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De Obama para Lula: as cartas não mentem jamais

Cego mesmo é quem não quer ver. A turma do contra acusa o governo Lula e o chanceler Celso Amorim de tudo, na questão do Irã: de ingenuidade à megalomania, de confrontar os Estados Unidos a meter-se com um demagogo meio ensandecido.

A divulgação da íntegra da carta (Folha de S. Paulo, 27/05/2010) do presidente Obama ao presidente Lula, enviada em abril, sobre a questão, traz elementos muito importantes para a compreensão do problema e das atitudes tomadas, inclusive a dos críticos do governo brasileiro.

Essa carta teve um destino curioso. Primeiro, divulgaram-se trechos dela que favoreciam a atitude de Lula e da diplomacia brasileira ao propor o acordo ao Irã. Depois, vieram à luz outros trechos, que depunham contra, porque diziam que enquanto o Irã prosseguisse no seu programa de enriquecimento de urânio a apresentação das sanções ao Conselho de Segurança continuaria sendo inevitável.

A divulgação da íntegra da carta (estou confiando na tradução apresentada) não deixa dúvidas: Lula seguiu as balizas assentadas por Obama, que sugeria ser a disposição de entregar o urânio não enriquecido a um outro país, antes de receber o enriquecido de volta, uma condição sine qua non para a realização do acordo. Assim foi dito, assim foi assinado, assim talvez venha a ser feito, se a letra do acordo for respeitada.

Lula e suas atitudes nada tiveram de “ingênuas”, nem de “megalomaníacas”, portanto. Seguiram um roteiro definido por uma série de conversações entre dois chefes de estado. Fica claro também na missiva que Obama confia essa “missão impossível” a Lula, movido talvez pela credibilidade do presidente brasileiro como negociador.

Mas o mais interessante é que a carta confirma a existência de uma frincha – talvez uma queda de braço – no governo norte-americano. Obama comanda a Casa Branca, com a perspectiva que na política interna norte-americana se chama dos “Doves” – “Pombas”. Hillary, e nisso parece muito à vontade, comanda a herança guerreira dos oito anos da administração de Condoleeza Rice (Bush nunca foi um intervencionista, até o 11 de setembro, e até colocar sua política externa sob a batuta desta sua assessora): os “Hawks”, – “Falcões”.

Ambos os lados da disputa não renegam o imperialismo norte-americano: seus métodos é que são diferentes. Para os primeiros, a guerra é um acidente de percurso, uma inevitabilidade que interrompe processos de negociação; para os segundos o acidente de percurso é a paz, que interrompe o inevitável confronto permanente.

Para os primeiros, a vitória significa “comprar” os adversários; para os segundos, a vitória é herdar os seus despojos. É nessa tensão (também) que o Brasil entrou. Desculpem a presunção, mas se Obama preparou (mesmo que sem querer…) alguma armadilha foi para Hillary, e por isso ela está cuspindo fogo. Aí sim, reconheço uma ousadia (mesmo que sem querer…) sem par da diplomacia do governo Lula.

Pelo menos desde que D. Pedro II resolveu apoiar o telefone de Graham Bell, no século XIX, eu não via uma intervenção tão aguda do Brasil na cena interna norte-americana.

Dizer que o Brasil não tem interesses no Oriente Médio é de uma cavalar cegueira. Então o Irã faz negociações com a Venezuela, por exemplo, enquanto os Estados Unidos negociam bases militares com a Colômbia, e o Brasil deveria fechar os olhos e desconversar? Só quem não quer ver a cena internacional, ou a quer ver ainda com a perspectiva de distinguir “mocinhos” e “bandidos”, pode pensar de forma tão anacrônica e insensata.

Além de que o governo do presidente Lula está impulsionando velho projeto da diplomacia brasileira – talvez desde o Barão do Rio Branco – que é o de projetar o país no cenário internacional como uma estrela de primeira grandeza, ainda (e felizmente) que não do ponto de vista militar.

