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Os riscos da inserção

Adital – Vivemos em uma sociedade na qual, diante de certos problemas sociais, as pessoas costumam reagir dizendo: “não vi, não ouvi, não sei de nada”. Provavelmente, isso parece mais seguro e cômodo. Os meios de comunicação nos enchem de notícias de guerra e de tragédias humanas e nós assistimos a tudo impotentes e distantes.

As comunidades tradicionais e os mais diversos caminhos espirituais da humanidade ensinam as pessoas a se comprometerem com a vida e com os acontecimentos. Todos os ritos de iniciação contêm certos riscos para significar um compromisso novo com a sociedade e o mundo. Nas aldeias indígenas, adolescentes correm riscos em caçadas perigosas para voltar à aldeia e serem considerados cidadãos na comunidade. No Judaísmo, o rito da circuncisão celebra o sangue derramado como sinal de um sofrimento que vale a pena viver pela inserção na comunidade. No Cristianismo, o batismo deveria ter esta função. Batismo é um termo grego que significa mergulho. No mundo antigo, para serem aceitos ao batismo, os cristãos deveriam provar que enfrentavam os riscos de serem mal vistos pelo Império, além do assumir um estilo de vida alternativa. O batismo, feito nas águas, continha certa noção de afogamento, do qual a pessoa saía para uma vida nova.

Na tradição popular, muitas vezes, as pessoas ainda batizam filhos para eles não ficarem pagãos. Em alguns casos, pensam até que, batizados, terão mais saúde. Na realidade, com a massificação da Igreja e o costume de batizar crianças recém-nascidas, ficou mais difícil perceber a natureza profética do batismo. Neste domingo, ao recordar a festa do batismo de Jesus, – uma festa importantíssima para as Igrejas do Oriente – católicos, luteranos e anglicanos são convidados a retomar o sentido mais profundo da fé e do batismo como inserção profética no mundo.

O batismo de Jesus foi um ato de inserção. Ele se assumiu como dos muitos devotos que recebia a benção e o perdão do profeta João Batista. No caso de Jesus, a novidade foi que, segundo os evangelhos, neste momento do batismo, o Espírito de Deus desceu sobre Jesus e lhe deu uma vocação profética. Ele assumiu a figura do profeta servidor de Deus e se tornou sinal e instrumento do amor divino no mundo.

O batismo dos cristãos não tem relação com o batismo de João. É mais um gesto para aplicar à nossa vida as conseqüências da morte e da ressurreição de Jesus. Isso significa que quem é batizado deveria viver um estilo de vida nova e propor ao mundo um novo modo de organizar a vida e a sociedade. Por isso, o batismo deve sempre conter um rumo de inserção em uma comunidade e um projeto de vida nova.

Este janeiro de 2009 será marcado no Brasil pelo evento do 9º Fórum Social Mundial e por vários fóruns que acontecerão em Belém nesta ocasião. Um destes fóruns é o 3º fórum mundial de Teologia e Libertação. Para quem se perguntava se a Teologia da Libertação ainda existia ou se tinha morrido, este fórum revela que não só continua forte, como atualmente não é mais somente latino-americana e sim mundial. Teremos teólogos/as da Ásia, da África, da Europa e da América do Norte, ao mesmo tempo, contaremos sim com os nossos pioneiros que vieram da América Latina.

Há 40 anos, em meio aos movimentos sociais que buscavam a transformação do continente, muitos cristãos e cristãs, em nome do seu batismo, começaram a se inserir nesta caminhada pela justiça. No decorrer da história, muitos deles foram mortos por isso. Desta experiência, se fortaleceu a Teologia da Libertação, uma reflexão de fé a partir da realidade da história para ajudar as pessoas a ligarem a fé com a justiça.

