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Novos e sutis discursos acadêmicos reforçam ataques aos movimentos sociais

As investidas dos grandes veículos de comunicação contra os movimentos sociais, a cada vez que estes intensificam a sua atuação, não são mais novidade para aqueles que acompanham a conjuntura política e social e as interpretações de mídia associadas a essa conjuntura. As críticas frontais àquilo que seria considerado vandalismo, desordem ou uma afronta ao direito de propriedade sempre foram a reação imediata e notória da mídia corporativa e dos poderosos interesses econômicos a ela atrelados. O ‘outro lado’ surge no máximo ali nos cantos ou pés de página, em rasas e insuficientes pinceladas.

Menos notório, no entanto, é o fato de que, a esse método mais tosco de criminalização dos movimentos sociais, vem sendo a cada dia mais associada uma outra forma de desqualificação desses movimentos, mais sofisticada e sutil. Não é tão recente assim, mas, utilizada em proporção bem menor, fica mais difícil a percepção pelo público.

O MST e uma das causas do movimento, a reforma agrária, são os dois temas que mais mobilizam as iras midiáticas, pela dimensão que adquiriram no contexto nacional. E já nos idos do governo FHC antevia-se essa nova forma mais sutil em busca de desprestigiá-los, diante do modo insidioso como determinados discursos acadêmicos procuravam desconstruir o movimento e suas bandeiras, a partir de aparente neutralidade.

Entrevista concedida pelo sociólogo José de Souza Martins ao Programa Roda Viva em maio de 2000 foi emblemática da maneira como um discurso intelectual, que destacava estudos acerca da questão agrária no Brasil, adotava tática sutil de desmerecimento da atuação do MST. O movimento estaria perdendo seu importante caráter de criatividade, uma vez que, cada dia mais, se tornava portador de uma ‘ideologia partidária’, segundo destacado pelo entrevistado. À época em que o PT ainda era oposição, por ‘ideologia partidária’ subentendia-se ‘ideologia petista’.

Pode-se fazer intensa discussão e questionamento quanto às reiteradas afirmações do próprio MST no que se refere à sua autonomia relativamente a partidos e governos. Mas o tom e organização dados à fala do sociólogo, bem como a lógica de sua argumentação, não deixaram passar despercebido aos observadores atentos a tentativa que estava em jogo. Ao mesmo tempo em que se desqualificava de modo ‘elegante’ o MST, erigiam-se as bases para que, ao governo FHC, mesmo com seu modelo desestruturador da agricultura familiar, pudesse ser creditado um avanço da questão agrária no Brasil.

O governo Lula e a mídia

No governo Lula, o presidente operário teoricamente amigo dos movimentos sociais, criou-se situação esquizofrênica. Setores mais à esquerda enxergam um evidente distanciamento do atual governo relativamente às demandas dos sem terra quanto à execução de uma autêntica reforma agrária – a partir de uma grande ambigüidade em suas relações recíprocas. Os críticos mais à direita, por sua vez, vêm insistentemente acusando o MST de se utilizar de modo indevido dos recursos públicos, ao mesmo tempo em que ‘simularia’ críticas à política federal.

Para aqueles que defendem mudanças estruturais e uma real emancipação da população, não restam dúvidas quanto ao afastamento de Lula das causas populares e da reforma agrária. E o fato é que, nesse afastamento, acaba por se reforçar o ataque perverso, vindo de tantos outros fronts, a que estão sujeitas as causas sociais. Um dos mais perversos tem sido as novas ‘construções intelectuais’ sobre a viabilidade histórica e a efetividade da reforma agrária na atual conjuntura, bem como sobre a oportunidade de um movimento como o MST.

Tecidas agora no contexto de um governo originalmente mais próximo das causas populares, tais ‘construções intelectuais’ são elaboradas paralelamente às criminalizações diretas do movimento, e são particularmente visíveis em momentos em que os sem terra intensificam suas ações. Logo após o tradicional abril vermelho de 2007, por exemplo, dentre as noções ventiladas com maior peso, chegou-se mesmo a negar à reforma agrária qualquer sentido atual. Algumas circunstâncias seriam decisivas para esta noção: a conclusão da urbanização, tornando desnecessária a reforma agrária como propulsora do mercado interno; a diversificação do mundo rural, incrementando a oferta de alimentos de forma a suprir a demanda; e a difusão da informação, tornando inócua a justificativa política quanto à democratização no campo.

