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Liberdade de Expressão versus Liberdade de Imprensa: anacronias de nossos tempos

Não há confusão que resista à boa-fé intelectual, especialmente após a leitura de “Liberdade de Expressão X liberdade de Imprensa”, de Venício Lima (foto). O autor vai inclusive à origem política e filosófica da liberdade de expressão, jogando por terra a afirmação de que os autores geralmente invocados pelos grandes empresários de mídia do país – como John Stuart Mill e John Milton – referendariam a tese da “sanha regulatória” do Estado brasileiro neste início de século. O artigo é de Diogo Moyses.

Resenha publicada originalmente no Observatório do Direito à Comunicação (http://www.direitoacomunicacao.org.br/)

“Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia”, coletânea de artigos do professor Venício A. de Lima lançada recentemente pela Editora Publisher, é a síntese mais bem acabada do debate vigente no Brasil neste início de século quando o assunto é regulação e políticas de comunicação.

Os artigos reunidos no livro foram originalmente publicados pelo site Observatório de Imprensa, projeto voltado para o acompanhamento e a discussão da atividade da mídia no país. Fogem, portanto, do formato tradicional das contribuições teóricas sobre o tema, evitando o “hermetismo” típico do gênero e contribuindo de forma bastante generosa com a abertura deste tema ao debate realmente público. Embora academicamente densos, os textos apresentam um panorama bastante claro – e por isso acessível aos não-especialistas – da forma como os proprietários dos grandes meios de comunicação nacionais recorrem ao princípio jurídico da liberdade de expressão para evitar qualquer forma de incidência da sociedade sobre suas atividades, garantindo um ambiente altamente desregulado cuja marca essencial é a ausência de instrumentos de controle público.

Tal discurso se apóia, entre outros aspectos, na confusão estabelecida entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa – com variáveis como liberdade de expressão artística, liberdade de criação, liberdade de anúncio, liberdade jornalística, entre outros. Como aponta o autor de forma inequívoca, é rotineiro encontrar não só a utilização das duas expressões – liberdade de expressão e liberdade de imprensa – como equivalentes, mas também o deslocamento da liberdade de expressão do indivíduo para a “sociedade” e, desta, implicitamente, para os “jornais”, sejam eles impressos ou audiovisuais.

Esta lógica da confusão resume-se a confundir o direito fundamental à expressão com o direito das empresas privadas que atuam no setor das comunicações e sua radicalização materializa-se na tentativa de forjar a aceitação – como se costume jurídico fosse – da liberdade de expressão comercial como um direito humano. Mas, como aponta Lima, a liberdade de expressão comercial, ao transformar em equivalentes dois tipos totalmente distintos de informação – a publicitária e a jornalística – “apropriou-se, sem mais, da idéia de liberdade de expressão como se a mídia, anunciantes e agências de publicidade fossem os legítimos representantes do direito individual e coletivo contra a censura e a sanha regulatória exercidas pelo o Estado”.

Mas não há confusão que resista à boa-fé intelectual, especialmente após a leitura de “Liberdade de Expressão X liberdade de Imprensa”.

Lima vai inclusive à origem política e filosófica da liberdade de expressão, jogando por terra a afirmação de que os autores geralmente invocados pelos grandes empresários de mídia do país – como John Stuart Mill e John Milton – referendariam a tese da “sanha regulatória” do Estado brasileiro neste início de século. Pelo contrário: nos alerta Venício Lima que em Sobre a Liberdade (On Liberty), ensaio rotineiramente invocado como um dos pilares da defesa da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, Mill aponta o perigo da “tirania da maioria”, na qual a sociedade – e não o governo – poderia passar a fazer as vezes do tirano. Mill já sinalizava os riscos para a representação e o respeito à diversidade social, por meio da apropriação privilegiada – e, portanto, desigual – dos meios de comunicação de massa (no caso, os jornais).

Da análise de casos concretos descritos e comentados em “Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa” não há outra conclusão possível: no Brasil, o princípio jurídico da liberdade de expressão foi capturado pelos proprietários dos meios de comunicação, que impõe uma interpretação deturpada de seu significado original. Os donos da mídia ressignificam este direito humano fundamental de forma a esvaziá-lo e tentam a todo custo, estabelecer como hegemônica a visão de que sua efetivação só se dará com a ausência absoluta de instrumentos que regulem a atividade midiática e imponham restrições a seus interesses econômicos. Assim, a ameaça à liberdade – em particular à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa – tem sido identificada no espaço público como vinda exclusivamente do Estado, mesmo que estejamos vivendo em um Estado de Direito, no (pleno) funcionamento das instituições democráticas.

Foi apoiada nessa pretensa confusão conceitual que se moveram, nos últimos anos, as disputas políticas sobre os modelos regulatórios no campo das comunicações, nos quais os coronéis da mídia brasileira têm obtido amplo sucesso. O resultado dessa hegemonia é claro: no Brasil, a estratégia discursiva empresarial – simultaneamente política e jurídica – prevaleceu e o marco regulatório nacional se moveu historicamente à mercê de interesses privados, ora nacionais, ora internacionais. Como comprovam de forma categórica os diversos relatos da história regulatória dos serviços de comunicação, a circulação de informação, à exceção de períodos episódicos, sempre foi controlada por monopólios e oligopólios privados. Seus proprietários mantiveram, e ainda mantêm, influência decisiva na vida política nacional, perpetuando, no plano normativo, um ambiente altamente favorável à maximização de seus lucros e a defesa de interesses políticos determinados.

