fetec@fetecpr.com.br | (41) 3322-9885 | (41) 3324-5636

Por 09:06 Sem categoria

A disputa ideológica sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos 3

PNDH 3: “só ampliação do debate pode vencer disputa ideológica”

Em palestra realizada em São Paulo, Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos afirmou que a polêmica em torno do terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos revelou a permanência de um forte pensamento reacionário no país. Para ele, somente a mobilização em torno da defesa dos direitos humanos pode garantir a efetiva criação da Comissão da Verdade. “Que as pessoas sigam defendendo o golpe de 64 faz parte de uma sociedade democrática. Não dá para proibir que pensem que o regime foi bom. O que não podemos aceitar é a conivência com os crimes, com o ocultamento de cadáveres, com a tortura sistemática”

Visivelmente emocionado, o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), participou na noite de segunda-feira (22), em São Paulo, de um debate promovido pela Casa da Cidade sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos-3. Depois de uma explanação de mais de uma hora, onde relatou em detalhes todo o processo de construção e negociação do PNDH-3 com a sociedade civil e dentro do governo federal, Vannuchi discutiu com um auditório lotado os principais desafios para a implementação do Programa no próximo período. E afirmou que a disputa ideológica em torno do Programa só será vencida junto à sociedade brasileira se o debate for ampliado fortemente Brasil afora, já que ainda persiste no país um forte pensamento conservador, não superado nesses mais de 21 anos de constituição democrática.

“Nunca desconfiei que haveria tamanha pancadaria. É possível que isso tenha acontecido porque as primeiras críticas vieram de dentro do governo [em referência ao ministro da Defesa Nelson Jobim]. Aí a oposição aproveitou e colocou uma cunha na discussão. Também é possível que alguns trechos do programa precisassem de redações melhores. Mas fiquei triste e surpreso de pensar que havia um pensamento conservador reacionário no país.”, disse Vannuchi. “Que as pessoas sigam defendendo o golpe de 64 faz parte de uma sociedade democrática. Não dá para proibir que pensem que o regime foi bom. Mas o que não podemos aceitar é a conivência com os crimes, com o ocultamento de cadáveres, com a tortura sistemática”, completou.

Na avaliação do ministro, mesmo com a formação do grupo de trabalho que enviará ao Congresso Nacional o projeto de lei para criar a Comissão da Verdade, não há nenhuma garantia de que o órgão seja efetivamente criado. “Somente se tivermos capacidade e energia para ampliar os debates vai sair uma Comissão da Verdade”, afirmou.

Nesta semana, os integrantes do GT participarão de uma oficina com especialistas da ONU e da OEA (Organização dos Estados Americanos) para discutir a base constitucional da Comissão da Verdade e conhecer experiências de outros países que passaram por processos de reparação. Vannuchi também foi convidado para debater o tema em cinco comissões do Senado e na Câmara dos Deputados. “Vou passar março e abril exercitando paciência e serenidade. Mas já há um movimento permanente de defesa do Programa. Das 521 ações propostas, as críticas não ultrapassam 21. Então há um amplo consenso que mostra que temos que seguir adiante”, acredita.

Entre as estratégias para o debate público sobre o Programa de Direitos Humanos está a adoção de uma linha de não criticar o conjunto das Forças Armadas, e sim defender a investigação do máximo possível de atores envolvidos na ditadura militar, e adotar falas positivas em relação à corporação militar.

“Achar que as forças armadas pensam só o que pensa o Clube Militar é um erro. No Clube está o pessoal de pijama, que participou diretamente daquilo tudo. Por outro lado, em 21 anos, eles não se envolveram em nenhum movimento golpista. Então me preocupo em sinalizar uma mão estendida, acreditando que o país tem que reconhecer suas forças armadas, mas que para isso é necessário abrir os arquivos da ditadura e pedir perdão”, acredita Vannuchi. “Com a polêmica da Comissão da Verdade, acabamos desnudando um problema mais importante: qual a transição que as forças armadas fizeram para um programa democrático em nosso país? Agora em março, por exemplo, se forma na escola de Agulhas Negras a turma General Emílio Garrastazu Médici. Este é um problema da democracia do Brasil que esta crise ajudou a ficar mais claro”, disse.

Na avaliação de Paulo Vannuchi, nas últimas décadas a esquerda não percebeu que as forças armadas são um tema muito importante para ficar apenas nas mãos dos militares. É algo que precisa envolver sociólogos, historiadores, profissionais de relações internacionais, acredita. “Por isso, é hora de ter humildade para reconhecer erros e serenidade para assegurar uma dose dez vezes maior de firmeza e determinação para defender o Programa, que é algo bom para o país”.