O geógrafo aposentado da USP Ariovaldo Umbelino, nesse mesmo ano entrevistado pelo Correio, chamava atenção para o quão parcial e manipulado é o uso das estatísticas, a fim de se chegar a tais conclusões. Sobre a questão da urbanização, “utiliza-se sistematicamente o indicador do percentual de população rural em relação à população urbana. E é claro que este vem caindo. Mas ninguém olha qual é o dado da população rural total, número que não caiu como estão dizendo”, ressalta Umbelino. Quanto à oferta de alimentos, o geógrafo fez uma indagação básica: “Se estivesse resolvida a questão da oferta de alimentos, por que precisaríamos importar arroz, importar feijão?”.

O MST, a Cutrale e os novos discursos ‘acadêmicos’

Em vista dos últimos acontecimentos envolvendo o MST e a Cutrale, artigo na Folha de S. Paulo de 14 de outubro, do sociólogo Zander Navarro, vem novamente trazendo uma bateria de argumentos questionadores da reforma agrária. Começa-se por questionar a repercussão do Censo Agropecuário 2006, que teria sido ‘monótona’, na medida em que ressaltou à exaustão as desigualdades na distribuição da terra. Teria sido, além disso, ingênua ao situar a agricultura familiar como um agrupamento oposto a um ‘indefinido’ agronegócio.

O Censo Agropecuário divulgado recentemente pelo IBGE, abrangendo o período de 1995 a 2006, revela evidentes distorções na distribuição da propriedade e da produção no Brasil. Aqueles que possuem propriedades inferiores a 10 hectares tiveram áreas reduzidas de 9,9 milhões para 7,7 milhões de hectares, representando apenas 2,7% de todas as propriedades agrícolas do país. Por outro lado, 31.889 fazendeiros, possuidores de propriedades com extensões acima de mil hectares, respondem pela titularidade de 98 milhões de hectares. Quanto à concentração da produção, a agricultura familiar, responsável por mais de 80% dos alimentos que chegam às nossas mesas, produziu 50 dos R$ 141 bilhões do Valor Bruto da Produção Agrícola de 2006. E recebeu apenas R$ 6 bilhões de crédito.

Para o sociólogo supracitado, esses seriam, no entanto, dados que teriam gerado uma repercussão meramente ‘impressionista’ e nenhuma análise. Questões em sua visão essenciais foram negligenciadas: a expansão dos estabelecimentos com eletricidade, o crescimento da soja e a forte redução do pessoal ocupado. O termo agricultura familiar não conformaria, ademais, um conceito, tratando-se de algo meramente descritivo. Assim como seriam ‘fantasmagóricas’ e ‘míopes’ as denúncias sobre a existência de latifúndios improdutivos, vez que as reais causas das desigualdades sociais não mais seria a propriedade rural, mas, sobretudo, processos urbanos.

Não é de surpreender que, a partir dessas noções, o sociólogo ressalte os ‘enfáticos’ dados do Censo pelos quais 55% do total de estabelecimentos respondem por 81 % do valor da produção, o que sinalizaria um ‘princípio férreo de produtividade’. Pensar a partir de dados tão agregados é, realmente, a maneira mais adequada para respaldar a sua visão sobre a agricultura. Um modo no mínimo parcial de enxergar a realidade. E talvez bem mais ‘impressionista’ do que aquele que faz opção por visualizar os dados relativos à superioridade da agricultura familiar no valor total da produção.

A negação da questão agrária

Em entrevista à Revista Fórum em 15 de outubro, o ex-deputado constituinte e diretor desse Correio Plínio de Arruda Sampaio ressaltou que “estamos em meio a uma ofensiva fortíssima da direita e da mídia da direita. O motivo que eu vejo é que tem já um palanque para 2010. E isso reflete um pouco das contradições internas no seio da burguesia agrária, que está sendo esmagada pelo grande agronegócio. Ela está ficando meio ensanduichada entre a pequena agricultura e o grande capital, avassalador. Esse setor, que é de grandes proprietários, não quer ouvir falar em mudança da propriedade ou em qualquer coisa que possa desapropriar”.

Não é preciso, portanto, ir muito mais adiante para entender o que está por trás dos ataques da mídia contra o MST e dos novos e cuidadosos discursos que vêm sendo construídos. Afinal, cada um olha para o seu rebanho, e é para a defesa dos poderosos capitalistas agrários que se voltam discursos acadêmicos tais como os citados ao longo desse texto. “O discurso contra a reforma agrária é feito para encobrir essa realidade cruel da estrutura fundiária brasileira, a serviço de interesses determinados e de grupos políticos específicos. Essa argumentação tem o propósito de encobrir ideologicamente todo esse quadro que envolve a apropriação privada da terra no Brasil”, ressalta o geógrafo Ariovaldo Umbenlino.