A sanha antirregulação do empresariado brasileiro é tamanha que as reformas que combatem não são, nem ao menos, radicais. Em geral, são medidas tímidas, que pouco alterariam o status quo e que há muito foram implementadas em democracias liberais, sempre ancoradas no direito à liberdade de expressão. No Brasil, inversamente, tais diretrizes regulatórias não prosperam apoiadas justamente na idéia de que tal liberdade, para que seja garantida em sua plenitude, deve ser compreendida como a abstenção absoluta do Estado na dinâmica econômica do setor. É, por certo, uma das anacronias dos nossos tempos.

“Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa” desnuda a hipocrisia discursiva dos coronéis da mídia brasileira. E, afirmo sem medo de errar, tratar-se da melhor síntese do debate político-jurídico vigente no campo das comunicações neste início de século XXI.

Por Diogo Moyses – Observatório do Direito à Comunicação.

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Liberdade de expressão: o “efeito silenciador” da grande mídia

A interdição do debate verdadeiramente público de questões relativas à democratização das comunicações pelos grupos dominantes de mídia funciona como uma censura disfarçada. Este é o “efeito silenciador” que o discurso da grande mídia provoca exatamente em relação à liberdade de expressão que ela simula defender.

Desde a convocação da 1ª. Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), em abril de 2009, os grandes grupos de mídia e seus aliados decidiram intensificar a estratégia de oposição ao governo e aos partidos que lhe dão sustentação. Nessa estratégia – assumida pela presidente da ANJ e superintendente do grupo Folha – um dos pontos consiste em alardear publicamente que o país vive sob ameaça constante de volta à censura e de que a liberdade de expressão [e, sem mais, a liberdade da imprensa] corre sério risco.

Além da satanização da própria CONFECOM, são exemplos recentes dessa estratégia, a violenta resistência ao PNDH3 e o carnaval feito em torno da primeira proposta de programa de governo entregue ao TSE pela candidata Dilma Roussef (vide, por exemplo, a capa, o editorial e a matéria interna da revista Veja, edição n. 2173).

A liberdade – o eterno tema de combate do liberalismo clássico – está na centro da “batalha das idéias” que se trava no dia-a-dia, através da grande mídia, e se transformou em poderoso instrumento de campanha eleitoral. Às vezes, parece até mesmo que voltamos, no Brasil, aos superados tempos da “guerra fria”.

O efeito silenciador

Neste contexto, é oportuna e apropriada a releitura de “A Ironia da Liberdade de Expressão” (Editora Renovar, 2005), pequeno e magistral livro escrito pelo professor de Yale, Owen Fiss, um dos mais importantes e reconhecidos especialistas em “Primeira Emenda” dos Estados Unidos.

Fiss introduz o conceito de “efeito silenciador” quando discute que, ao contrário do que apregoam os liberais clássicos, o Estado não é um inimigo natural da liberdade. O Estado pode ser uma fonte de liberdade, por exemplo, quando promove “a robustez do debate público em circunstâncias nas quais poderes fora do Estado estão inibindo o discurso. Ele pode ter que alocar recursos públicos – distribuir megafones – para aqueles cujas vozes não seriam escutadas na praça pública de outra maneira. Ele pode até mesmo ter que silenciar as vozes de alguns para ouvir as vozes dos outros. Algumas vezes não há outra forma” (p. 30).

Fiss usa como exemplo os discursos de incitação ao ódio, a pornografia e os gastos ilimitados nas campanhas eleitorais. As vítimas do ódio têm sua auto-estima destroçada; as mulheres se transformam em objetos sexuais e os “menos prósperos” ficam em desvantagem na arena política.

Em todos esses casos, “o efeito silenciador vem do próprio discurso”, isto é, “a agência que ameaça o discurso não é Estado”. Cabe, portanto, ao Estado promover e garantir o debate aberto e integral e assegurar “que o público ouça a todos que deveria”, ou ainda, garanta a democracia exigindo “que o discurso dos poderosos não soterre ou comprometa o discurso dos menos poderosos”.

Especificamente no caso da liberdade de expressão, existem situações em que o “remédio” liberal clássico de mais discurso, ao invés da regulação do Estado, simplesmente não funciona. Aqueles que supostamente poderiam responder ao discurso dominante não têm acesso às formas de fazê-lo (pp. 47-48).

Creio que o exemplo emblemático dessa última situação é o acesso ao debate público nas sociedades onde ele (ainda) é controlado pelos grandes grupos de mídia.

Censura disfarçada

A liberdade de expressão individual tem como fim assegurar um debate público democrático onde, como diz Fiss, todas as vozes sejam ouvidas.

Ao usar como estratégia de oposição política o bordão da ameaça constante de volta à censura e de que a liberdade de expressão corre risco, os grandes grupos de mídia transformam a liberdade de expressão num fim em si mesmo. Ademais, escamoteiam a realidade de que, no Brasil, o debate público não só [ainda] é pautado pela grande mídia como uma imensa maioria da população a ele não tem acesso e é dele historicamente excluída.

Nossa imprensa tardia se desenvolveu nos marcos do de um “liberalismo antidemocrático” no qual as normas e procedimentos relativos a outorgas e renovações de concessões de radiodifusão são responsáveis pela concentração da propriedade nas mãos de tradicionais oligarquias políticas regionais e locais (nunca tivemos qualquer restrição efetiva à propriedade cruzada), e impedem a efetiva pluralidade e diversidade nos meios de comunicação.

A interdição do debate verdadeiramente público de questões relativas à democratização das comunicações pelos grupos dominantes de mídia, na prática, funciona como uma censura disfarçada.

Este é o “efeito silenciador” que o discurso da grande mídia provoca exatamente em relação à liberdade de expressão que ela simula defender.

Por Venício A. de Lima, que é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.

ARTIGOS COLHIDOS NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

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