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Comissão da Verdade deve apurar também os casos de tortura de quem sobreviveu, diz especialista

Brasília – O grupo de trabalho (GT) encarregado pelo presidente da República de elaborar um projeto de lei até abril para a instalação de uma comissão da verdade que apure crimes comuns cometidos por agentes públicos na época da ditadura militar (1964-1985) está levantando experiências estrangeiras para iniciar a redação do projeto.

O GT convidou a advogada norte-americana Priscilla Hayner para uma oficina de trabalho hoje (24) em Brasília, mas, com um problema de agenda, ela não pode vir ao Brasil. Ela é autora do livro Unspeakable Truths (Verdades Não Ditas), de 2001, sobre comissões da verdade que funcionaram na África e na América do Sul. Atualmente é diretora do escritório do Centro Internacional para Justiça de Transiçãoorganização na Suíça.

Por telefone, de Genebra, a advogada falou à Agência Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Agência Brasil – O Brasil preparado um projeto de lei para criar uma comissão da verdade que apure crimes cometidos pela ditadura militar. Qual expectativa a senhora tem quanto a esse processo?

Priscilla Hayner – O ideal seria uma comissão da verdade que traga muito mais informações sobre o que aconteceu, acessando os arquivos oficiais, ajudando a encontrar os restos mortais de desaparecidos, falando com as vítimas sobreviventes e parentes das pessoas mortas. A comissão também deve ser capaz de reunir informações de organizações não governamentais e de inquéritos administrativos no passado. Não há motivo para não se ter acesso a todos arquivos. A comissão tem que ter poderes suficientes para ter acesso a qualquer informação. Ao mesmo tempo, a comissão deve ter o cuidado de respeitar os direitos de quem se envolveu com a repressão.

ABr – Há alguma experiência emblemática de comissão da verdade no mundo?

Hayner – Peru, Timor Leste e África do Sul tiveram experiências interessantes, mas não há modelo para copiar. Cada comissão da verdade é concebida de acordo com o contexto nacional. O Brasil terá seus próprios termos de referência. Esse processo leva tempo para planejar, fazer consultar públicas e permitir que os sobreviventes e as famílias das vítimas possam ser ouvidas no processo. Um erro que deve ser evitado é daquelas comissões nas décadas de 1980 e 1990 que limitaram a apuração às pessoas que foram mortas ou desapareceram, mas não examinaram os casos de tortura de quem sobreviveu. Não é boa ideia excluir grupos ou categorias de vítimas.

ABr – O que é mais importante fazer: punir culpados, reparar materialmente as vítimas e parentes ou reconciliar o país com o seu passado?

Hayner – É difícil priorizar um desses enfoques, pois estão interligados. Deve-se escolher um objetivo e reparar as vítimas e parentes. Mas não dizer a verdade e nem pedir desculpas também resulta em ressentimento. As reparações não pode substituir o direito de saber o que aconteceu. Para quem perdeu um ente querido, a reparação material é pouco. Há certamente a necessidade de se julgar o que aconteceu. Quando há milhares de agressores pode não ser possível processar todos. É importante que os principais responsáveis prestem contas.

ABr – Como a comunidade internacional de defensores de direitos humanos vê a transição da ditadura para a democracia no Brasil?

Hayner – Existe um reconhecimento de que não foi feito o suficiente. A situação brasileira é interessante porque não houve um completo silêncio ou uma rejeição completa de olhar para o passado. Mas há muita coisa faltando. Houve esforços para levantar o que ocorreu e ainda há uma grande quantidade de informação escondida. Agora, o Brasil faz um esforço muito mais robusto para obter o que está oculto e desconhecido.

ABr – Especialistas veem a violência policial como herança do regime militar. O trabalho da comissão da verdade pode repercutir nessa atual violência?

Hayner – Certamente, a intenção de uma comissão da verdade é reduzir a impunidade e qualquer forma de violência oficial em curso, como é o caso da polícia. Mas além do trabalho da comissão, há outros fatores como a vontade política para implementar as recomendações. Uma parte central do mandato de uma comissão é a mudança e não permitir a continuação da violência. A simples prestação de contas é insuficiente, pois deve haver um esforço para evitar futuras violações.

ABr – O tema dos direitos humanos é sempre muito criticado no Brasil. Essa resistência é comum em outros países?

Hayner – Definitivamente não há mais contextos em que o público desconheça totalmente os direitos humanos. Os envolvidos nas violações não devem obter a imunidade. A responsabilidade é essencial. A construção de um profundo e robusto sistema democrático e Estado de Direito exige uma centralidade muito firme de respeito pelos direitos humanos.