Em artigo recém publicado neste Correio, o economista Guilherme Delgado, a partir de uma reveladora retomada histórica da questão agrária nacional, também comenta a negação dessa questão por parte do capital agrário. “Esse divórcio da política agrária relativamente aos fundamentos do direito agrário não é efeito sem causa. Reflete uma estratégia privada dos grandes proprietários fundiários, associados ao grande capital e ao Estado, produzindo e reproduzindo no Brasil a chamada ‘modernização conservadora’ da agricultura, no âmbito da qual se nega peremptoriamente a existência de uma questão agrária nacional”.

Olho vivo

Está na mesa do presidente a proposta de atualização dos índices de produtividade da terra, defasados desde 1975, corroborando com a estrutura agrária nefasta, em benefício do grande capital fundiário. Ao mesmo tempo, e não coincidentemente, crescem no Congresso as movimentações em torno da instalação de mais uma CPI do MST. Olho vivo no que vem por aí.

Por Valéria Nader, que é economista e editora do Correio da Cidadania.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.correiocidadania.com.br.

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Dilma diz que reforma agrária brasileira põe o país “na vanguarda” da democratização da terra

São Paulo – A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, discordou nesse domingo da posição manifestada por um dos coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Paulo Rodrigues, segundo a qual o processo de distribuição de terra no país estaria lento. Ela apresentou balanço que mostra que no período de 2003 a 2008 foram feitos assentamentos em 43 milhões de hectares.

Para Dilma, a área é significativa “e coloca o Brasil na vanguarda do processo de democratização da terra”. Comparando com outros países, ela afirmou que a Bolívia tem uma ação significativa de implantação da reforma agrária, mas com uma área de assentamento bem menor: 18 milhões de hectares de 2006 até este ano.

Segundo ela, na Nicarágua, de 1979 a 1986, foram 2,8 milhões de hectares ocupados com assentamentos. No Chile, essa área foi de 5,5 milhões de hectares; em Cuba, 5 milhões de hectares e na Venezuela, 2 milhões de hectares.

Além disso, ela observou que o atual governo apoiou o movimento com linhas de crédito e com assistência técnica. Dilma criticou os governos anteriores, dizendo que “no passado se assentavam as populações e as abandonavam”.

Outro benefício que Dilma destacou foi o Programa Luz para Todos, que permitiu aos pequenos produtores facilidades como resfriar o leite, processar alimentos, como a transformação de mandioca em farinha e conservar o peixe.

Sobre a invasão do MST a uma fazenda de laranjais pertencente à empresa Cutrale, ela disse que o governo tem uma posição clara de apoiar os movimentos sociais e respeitá-los, mas não pode ser complacente com qualquer ato ilegal.

Dilma Rousseff deu a entrevista depois de participar de um encontro do Partido dos Trabalhadores com líderes de movimentos populares.

Por Marli Moreira – Repórter da Agência Brasil. Edição: Tereza Barbosa.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.agenciabrasil.gov.br.

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Cutrale, símbolo do agronegócio internacionalizado

Empresa representa o processo de concentração de terras, produção e capital ensejado pelo modelo de subordinação da agricultura brasileira

O episodio da ocupação pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de uma das fazendas “invadidas” pela empresa Cutrale, de terras públicas da União na região de Iaras (SP), suscitou todo tipo de especulações na imprensa e, sobretudo, motivou os parlamentares ruralistas a pedirem uma nova CPI do MST e da reforma agrária.

Sobre o caso, ficou evidente a manipulação da mídia ao veicular a cena da derrubada de pés de laranja pelas famílias. Reprisado insistentemente em todos os programas, por todos os canais de televisão, foi o suficiente para demonizar todas aquelas pobres famílias que estão há mais de cinco anos debaixo de lonas pretas esperando o direito de trabalhar na terra.

Vandalismo!

A chamada “grande” imprensa não quis continuar pesquisando as outras denúncias de depredação de máquinas e “roubos” de casas de empregados, pois ficou evidente o circo armado pelo serviço de inteligência da Polícia Militar (PM), em conluio com a empresa, para criar um clima desfavorável às famílias. Logo, todas as autoridades, colunistas, políticos e assemelhados foram para a mídia esbravejar: vandalismo, vandalismo! Sem pensar e se perguntar quem teria feito de fato aquilo.

