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Por 08:23 Sem categoria

Brasil, um inventor de caminhos: entre a sabedoria persa e o Velho Oeste

Tem sido interessante observar os movimentos internacionais sobre o caso Brasil-Turquia-Irã. Como pano de fundo, joga-se uma bela partida na disputa pelo reposicionamento de alguns países no novo campeonato da multipolaridade. O Brasil assumiu protagonismo neste jogo e agora é colocado pela mídia como que dividido entre a sabedoria persa e a lógica de Velho Oeste sugerido pelos Estados Unidos.

Na semana passada, após a assinatura do acordo em Teerã, Lula se calou e deixou que as coisas se acomodassem. Os EUA e alguns outros países elevaram o tom e se mostraram satisfeitos com uma suposta falência dos objetivos brasileiros em Teerã. Aos poucos, baixaram o tom. Hoje estamos diante de uma cena que, ainda que nebulosa, permite ver que o próprio Obama teria estimulado Lula a tentar o acordo com o Irã e, também, permite perceber que o Brasil está saindo do episódio muito maior do que era quando entrou.

E aí é importante separar as coisas. Primeiro, é preciso entender a situação dos EUA com o caso Irã, que eu não saberia explicar em plenitude, mas consigo identificar algumas questões. Depois, é necessário compreender onde fica o Brasil com essa história.

Parece claro que os Estados Unidos tiveram um aumento no grau de dificuldade em aprovar as sanções contra o país persa. O principal, porém, não é isso. O que se destaca é o recrudescimento do esboroamento da imagem da “grande nação” no cenário internacional, tendo passado, em míseros dez anos, de única superpotência mundial a um país que, embora siga sendo uma superpotência, agora tem de conviver com algo inédito, que é a admiração de muitos ser absolutamente ofuscada por uma crescente rejeição a ele, transformando-o num dos países mais odiados do mundo.

Gestos como os do Brasil em Teerã mudam o padrão das relações internacionais e demonstram que Barack Obama não estava à altura de receber o Prêmio Nobel da Paz no ano passado. Some-se a isso as dúvidas crescentes no proclamado apoio de China e Rússia ao movimento estadunidense. Por quais razões chineses e russos apoiariam os EUA em sua tentativa de manter seu imperial poder de mando? É aqui que a análise de Graham E. Fuller, ex-vice-presidente da CIA, publicada no Estadão ganha ainda mais sentido:

“Quando Lula e Erdogan foram a Teerã o jogo foi completamente diferente. A mudança não estava no conteúdo, mas principalmente nos negociadores, no local da reunião e no clima. Desta vez, Teerã não sentiu como se estivesse fazendo concessões à pressão exercida por uma superpotência, e sim aceitando um pedido razoável feito por dois Estados considerados seus pares sem nenhum histórico de imperialismo no Irã.”

A fragilidade da situação dos EUA ficou ainda mais evidente com o envio da carta do Irã à Agência Inernacional de Energia Atômica. Não há mais como negar que existe um acordo e que ele é um avanço inescapável em relação ao que se tem sem ele. Soma-se a isso o fato do mundo já saber que Obama havia endossado a tentativa de Lula em Teerã. E isso leva a pensar melhor sobre a situação do Brasil e a perceber que não é verdade estaríamos numa situação delicada entre a manipulação persa e o “guerrilheirismo” do Velho Oeste norte-americano. Lula e o Brasil hoje são muito maiores internacionalmente do que eram há duas semanas.

Lula foi muito hábil e ousado ao se oferecer para costurar este acordo e a evitar sanções que, possivelmente, levariam a uma guerra. Mas isso não é tudo. Devemos lembrar que o Brasil teve papel importante nos debates sobre o clima em Copenhagen e que foram os EUA, mais preocupados com sua agenda interna, que melaram o acordo (outros países ajudaram, é verdade). Além disso, houve o caso OMC, com o Brasil derrotando os EUA e reorganizando o comércio mundial. E isso me lembra o que disse Celso Amorim, o petista Celso Amorim, ao JBonline:

“Até há pouco eles nos convidavam para conversar sobre o clima. Na OMC foram constrangidos a nos ouvir. Mas consideravam que assuntos de paz e segurança entre as nações eram coisas deles. Assim, quando o Brasil e a Turquia entram no jogo, é natural que reajam. A tentativa, mesmo que seja simbólica, de a Turquia e o Brasil agirem de forma diferente, sugere que a arquitetura da segurança internacional, sustentada por algumas autodesignadas forças e países, não pode manter-se por muito tempo.”

Talvez a agenda eleitoral atrapalhe a percepção, mas o mundo é outro e, em grande medida, é outro porque o Brasil também é outro e se dispôs a ajudar o mundo a mudar.

Enquanto Bush dizia que desenvolvimento econômico se faz com guerra, Lula dizia que não há desenvolvimento sem combater a fome. Para Lula, não há desenvolvimento apenas com crescimento econômico. É por isso que não é com armas que mudaremos o mundo, mas com diálogo, combatendo a fome, gerando empregos e distribuindo renda.

O Brasil mostrou que não tem que escolher entre a lógica do Velho Oeste ou a do Oriente Médio. Nosso jeitinho é outro e, se não ganharmos a Copa com ele, já estaremos fazendo do mundo um lugar melhor.

Por Glauber Piva, que é diretor da Ancine.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.pt.org.br.

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