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Estado e produtividade

O Estado brasileiro atual diferencia-se profundamente daquele que predominou durante o regime militar (1964 – 1985). Naquela oportunidade, por exemplo, o setor público respondia por 12,2% do total de ocupados do país, enquanto em 2007 foram apenas 11,3%. Nos países com Estado de Bem-Estar desenvolvido, a presença do emprego público supera, e muito, a registrada no Brasil. Apesar da queda relativa da participação dos servidores públicos no total da ocupação nacional (-7,4%), as ações efetuadas pelo Estado não diminuíram. Pelo contrário, a despesa líquida agregada do setor público (descontado o pagamento com juros da dívida pública) aumentou significativamente (32,5%), passando de 22,8% para 30,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no mesmo período.

Em síntese, o avanço da despesa pública em relação ao PIB, combinado com a redução relativa do emprego público no total da ocupação brasileira, aponta para inegáveis ganhos de eficiência do Estado no regime democrático atual. Essa melhora no desempenho do setor público não se traduziu apenas pela ampliação dos beneficiários de programas de garantia de renda, como a previdência e assistência social, que, em 2008, atenderam a 33,1% do conjunto da população. No ano de 1980, os programas governamentais de transferência de renda existentes alcançaram somente 6,5% dos brasileiros. Em 28 anos, o contingente de beneficiados por programas de transferências sociais foi multiplicado por 5,1 vezes, enquanto a somatória dos recursos públicos comprometida com essas políticas governamentais em relação ao PIB foi duplicada. Em 2008, por exemplo, 15,3% do PIB foram direcionados para transferências sociais, ao passo que em 1980 representavam somente 7,3% do PIB.

Para além do avanço das políticas de garantia de renda executadas pelo Estado democrático, pode-se mencionar outras experiências exitosas de expansão no grau de eficiência do setor público. No caso da educação, por exemplo, observa-se que no ano de 1980 havia 19,3 milhões de alunos matriculados no ensino público fundamental no Brasil, o que significou 2/3 do atual contingente de alunos do ensino público fundamental. O setor público, que nos dias de hoje representa 84,2% do conjunto dos estabelecimentos educacionais existentes no país, também responde por 87,1% de todos os alunos matriculados.

Ao contrário dos pressupostos neoliberais, que ainda se sustentam na anacrônica defesa da ineficiência do Estado, constata-se o crescimento da produtividade no setor público brasileiro. A respeito disso, deve-se considerar a existência de diversas possibilidades de medida da produtividade na administração pública, quase todas complexas e, por isso, muitas vezes rejeitadas sem criteriosa análise técnica pela base do pensamento anti-Estado no Brasil. Diante do contexto atual de acelerada transição para a sociedade pós-industrial, acompanhado por crescente importância do trabalho imaterial realizado cada vez mais independentemente de local próprio de trabalho e a qualquer horário, a mensuração e acompanhamento da produtividade assumem valor estratégico na percepção sobre o rumo do desenvolvimento de uma nação. Como o resultado das atividades do setor terciário tende a ser, em geral, cada vez mais intangível, permanece a problemática da medida de sua efetividade, embora seja possível a sua identificação, mesmo que na forma de proxy a partir das informações oficiais atualmente disponíveis. Esse tem sido o esforço metodológico de muitas instituições de pesquisa de referência internacional, como o Centre for the Measurement of Government Activity, do Reino Unido; o Partnership Resource Centre, da Nova Zelândia; e o National Center for Public Productivity, dos Estados Unidos; para procurar avaliar o desempenho do Estado. Tendo por base o uso de várias fontes de informações, entre elas as contas nacionais, estudos e análises têm sido desenvolvidos com o intuito de conceder maior transparência e aferir a produtividade nos serviços públicos.

No Brasil, contudo, o debate público a respeito do Estado permanece ainda ideologizado. Torna-se cada vez mais necessário considerar informações quantitativas e qualitativas que permitam monitorar e avaliar o desempenho dos serviços públicos. Ao se tomar como referência as contas nacionais, por exemplo, percebe-se que a evolução da produtividade agregada na administração pública se manteve positiva durante o período da estabilidade monetária, ainda que oscilante. De certa forma, manteve tendência não muito distinta do desempenho verificado pelo setor privado, apesar de ambas serem modestas em relação às economias que competem com o Brasil na cena internacional. Mesmo que a produtividade nacional da administração pública por servidor se diferencie da do setor privado, destaca-se a prevalência de patamares superiores ao longo dos últimos anos. Ao contrário do senso comum, o desempenho do setor público agregado demonstrou estar acima do setor privado.

Na previdência social, a relação entre benefícios emitidos e servidor público pode ser um bom indicador de produtividade. Em julho de 2009, por exemplo, a previdência social contou com 39,3 mil servidores, que emitiram 26,6 milhões de benefícios, enquanto em dezembro de 1996 existiam 49,5 mil funcionários para 16,5 milhões de benefícios emitidos. Resultado observado: avanço da produtividade do servidor público na emissão de benefícios de 116,4% no período de quase 13 anos.

Outra forma de conceder transparência ao desempenho do serviço público pode ocorrer por meio da comparação internacional de indicadores sobre produtividade agregada ou setorial. Quando se considera, por exemplo, a informação derivada das contas nacionais, nota-se que a evolução no desempenho do serviço público no Brasil descolou-se do verificado no Reino Unido. Entre 1999 e 2006, a produtividade do serviço público no Brasil cresceu 5,1%, enquanto no Reino Unido decresceu 3,3%. Sem desconhecer a quantidade e qualidade que marcam os serviços públicos entre diferentes nações, cabe apontar que a simples afirmação neoliberal a respeito do setor público ineficiente requer cautela e mais estudos lastreados em maior embasamento técnico.

Por Marcio Pochmann, que é professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas, e é o atual presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

ARTIGO COLHIDO O SÍTIO www.valoronline.com.br.

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