As famílias negam que tenham furtado qualquer objeto e destruído tratores. Aliás, para destruir tratores, precisariam, convenhamos, de uma certa dose de força bruta. E mais. Por que não se fez uma investigação? Uma simples perícia iria identificar que aqueles tratores estavam desmontados há muito tempo pela oficina de reparos da empresa, existente na fazenda.

Mas tudo isso é manobra dispersiva. Primeiro, para esconder que na região há 200 mil hectares de terras da União que vêm sendo sistematicamente griladas. E griladas por empresas cujos donos circulam por altas rodas da socialite paulistana. Mas mesmo assim o Incra já recuperou mais de 20 mil hectares que hoje assentam famílias de trabalhadores. Segundo, para esconder que a Cutrale “comprou” a área há apenas 5 anos, sabendo que não havia titulação, que havia um processo na Justiça por reintegração de posse pelo Incra. Por que então a Cutrale apostou em comprar terras baratas e griladas e enchê-las de laranja? Graças a seu poder de influência na sociedade brasileira e paulista.

A Cutrale é o símbolo do processo de concentração de terras, produção e capital ensejado por esse modelo de subordinação da agricultura brasileira aos interesses do capital internacional.

Omissão

Ninguém da “grande” imprensa noticiou que a Cutrale possui nada menos do que 30 fazendas em São Paulo e Minas Gerais, totalizando 53.207 hectares. E que, destes, seis fazendas com 8.011 hectares são classificadas pelo Incra, no recente cadastro de 2003, como improdutivas; portanto, passíveis de desapropriação. Entre as 30 fazendas não consta a área grilada de Iaras, pois não é de sua propriedade (veja tabela abaixo).

Uma colunista teve coragem de noticiar os vínculos partidários e as polpudas verbas gastas pela empresa nas campanhas eleitorais, em apoio a todos os partidos.

O fato é que a Cutrale é símbolo desse modelo de agronegócio subordinado ao capital internacional. Uma empresa de origem familiar do interior de São Paulo se vincula ao mercado externo, se associa com a Coca-Cola e passa a controlar, em poucos anos, a maior parte do mercado de laranja do Brasil e 30% de todo o mercado mundial de sucos. Hoje, cerca de 90% do suco produzido no Brasil é exportado.

Monopólio

Em poucos anos, o setor se transformou, de muitas e médias agroindústrias e de milhares de pequenos e médios produtores de laranja, num setor altamente oligopolizado. Hoje são apenas quatro grupos que controlam toda laranja: Cutrale (mais ou menos 60%); Citrosuco; Louis Dreifus Commodities – LDC (francesa); e Citrovita, da Votorantim.

A Cutrale tem esse poder todo porque possui uma empresa associada (joint venture) à Coca-Cola mundial nos EUA, de quem é fornecedora exclusiva em escala mundial. Por isso sua condição de empresa “Ltda.”, pois já é parte (menor) do monopólio mundial da Coca-Cola.

Numa reportagem de 2003, a insuspeita revista Veja denunciou a empresa Cutrale de ter subsidiária nas ilhas Cayman, como forma de aumentar seus lucros, ou quem sabe de evasão fiscal… e saiba Deus mais o quê.

Exploração

Essas empresas passaram a comprar terras e assim garantem uma base da produção de laranja suficiente para impor preços e condições draconianas aos pequenos e médios agricultores que antes produziam laranja para um mercado concorrencial. Os trabalhadores dos laranjais são superexplorados com salários ridículos, pagos por produção, sem nenhum direito trabalhista.

O resultado de todo esse processo foi que milhares de pequenos e médios agricultores tiveram que abandonar a produção de laranja. Entre 1996 e 2006, foram destruídos, segundo o Censo Agropecuário do IBGE, somente em São Paulo, nada menos do que 280 mil hectares de laranjais.

Mas a Globo não fez nenhuma reportagem. Nem o serviço de inteligência da PM de São Paulo se preocupou em filmar porque os pequenos e médios agricultores estavam destruindo seus laranjais!

Os parlamentares ruralistas realmente não têm consciência de sua classe – da burguesia rural. Em vez de defendê-la, ficam sempre puxando o saco da burguesia internacional. Razão tinha mesmo o nosso saudoso Florestan Fernandes: faltou-nos uma revolução burguesa nesse país, que pelo menos lhe desse sentido de classe e consciência de nação.

Por Ariovaldo Umbelino de Oliveira, que é doutor em Geografia, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Departamento de Geografia Humana – da Universidade de São Paulo (USP). É estudioso dos movimentos sociais do campo e da agricultura brasileira e autor de vários livros.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.brasildefato.com.br.

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