem porque ter três modelos regulatórios em paralelo: um direto, a “empresinha”, e ao mesmo tempo a ANP continuar com o mesmo discurso e a mesma prática.

Do ponto de vista industrial, é ingênuo acreditar na criação de uma empresa capaz de se desincumbir de uma tarefa tão complexa em curto espaço de tempo, gerenciar de maneira competente, intervir em maior ou menor graus na gestão da organização da produção.

Padrão Petrobras modelou o crescimento da indústria

[ Zé Dirceu ] O pré-sal é uma oportunidade para desenvolver essa indústria.

[ Ildo Sauer ] Sim. O grande impacto que a gestão da Petrobras provocou nos últimos anos foi o de criar aqui dentro a capacitação industrial. Enquanto no Brasil nos anos 60, 70, 80, não tinha a qualidade da qual se falava tanto, foi o padrão Petrobras que modelou o crescimento da nossa indústria.

A segurança no petróleo (para explorá-lo e produzi-l0) exigia isso. Haviam os manuais da Petrobras de fabricação e as empresas orgulhavam-se de atendê-la. Nos anos 90, isso foi meio esquecido. Dizia-se que estava superado, que se compra aonde for mais barato. Foram buscar plataforma em Cingapura.

Felizmente isso foi mudado de 2003 para cá. Mudamos porque a Petrobrás recebia críticas enormes relativas às plataformas de Barracuda e Caratinga feitas pela Hallyburton. Custaram muito mais caro, atrasaram quase 2 anos, e a Petrobras teve que gerir o encerramento dos contratos tecnicamente.

[ Zé Dirceu ] Qual o benefício com a experiência de se fazer aqui dentro?

[ Ildo Sauer ] Primeiro, maior oportunidade de emprego, não só nas plataformas mas, também, nos gasodutos, nas usinas de biodiesel e nos navios de toda a natureza. A indústria naval brasileira ressuscitou desse arranjo produtivo comandado pela Petrobras.

Segundo, o controle de custos. E a vantagem para o país de que, com as plataformas feitas aqui, temos milhares de pessoas empregadas, valor produtivo aqui dentro.

Mas a estatal, inclusive, teve outras vantagens enormes com a mudança, que foi o controle maior do prazo – todos os projetos dessa natureza atrasam normalmente; o fato de estar próxima, ao lado de quem estava gerindo a produção das plataformas; e trabalhar com leis nacionais para controlar o contrato.

Temos toda a estrutura na área da biomassa

[ Zé Dirceu ] O Brasil tem várias outras alternativas além da energia das hidrelétricas. Temos a biomassa, a energia solar, a eólica, gás, excedente de petróleo. Como situar essas alternativas que o Brasil tem para além do petróleo e dos combustíveis fósseis?

[ Ildo Sauer ] Essa plataforma energética brasileira nas outras áreas, a exemplo do que aconteceu com a do petróleo, poderia ser uma alavanca de crescimento econômico e social e de inserção internacional.

Lamentavelmente desperdiçaram parte disso ao focar o trabalho em uma política energética que só evita o apagão. Do ponto de vista da energia elétrica, o Brasil tem um potencial hidráulico enorme. O potencial de grandes usinas chega a 250 mil megawatts – temos 75 mil operando e outros 10 mil/15 mil em avaliação para contratação em Santo Antonio e Jirau. Temos ainda cerca de 150 mil megawatts para desenvolver, 17 mil megawatts de pequenas centrais hidrelétricas.

Temos um potencial eólico que pode chegar a muito mais do que o hidráulico, muito mais espalhado, dependente de regimes de ventos. Embora o custo para explorá-lo ainda hoje seja elevado é, porém, menor do que o custo de Angra III anunciado agora.

Temos toda a estrutura na área da biomassa. A Petrobras tomou a frente nisso a partir de 2003, quando reconheceu que a autosuficiência brasileira estava sendo conseguida à custa de apenas três combustíveis líquidos, que o petróleo tinha esse horizonte de mais 20 a 40 anos de hegemonia, e que nós, no Brasil, tínhamos de caminhar na direção dos biocombustíveis.

O Programa de Biodiesel foi lançado, mas teve dificuldades na forma como foi encaminhado. Desde o começo não trabalhamos suficientemente na construção da cadeia produtiva, aquela que estaria vinculada ao resgate social pretendido e anunciado. A Petrobrás construiu alianças de baixo para cima com a comunidade, Estados e organizações sociais para desenvolver a cadeia produtiva e, sobretudo, desenvolver a tecnologia inexistente no Brasil e no mundo, daquilo que parecia promissor, que era a mamona. Não sei se a mamona é a saída, mas nunca achei que fosse sozinha. Então, houve equívocos. Mas eles podem ser corrigidos. Precisamos construir a cadeia produtiva com um vínculo político.

É preciso um balanço da gestão de energia nos últimos anos

[ Zé Dirceu ] Sem multa…

[ Ildo Sauer ] Precisa ser feito um balanço da gestão e da política de energia nos últimos anos. Ele vai mostrar que no setor elétrico, onde o problema foi maior por causa de uma lacuna regulatória deixada pelo mercado livre, este, de 2003 a 2007, comprou cerca de 25% da energia elétrica (o equivalente a metade do PIB industrial brasileiro) por 25% dos custos e às custas das estatais. Essa lacuna regulatória, que gerou muitas avaliações positivas nas estranhas de certos segmentos, deixou as estatais praticamente quebradas. Ainda ontem, li o resultado de 2004 quando se anunciou o modelo do setor elétrico, e dizia lá: “todos foram ouvidos e o governo só arbitrou”. Se só arbitrou foi em torno das forças mais importantes. O modelo do biodiesel sofreu das mesmas coisas.

[ Zé Dirceu ] Você está pessimista?

[ Ildo Sauer ] O Brasil hoje tem a plataforma energética mais positiva do mundo com o pré-sal, área para os biocombustiveis, e a possibilidade de mudar inclusive a estrutura fundiária e agrícola em termos efetivos. E contamos com energia eólica e com urânio se precisarmos no futuro, com geração de energia com bagaço de cana e com gás natural. Sabe o que falta aqui? Uma eficaz formulação de política e uma eficiente gestão da energia.

[ Zé Dirceu ] Você não construiria mais usina de energia nuclear?

[ Ildo Sauer ] Nem Angra III. Temos 150 mil de megawatts hidráulicos que custam muito menos do que Angra III. Temos de 40 a 50 mil megawatts de eólicas. Temos 17 mil de PCHs. Temos a possibilidade de fazer de 10 a 15 mil megawatts com geração de bagaço de cana. Temos a capacidade de usar o gás natural não nas termelétricas, mas de forma flexível, ou em cogeração.

Não descarto o uso da energia nuclear como uma das formas extremamente necessárias em alguns contextos – China, Japão, Coréia, por exemplo. Mas tem que mudar o tipo de reator nuclear, como vínhamos fazendo no Brasil e paramos. Mas nem isso é prioridade, ainda, pelo contexto.

O que precisamos é reformular nossa política energética compreendendo todas as dimensões e, acima de tudo, montar um eficiente sistema de gestão. Cometemos enormes equívocos de políticas e de gestão de energia nos últimos anos. O preço disso já está sendo cobrado agora.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.zedirceu.com.br.

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