Ao me consagrar a uma Teologia Pluralista da Libertação, tenho muita em lidar com uma linguagem cristã que fala do Cristo de forma arrogante, como fundamento primeiro da Teologia, desligando-o das pessoas comuns e de tantos sinais do amor divino, como Buda, Maomé, Xangô, Zumbi dos Palmares e tantos outros instrumentos da atuação de Deus no mundo. Ao aceitar ser batizado, justamente, Jesus se insere nesta realidade e se torna um irmão no meio dos outros a recordar ao mundo o projeto divino.

Como batismo quer dizer mergulho, não podemos deixar de recordar que as águas se tornam instrumentos desta inserção profética na vida divina e na realidade humana. No mundo antigo, os pais da Igreja diziam que quando Jesus desceu às águas do Jordão, as águas foram lavadas e ele foi o restaurador de todo o universo. Hoje, trabalhamos pelo respeito e dignidade da água e vemos no sinal do batismo um gesto que é de profecia divina e é de cuidado ecológico. Aliás, o tema do 3º Fórum Mundial de Teologia e Libertação é justamente “Teologia e Ecologia”.

Para muitos que insistem em uma espiritualidade que consiste apenas em rezar e confessar o nome de Jesus, de uma forma meio desligada da vida, Jesus recorda no Evangelho: “Não é quem me diz ´Senhor, Senhor´ que entra no reino, mas quem faz a vontade do meu Pai que está no céu” (Mt 7, 21). E com relação aos pobres: “é o que fizeste a um destes pequeninos, a mim o fizeste” (Mt 25, 40).

Por Marcelo Barros, que é monge beneditino e escritor.

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Brasil – Entrevista especial com Marcelo Barros

Adital –
Relacionar a questão do pluralismo cultural e religioso à ecologia é um dos desafios que a teologia enfrenta hoje. Para colaborar nessa discussão, o teólogo e monge beneditino Marcelo Barros participará do III Fórum Mundial de Teologia e Libertação, que ocorre em Belém, no Pará, nos próximos dias 21 a 25 de janeiro. Seu desejo é “aprofundar a fé e o projeto divino a partir da realidade dos povos empobrecidos e dos atuais problemas do mundo”. Nesse sentido, a responsabilidade da Teologia, segundo ele, é denunciar.

Nesta entrevista especial, concedida por e-mail à IHU On-Line, Barros afirma que, “para uma nova relação de respeito e de comunhão do ser humano com a natureza, não basta boa vontade ou ideologia ecológica”. Para ele, um caminho novo só será possível se os governos perceberem que “o capitalismo é, por essência, depredador” e que não existe um desenvolvimento sustentável dentro dele. E também critica o atual governo, especialmente o PAC, por ainda não ter rompido com a lógica do capitalismo no que se refere às questões ambientais.

Marcelo Barros é monge beneditino e biblista. Membro da Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT), é autor de 32 livros, entre os quais o recém-lançado “O Amor fecunda o Universo – Ecologia e espiritualidade” (Editora Agir, 2009), em coautoria de Frei Betto.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os principais desafios e possibilidades que a Teologia da Libertação enfrenta hoje?

Marcelo Barros – Um importante desafio continua sendo aprofundar a fé e o projeto divino a partir da realidade dos povos empobrecidos e dos atuais problemas do mundo. A Teologia da Libertação se desenvolveu nas décadas de 70 e 80 a partir da inserção dos cristãos nos processos sociais latino-americanos (sandinistas na Nicarágua, FSMN em El Salvador, Cristãos para o Socialismo na Argentina e no Chile, CEBs e movimentos populares no Brasil, e assim por diante). Hoje, existe um processo de transformações sociais em curso em vários países da América Latina. Na Venezuela, fala-se em revolução socialista bolivariana; no Equador, em uma sociedade cidadã; na Bolívia, em uma revolução a partir da valorização das culturas indígenas. Onde está nisso tudo a Teologia da Libertação?

Outro importante desafio atual é reelaborar a Teologia da Libertação a partir da realidade diversa de um mundo pluralista e da responsabilidade das diversas religiões e tradições espirituais de contribuir com a paz, a justiça e o cuidado com a criação.