Os críticos desse protagonismo lulo-brasileiro parecem dizer que o país não está à altura dessa briga de cachorro grande. Mas uma coisa é certa: estar presente no cenário internacional, hoje, não é briga para cachorro míope.

Por: Flavio Aguiar. Publicado em 27/05/2010.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.redebrasilatual.com.br.

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27/05/2010-02h30
Leia íntegra traduzida da carta de Barack Obama a Lula sobre acordo com o Irã

DE SÃO PAULO

O acordo nuclear entre o Brasil, a Turquia e o Irã se­gue, ponto a ponto, todas as solicitações que o presidente Barack Obama havia exposto em carta a seu colega Luiz Inácio Lula da Silva, datada de 20 de abril, apenas três semanas antes, portanto, da viagem de Lula ao Irã, da qual resultou o acordo. A Folha obteve, com ex­clusividade, cópia integral da carta, na qual Obama es­creve que o objetivo era ofe­recer “explicação detalhada” de sua perspectiva “e sugerir um caminho a seguir”.

Leia a íntegra traduzida da mensagem:

“Gostaria de agradecê-lo por nossa reunião com o primeiro-ministro Erdogan, da Turquia, durante a Conferência de Cúpula sobre Segurança Nuclear. Dedicamos algum tempo ao Irã, à questão da provisão de combustível nuclear para o Reator de Pesquisa de Teerã (TRR), e à intenção de Turquia e Brasil quanto a trabalhar para encontrar uma solução aceitável. Prometi responder detalhadamente às suas ideias, refleti cuidadosamente sobre a nossa discussão e gostaria de oferecer uma explicação detalhada sobre minha perspectiva e sugerir um caminho para avançarmos.

Concordo com você em que o TRR representa uma oportunidade para abrir caminho a um diálogo mais amplo no que tange a resolver preocupações mais fundamentais da comunidade internacional com respeito ao programa nuclear iraniano em seu todo. Desde o começo, considerei a solicitação iraniana como uma oportunidade clara e tangível de começar a construir confiança mútua e assim criar tempo e espaço para um processo diplomático construtivo. É por isso que os Estados Unidos apoiaram de forma tão vigorosa a proposta apresentada por Mohamed El Baradei, o ex-diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

A proposta da AIEA foi preparada de maneira a ser justa e equilibrada, e para permitir que ambos os lados ganhem confiança. Para nós, o acordo iraniano quanto a transferir 1.200 quilos de seu urânio de baixo enriquecimento (LEU) para fora do país reforçaria a confiança e reduziria as tensões regionais, ao reduzir substancialmente os estoques de LEU do Irã. Quero sublinhar que esse elemento é de importância fundamental para os Estados Unidos. Para o Irã, o país receberia o combustível nuclear solicitado para garantir a operação continuada do TRR a fim de produzir os isótopos médicos necessários e, ao usar seu próprio material, os iranianos começariam a demonstrar intenções nucleares pacíficas. Não obstante, o desafio continuado do Irã a cinco resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que ordenam o final de seu programa de enriquecimento de urânio, estávamos preparados para apoiar e facilitar as ações quanto a uma proposta que forneceria combustível nuclear ao Irã usando urânio enriquecido pelo Irã uma demonstração de nossa disposição de trabalhar criativamente na busca de um caminho para a construção de confiança mútua.

No curso das consultas quanto a isso, reconhecemos também o desejo de garantias, da parte do Irã. Como resultado, minha equipe se concentrou em garantir que a proposta da AIEA abarcasse diversas cláusulas, entre as quais uma declaração nacional de apoio pelos Estados Unidos, a fim de enviar um claro sinal do meu governo quanto à nossa disposição de nos tornarmos signatários diretos e até mesmo potencialmente desempenharmos um papel mais direto no processo de produção do combustível; também ressaltamos a importância de um papel central para a Rússia e da custódia plena da AIEA sobre o material nuclear durante todo o processo de produção de combustível. Na prática, a proposta da AIEA oferecia ao Irã garantias e compromissos significativos e substanciais da parte da AIEA, dos Estados Unidos e da Rússia. O dr. El Baradei declarou publicamente no ano passado que os Estados Unidos estariam assumindo a vasta maioria do risco, na proposta da AIEA.