ABr – No direito internacional, é comum que a anistia perdoe a violência de agentes do Estado?

Hayner – Em geral, a anistia não é considerada aceitável para certos crimes, como crimes contra a humanidade, genocídio, crimes de guerra, crimes internacionais.

ABr – Passados mais de 15 anos do fim do apartheid na Africa do Sul e de início do processo de reconciliação nacional, como a senhora vê o país de Nelson Mandela?

Hayner – Eles ainda estão trabalhando sobre essas questões. A comissão da verdade foi muito importante, mas no processo todos perceberam que não era suficiente. Questões de reconciliação e de justiça continuam a ser urgentes e apresentam questões para o futuro. Pessoas como [o bispo anglicano e Nobel da Paz] Desmond Tutu compreenderam que a conciliação não é alcançável rapidamente, leva tempo. Houve uma proposta de anistia mais tarde, mas as vítimas se opuseram a uma ampla anistia. As reparações também foram complicadas, uma fonte de frustração. As vítimas geralmente não receberam o que eles pensavam era devido. Os desafios econômicos e desequilíbrios raciais continuam. A comissão da verdade foi importante, mas não não resolve todo o problema.

Por Gilberto Costa – Repórter da Agência Brasil. Tradução de Claude Allen Bennett Junior. Colaborou Paula Laboissière.

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Governo lança até começo de março cadastro nacional de desaparecidos

Brasília – O Ministério da Justiça e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos estão finalizando a criação de um sistema que permitirá o registro de pessoas desaparecidas. A iniciativa do governo federal engloba o atendimento de uma lei de autoria do senador Pedro Simon (PMDB-RS), aprovada em dezembro de 2009, que determinou a criação de um cadastro nacional para crianças e adolescentes desaparecidos, e o início imediato das investigações logo após o registro.

Além de crianças e adolescentes, o sistema cadastrará pessoas adultas de qualquer faixa etária. As informações serão processadas e acessadas por meio da rede Infoseg, que desde 2003 reúne dados dos órgãos de Segurança Pública, Justiça e de fiscalização, como criminosos procurados e veículos furtados. Segundo o governo, o cadastro nacional de pessoas desaparecidas deve interligar dados das delegacias de Polícia Civil, das polícias rodoviárias, dos conselhos tutelares e de organizações não governamentais.

Para Luiz Antônio Ferreira da Silva, diretor do Laboratório Forense da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a rede Infoseg suporta o armazenamento e a transmissão das informações. Ele enfatiza, porém, que o sistema deve estar acessível para a população em lugares diferentes das delegacias de polícia. “As pessoas têm medo de ir à delegacia de polícia. Muitas pessoas desaparecidas podem estar envolvidas em algum tipo de crime”, disse.

O diretor aponta para a necessidade de que o sistema, além de registrar os desparecimentos, opere um banco de dados mais complexo com a indicação de órgãos especializados, orientação aos parentes, literatura de psicologia e informação sobre o DNA das pessoas desaparecidas. “Isso servirá para identificar as pessoas não reconhecidas no Instituto Médico Legal”, explicou.

Para Luiz Antônio Ferreira da Silva, também é fundamental o gerenciamento e a alimentação do banco de dados. Em sua avaliação, a tarefa não pode ficar a cargo da polícia. “Esse deve ser um banco dados público e não de segurança”, afirmou.

Para Stylianos Mandis Júnior, que administra o site www.desapareceu.org, a iniciativa do governo “é muito boa” e vai permitir a nacionalização das ocorrências de desaparecimento. Ele se preocupa, no entanto, com o acesso de “intermediários” que vendem serviço de detetives particulares e possam fazer uso de dados pessoais e se beneficiar como atravessadores entre os parentes e a eventual informação de localização disponível no sistema.

Não existe estatística oficial sobre o número de pessoas desaparecidas no Brasil, nem o percentual de pessoas que são encontradas. Nos Estados Unidos, segundo Luiz Antônio Ferreira da Silva, entre 500 mil e 700 mil pessoas desaparecem por ano, 98% são encontradas. Segundo o diretor, os norte-americanos possuem um banco de dados públicos sobre pessoas desaparecidas.

A Câmara dos Deputados tem uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) investigando as causas, consequências e os responsáveis pelos desaparecimentos de crianças e adolescentes no Brasil (no período de 2005 a 2007). A CPI tem até o dia 27 de março para finalizar relatório. Na próxima semana, a comissão realizará audiências públicas em Goiás e no Tocantins.

Por Gilberto Costa – Repórter da Agência Brasil.

NOTÍCIAS COLHIDAS NO SÍTIO www.agenciabrasil.gov.br.

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