IHU On-Line – Pode esboçar alguns pontos que vão ser debatidos no Fórum, especialmente em sua conferência?

Marcelo Barros – Não terei propriamente uma conferência no Fórum. Penso que coordenarei uma oficina entre as muitas nas quais os participantes do Fórum de Teologia se dividirão, e essa oficina terá como tema “O Pluralismo Cultural e Religioso e o Desafio Ecológico”. Ali apresentarei o novo livro que está saindo de autoria minha e do Frei Betto: “O Amor fecunda o Universo – Ecologia e Espiritualidade”.

IHU On-Line – Quais são as articulações da teologia hoje? Existem debates teológicos com a sociedade civil em nível nacional ou latino-americano?

Marcelo Barros – Para haver pesquisa teológica, é necessário respirar-se um clima de liberdade e de diálogo respeitoso nas Igrejas e no mundo. Em vários países da América Latina, a teologia índia está presente no processo que, a partir das comunidades índias, repensa a organização social e política da sociedade e do mundo de forma a respeitar a diversidade, a interculturalidade e assim por diante. No Brasil, o fato do Fórum Social Mundial ter escolhido como tema a Amazônia e o 3º Fórum Mundial de Teologia e Libertação ter também assumido o tema da Ecologia conduz, nessa direção, os debates mais atuais.

IHU On-Line – Dados de 2005, indicam que a contaminação das águas no Brasil aumentou cinco vezes desde 1995, e que, desde 2000, o país foi responsável por cerca de 74% da área desmatada na América do Sul. Ao mesmo tempo, muito se critica os desafios ecológicos. Mas por onde se pode iniciar uma proposta mais articulada quando ainda se vê pouco apoio do governo? Por onde iniciar uma reflexão que ajude a uma mudança de mentalidade social e até religiosa com relação à natureza?

Marcelo Barros – Para uma nova relação de respeito e de comunhão do ser humano com a natureza, não basta boa vontade ou ideologia ecológica. Enquanto os governos não perceberem que o capitalismo é, por essência, depredador, e que não existe verdadeiramente um “desenvolvimento sustentável” dentro desse sistema, não temos possibilidade de um caminho novo. Estão aí os projetos de hidroelétricas na Amazônia e do desvio das águas e a construção dos canais do São Francisco para provar. Não é apenas com PAC que o governo cuida dessa questão. Romper com a lógica desse sistema é fundamental. Não podemos continuar aceitando que, entre uma estrada e um matinho, fiquemos com o desenvolvimento.

A responsabilidade da teologia nesse contexto é denunciar (alguns teólogos se pronunciaram com muita propriedade e clareza quando a ministra Marina Silva se sentiu obrigada a pedir demissão do ministério do Meio Ambiente). Além disso, temos de favorecer, desde o início, o processo de uma nova educação nas escolas, nas Igrejas e em todos os setores da sociedade. É por meio de uma nova educação que poderemos mudar isso.

IHU On-Line – Em que pontos a teologia e a ecologia convergem atualmente? Como a teologia pode ajudar a responder aos “gemidos da criação”?

Marcelo Barros – Para responder aos “gemidos da criação”, temos antes de ser capazes de “escutá-los” e compreendê-los em sua natureza complexa e suas causas.

A teologia eco-feminista, que associa a tragédia que ocorre com a Terra à opressão infligida durante séculos à mulher, une a ecologia social (igualdade homem-mulher) à Ecologia ambiental. E a Teologia Pluralista da Libertação procura resgatar e revalorizar as antigas expressões espirituais das culturas indígenas e negras que adoram a divindade nas suas manifestações na terra, na água e em todos os elementos da natureza.

IHU On-Line – A partir da figura de Cristo, que guia e orienta tantas denominações cristãs no mundo, como entender a ecologia? Qual foi a relação dele com a criação e como ele nos ensina a conviver com os demais seres não-humanos?