Como discutimos, o Irã parece estar seguindo uma estratégia projetada para criar a impressão de flexibilidade sem que concorde com as ações que poderiam começar a gerar confiança mútua. Observamos os vislumbres de flexibilidade transmitidos pela Irã a você e a outros, enquanto reiterava formalmente uma posição inaceitável à AIEA, por meio dos canais oficiais. O Irã continuou a rejeitar a proposta da AIEA e insistiu em reter em seu território o urânio de baixo enriquecimento até a entrega do combustível nuclear. Essa é a posição que o Irã transmitiu formalmente à AIEA em janeiro e uma vez mais em fevereiro de 2010.

Compreendemos pelo que vocês, a Turquia e outros nos dizem que o Irã continua a propor a retenção do LEU em seu território até que exista uma troca simultânea de LEU por combustível nuclear. Como apontou o general [James] Jones [assessor de Segurança Nacional da Casa Branca] durante o nosso encontro, seria necessário um ano para a produção de qualquer volume de combustível nuclear. Assim, o reforço da confiança que a proposta da AIEA poderia propiciar seria completamente eliminado para os Estados Unidos, e diversos riscos emergiriam. Primeiro, o Irã poderia continuar a ampliar seu estoque de LEU ao longo do período, o que lhes permitiria acumular um estoque de LEU equivalente ao necessário para duas ou três armas nucleares, em prazo de um ano. Segundo, não haveria garantia de que o Irã concordaria com a troca final. Terceiro, a “custódia” da AIEA sobre o LEU no território iraniano não nos ofereceria melhora considerável ante a situação atual, e a AIEA não poderia impedir o Irã de retomar o controle de seu urânio a qualquer momento.

Existe uma solução de compromisso potencialmente importante que já foi oferecida. Em novembro, a AIEA transmitiu ao Irã nossa oferta de permitir que o Irã transfira seus 1,2 mil de LEU a um terceiro país especificamente a Turquia- no início do processo, onde ele seria armazenado durante o processo de produção do combustível como caução de que o Irã receberia de volta o seu urânio caso não viéssemos a entregar o combustível. O Irã jamais deliberou seriamente quanto a essa oferta de “caução” e não ofereceu explicação confiável quanto à sua rejeição. Creio que isso suscite questões reais quanto às intenções nucleares iranianas. Caso o Irã não esteja disposto a aceitar uma oferta que demonstre que seu LEU é para usos pacíficos e civis, eu instaria o Brasil a insistir junto ao Irã quanto à oportunidade representada por essa oferta de manter seu urânio como “caução” na Turquia enquanto o combustível nuclear está sendo produzido.

Ao longo do processo, em lugar de construir confiança o Irã vem solapando a confiança, na forma pela qual abordou essa oportunidade. É por isso que questiono a disposição do Irã para um diálogo de boa fé com o Brasil, e por isso eu o acautelei a respeito em nosso encontro. Para iniciar um processo diplomático construtivo, o Irã precisa transmitir à AIEA um compromisso construtivo quanto ao diálogo por meio de canais oficiais algo que até o momento não fez. Enquanto isso, continuaremos a levar adiante nossa busca de sanções, dentro do cronograma que delineei. Também deixei claro que as portas estão abertas para uma aproximação com o Irã. Como você sabe, o Irã até o momento vem recusando minha oferta de um diálogo abrangente e incondicional.

Aguardo ansiosamente a próxima oportunidade de encontrá-lo e discutir essas questões, levando em conta o desafio que o programa nuclear iraniano representa para a segurança da comunidade internacional, inclusive no Conselho de Segurança da ONU.

Sinceramente,

Barack Obama”

Tradução de Paulo Migliacci

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO http://www1.folha.uol.com.br/mundo/741132-leia-integra-traduzida-da-carta-de-barack-obama-a-lula-sobre-acordo-com-o-ira.shtml

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