Mudanças em curso

Para além da criação da Comissão da Verdade, entre os erros que o ministro pretende corrigir estão temas como a legalização do aborto e a proibição de símbolos religiosos em prédios públicos. Também esta semana Vannuchi se reunirá com o movimento de mulheres para construir um acordo em torno da redação do aborto. A idéia é aprovar um texto que amplie as possibilidades de exercício do abortamento legal, considerando a questão da saúde pública, mas sem passar pela “autonomia da mulher para decidir sobre seu próprio corpo”, já que aí há uma discordância do próprio Presidente Lula. Sobre a questão dos símbolos religiosos, o ministro acredita que a diretriz do Programa que pretende impedir símbolos religiosos em prédios públicos foi descuidada e deve ser alterada.

Já a crítica dos ruralistas ao PNDH-3 é tida como “desproporcional e mentirosa”. “É só ler o Programa. Queremos a garantia que, nos processo de reintegração de posse, ou seja, depois que o direito à propriedade já foi defendido na Justiça, que não haja mortes. O que dissemos é que o direito à propriedade não pode ser absoluto, pairando sobre o direito à vida”, explicou. “A questão da união civil homossexual e da adoção por casais homoafetivos também é uma posição da qual não se pode permitir recuo. Estamos falando de um preconceito que, daqui 20 anos, será visto como piada”, afirmou.

Com esta posição, tudo leva a crer que a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil manterá suas críticas ao PNDH-3, o que não parece preocupar Vannuchi. “A CNBB não vai me apoiar de jeito nenhum. Esta não é a igreja de Dom Paulo Evaristo Arns. É uma igreja muito parecida com a de 1964. Alguns bispos chegaram a fazer uma nota odiosa dizendo que o Programa “ameaça retomar conflitos sociais que a Lei de Anistia apagou”. Foram contra até a busca dos corpos dos desaparecidos, um direito sagrado que foi imortalizado na imagem de Maria, da Pietá, carregando seu filho”, criticou.

A idéia, por ora, é fazer o menor número de alterações possíveis no Programa. Uma versão sinalizada pelo próprio ministro com os pontos polêmicos já está nas mãos do Presidente Lula, que deve debater o tema nos próprios dias com Vannuchi. Somente na semana passada Lula se posicionou de forma mais contundente em defesa do PNDH-3 e da permanência do ministro em seu governo, depois de todo o conflito criado entre a Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Ministério da Defesa e o Ministério da Agricultura.

“O apoio do governo demorou. Foi muito tempo apanhando sozinho. Hoje é o primeiro dia em que falo sobre este tema depois de uma legitimação pública do Programa, que não veio do governo. Recebi o apoio institucional do PT, que em seu congresso aprovou por unanimidade uma moção de apoio incondicional ao PNDH-3”, declarou.

No dia 8 de março, a SEDH lançará o terceiro exemplar de uma coletânea sobre o direito à memória, contando histórias das torturas e violações de direitos das mulheres durante a ditadura militar. Já foram lançados livros sobre as violações contra os negros e as crianças.

“Vou entregar pessoalmente um exemplar ao Jobim para ver se essas histórias deslocam um pouco sua visão”, brincou Vannuchi. ” O que está proposto aqui é a vida da democracia, a idéia de incorporar um Brasil de todos”, concluiu, aplaudido longamente de pé pelos presentes.

Por Bia Barbosa.

================================================

Democracia brasileira depende de punição de crimes da ditadura

Seminário sobre o direito à memória e a verdade discutiu os mitos que conduzem à impunidade, até hoje, dos responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura militar. Para o sociólogo Boaventura de Souza Santos, se esta punição não vier, o país jamais sairá da atual fase de transição democrática. “Não nos iludamos, a democracia não está consolidada no Brasil”, afirmou.

Recontar a história, para que o que aconteceu não se repita. Este é o principal objetivo dos milhares de brasileiros e brasileiras que lutam pelo direito à memória e à verdade aos que morreram durante a ditadura militar ou seguem desaparecido mais de vinte anos depois. Manchete nas páginas da imprensa, o tema vem sendo debatido no país, onde muitos defendem que não se deve mexer no passado. Num seminário realizado nesta quinta-feira (28), durante as atividades do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, promotores e sociólogos debateram a importância de garantir este direito para que o país ultrapasse uma fase ainda de transição para a democracia. E, com propriedade, desconstruíram os argumentos míticos que há décadas conduzem à impunidade daqueles que cometeram crimes contra a humanidade.

Uma das idéias centrais no debate público sobre o tema é que os crimes da ditadura prescreveram, ou seja, passou-se muito tempo e agora não há mais como responsabilizar eventuais culpados. Desde o início do século passado, no entanto, crimes como tortura e desaparecimento forçado, quando praticados pelo Estado de forma geral e sistemática contra grupos sociais, são considerados crimes contra a humanidade. Em 1914, entrou em vigor uma convenção das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil, que estabelece este conceito. Décadas mais tarde, outra resolução da ONU definiu que crimes contra a humanidade não prescrevem.