Marcelo Barros – Quando o quarto evangelho diz: “A Palavra de Deus se fez Carne”, podemos compreender que todo o universo, com a imensidade da sua “comunidade da vida”, não somente se torna uma espécie de presépio permanente para a manifestação humana de Deus, na pessoa de Jesus Cristo, mas também é assumida mesmo pela encarnação como uma espécie de extensão do corpo do Cristo. Os evangelhos e cartas, escritos tantos anos depois, não tinham nenhuma preocupação de falar em ecologia ou de aprofundar o que Jesus poderia nos dizer sobre isso. São testemunhos de como ele nos manifestou o projeto divino que os evangelhos chamam de “reino de Deus”.

Diversas parábolas do evangelho e diversas palavras de Jesus nos mostram que a comunhão com a natureza é fundamental como caminho de intimidade com Deus. É assim que, no sermão da montanha, ele nos convida a “olhar as aves do céu e os lírios do campo” (Mateus 6, 27-28), para aprender deles a simplicidade e a viver no essencial, preocupação, hoje, tão atual com o desafio de uma sociedade que não é sustentável e não pode mais manter o mesmo ritmo de crescimento de antes. Ele nos estimula a construir a casa sobre a rocha e a abrir os olhos aos sinais do reino presentes em torno a nós no mundo. Hoje, todo o universo parece crucificado com Cristo (não são mais somente, como dizia Jon Sobrino, “os povos crucificados”). É preciso crer na ressurreição e ser testemunhas disso. Eu procuro desenvolver uma teologia ecológica da eucaristia: a ceia da partilha e da comunhão na qual a presença de Cristo se dá através dos elementos básicos da vida e da natureza.

Hoje, cada vez mais aumenta o número das pessoas que levantam a questão dos direitos dos animais e a necessidade da nossa sociedade mudar totalmente a forma como os animais são tratados como objeto para o consumo e maltratados imensamente para engordar mais rápido e para ser sacrificados com mais lucro. Quem aprofunda uma espiritualidade ecológica começa a pensar em um vegetarianismo de paz e não-violência com as outras espécies animais.

IHU On-Line – O que seria uma espiritualidade libertadora? Que grupos e/ou experiências você pode salientar nesse sentido?

Marcelo Barros – Se a espiritualidade significa “deixar-se conduzir pelo Espírito”, a experiência de muitos de nós é que podemos vivenciar isso na prática da solidariedade. Desde 1978, assessoro e acompanho a Pastoral da Terra. Tenho de confessar que, poucas vezes, vivi experiências verdadeiramente místicas, quase de êxtase, como quando acompanhei uma ou outra comunidade de lavradores sem-terra a ocupar um terreno incultivado. Cantando e orando pela madrugada, eu me senti plenamente refazendo o Êxodo bíblico e pude experimentar a presença divina junto àquele povo.

É verdade que vivo isso também quando participo de algum culto afro-brasileiro no Candomblé. Todo dia, procuro encontrar essa intimidade com Deus no sacramento e posso dizer que a encontro na escuridão e sobriedade da fé, Mas, no outro e no diferente, parece que ele se excede e grita para nós sua presença e seu amor. Todos os grupos que vivem a solidariedade como expressão de fé vivem uma espiritualidade libertadora.

Para mim, são exemplos e testemunhas de espiritualidade libertadora, o padre Júlio Lancelotti em São Paulo (ele, as irmãs beneditinas e equipe) no trabalho com o povo da rua e com as crianças que têm Aids. Continuo vibrando com o testemunho profético de irmãos como Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomás Balduíno e outros pastores que não descansam na sua profecia. E devo dizer com sinceridade que o MST, mesmo sendo um movimento leigo e que não tem nenhuma opção religiosa, sempre me toca pela força espiritual que sinto neles, em cada contato e em cada evento do qual participo.

Por Instituto Humanitas Unisinos.

ARTIGO E NOTÍCIA COLHIDOS NO SÍTIO www.adital.org.br.

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