“Ou seja, na esfera internacional e também no Brasil, que trouxe esses conceitos para o seu ordenamento jurídico, esse argumento da prescrição não se aplica. Nem leis, nem decisões de tribunais e governos de países podem impedir que se investigue e puna aqueles que praticaram esses crimes com base nesta justificativa”, explica Domingos Sávio da Silveira, procurador da República.

O segundo argumento-mordaça para impedir a garantia do direito à memória e à verdade é que a Lei de Anistia pacificou o país, e que não há por que ser revanchista e voltar ao conflito. Na verdade, a Lei 6683, de 1979, anistiou os crimes políticos, eleitorais e conexos, dirigida aos que haviam sido perseguidos politicamente pela ditadura.

“Esta não era uma lei para os militares, ou vocês acham que eles iam admitir na lei que tinham torturado e matado nos porões? O poder não confessa o que praticou às escondidas. Esta foi uma lei unilateral, apresentada como pacificadora, para se tornar uma lei do esquecimento”, acredita Silveira. “A anistia aqui surgiu para que não houvesse acesso aos nomes de quem se envolveu nisso. Mas o Brasil precisa saber tudo. Nome completo e circunstâncias”, acrescenta o jornalista e sociólogo Marcos Rolim.

Em busca da democracia

O problema é que o país vive entre aqueles que não podem esquecer e aqueles que não querem lembrar. Para Boaventura de Souza Santos, professor catedrático da Faculdade de Economia e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em Portugal, Este é um momento difícil da transição da ditadura para um regime democrático.

“As vítimas e familiares e aqueles que lutam pela democracia sabem que, se esquecermos, isso pode voltar amanhã. E aqueles que não querem lembrar porque tem muito poder hoje, vivem uma vida que não querem abandonar. É por isso é tão difícil lembrar que nenhuma Lei de Anistia pode abranger crimes contra humanidade. E por isso esta é uma luta política do mais alto nível. Se a interpretação que for dada à Lei de Anistia no Brasil decidir apagar os crimes contra a humanidade, podemos dizer que a ditadura ainda está presente, pela incapacidade de este país saber a verdade”, acredita Boaventura.

Trata-se, portanto, de uma transição que precisa democratizar o passado, para democratizar o presente e o futuro. E uma transição que tem enfrentado resistências de várias formas, como a atuação dos próprios meios de comunicação neste debate.

“Quando os grandes veículos de comunicação reintroduzem em suas manchetes o termo pelo qual a ditadura designou a esquerda armada – “terroristas” –, forma-se um senso comum de que as duas partes cometeram crimes. E esta é uma disputa fundamental a ser travada. Pode-se fazer muitas críticas práticas e procedentes à esquerda que pegou em armas e praticou atos que não são sustentáveis do ponto de vista dos direitos humanos, mas do ponto de vista histórico, é inaceitável chamar essas pessoas de terroristas. É preciso lembrar que um dos princípios mais consagrados pelo liberalismo político no campo jurídico é o direito e o dever à resistência armada aos regimes autoritários”, acrescenta Marcos Rolim.

Ao final, na avaliação dos participantes do seminário, tal utilização de conceitos e princípios leva a uma compreensão perversa e que impede o direito à memória e a verdade. “Dizer que o direito à verdade é revanchismo é uma perversão do conceito de justiça. Sem contar que hoje são eles que se dizem defensores da liberdade de expressão. Essa era uma bandeira das forças progressistas, e hoje aparentemente é deles. Há, portanto, uma conexão e uma aliança sinistra entre quem tem privilégios hoje e quem tinha antes. E por isso uma luta pela memória é uma das mais democráticas que podemos viver”, afirma Boaventura.

Ficou claro, ao final do debate, que o mais importante é reescrever o passado. Não para punir criminalmente – apesar de isto ser absolutamente viável – mas para recompor a história do país e completar o quebra cabeça da nossa história. Se a verdade, como lembrou Rolim, é uma construção subjetiva, que pode ganhar novos significados a depender da interpretação e dos valores dados a cada fato, os movimentos que constroem as lutas do Fórum Social Mundial têm pela frente o esforço de decidir qual a memória coletiva sobre a ditadura militar que querem para o Brasil. Do contrário, sem jogar luzes sobre a tortura do passado, seguiremos longe da tarefa de banir, de vez, a tortura das práticas dos agentes estatais brasileiros e de conquistar, finalmente, a democracia em nosso país.

Por Bia Barbosa.

NOTÍCIAS COLHIDAS NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

Close