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O poder do dólar

A política do dólar forte de ontem e a política do dólar fraco de hoje podem ser encaradas como dois capítulos de uma mesma história: a história do poder soberano americano que cria instabilidades e conflitos para que ele próprio possa reafirmar, acumular e expandir permanentemente o seu poder global.

Desde a crise financeira, nos últimos dois anos não faltaram analistas acadêmicos e de mercado preconizando a degeneração do dólar como moeda de referência internacional.

Em 2008 a instabilidade e o caos nos mercados creditício, bancário e financeiro levaram certas interpretações a enxergar o colapso do poder americano e a derrocada da economia financeirizada. Entretanto, essas avaliações foram surpreendidas pela disposição dos Estados-nacionais e dos bancos centrais de salvaguardar as instituições financeiras e o capital privado, explicitando a aliança ancestral entre estadistas e financistas.

Além disso, essas avaliações se espantaram, no imediato pós-crise, com a intensa valorização do dólar e a forte apreciação dos títulos do tesouro americano, que, paradoxalmente, se apresentaram como os papéis mais seguros do mercado global, evidenciando uma vez mais o poder do dólar como moeda internacional.

Agora em 2010, diante da hesitante recuperação americana, expressa na desvalorização do dólar, na monetização dos títulos da dívida pública e na guerra cambial, as mesmas ansiedades decadentistas voltaram a reaparecer. A lista de alternativas supostamente viáveis propostas por governos e organismos multilaterais se avoluma: a substituição do dólar, a criação de uma nova moeda supranacional, a fixação de uma meta consensual para os desequilíbrios das transações correntes, a conversão do FMI em um banco central global, e até mesmo a ressurreição do padrão ouro. Todas essas medidas partem de um diagnóstico comum: a hegemonia do dólar está ameaçada, prova disso seria a perda de espaço da moeda americana no mix de moedas das reservas internacionais dos países.

Essas análises macroeconômicas carecem, no entanto, de uma desmistificação trazida pela economia política internacional. No sistema mundial moderno, a moeda de referência internacional é um produto da capacidade de expansão do poder soberano. Como toda expansão de poder é um ato de força e conquista seu avanço gera permanentemente desequilíbrios e instabilidades, para todos os Estados e para o próprio país hegemônico. De modo que a arena monetária não é outra coisa que não um palco, talvez o mais importante, em que esses distúrbios se apresentam. Nesse sentido, a política do dólar forte de ontem e a política do dólar fraco de hoje podem ser encaradas como dois capítulos de uma mesma história: a história do poder soberano americano que cria instabilidades e conflitos para que ele próprio possa reafirmar, acumular e expandir permanentemente o seu poder global.

É essa natureza instável do poder a responsável por fazer desse sistema algo dinâmico e explosivo e não estático. Por isso, periodicamente, a hierarquia dos Estados-nacionais sofre alterações e o sistema monetário-financeiro internacional torna-se mais “sensível”, como temos observado. Mas isso não significa imediatamente uma desestruturação do poder do dólar, até mesmo porque não há no horizonte de curto e médio-prazo alguma moeda capaz de substituí-lo, afinal, enquanto o Euro passa por dificuldades crescentes, a Libra inglesa segue movimentos muito próximos aos do próprio dólar, o Yen japonês caminha timidamente e o Yuan chinês permanece inconversível internacionalmente.

Além disso, ao que tudo indica, nem os credores europeus tampouco os chineses tem qualquer interesse na depreciação do dólar, e, embora no curto-prazo interesse aos EUA depreciar sua moeda essa tendência provavelmente não continuará indefinidamente. Em algum momento, a despeito da dívida pública americana, os juros nos EUA voltarão a subir, pois não é trivial que os Treasuries continuem sendo considerados os papéis mais seguros do mundo.

Mesma a queda na participação do dólar entre as reservas internacionais é muito pequena, passou de 61% em 2007 para 56% em 2009, a Libra passou por uma redução similar, e o Yen não representa mais do que 2% do total das reservas oficiais dos países. Diante da incerteza global sofreu alteração a quantidade de reservas não-declaradas, que saltou de 39% em 2007 para 44% em 2009. Esse último número pode traduzir uma certa insegurança com relação ao dólar, mas nada aponta sobre uma possível crise. Em 2010 as reservas internacionais atingiram algo em torno de oito trilhões de dólares, sendo que mais da metade delas estão sob a posse de países em desenvolvimento. Em suma, o que parece estar acontecendo é uma pequena diversificação das reservas associada aos resultados da economia americana e ao aumento da importância de outras economias emergentes.

Tal fenômeno só pode animar a concorrência interestatal, e com isso o mais provável é que os desequilíbrios e instabilidades políticas que sustentam o dólar dêem ainda fôlego para a moeda americana. Nesse momento, apesar das inúmeras hipóteses sobre a decadência do dólar, o mais provável é que haja pelo menos mais uma rodada de ajustes, conquistas e guerras no cenário geopolítico e geoeconômico reafirmando o poder dos EUA e, por extensão, o poder do dólar.

Parece que ainda não soou a hora final da moeda americana, apesar de que as transformações em curso possam estar criando uma situação mais complexa para ela. Ao que tudo indica o que estamos assistindo não é a falência do sistema monetário-financeiro internacional baseado no dólar, mas a uma reorganização dos Estados-nacionais no seu interior. Sendo assim, o mais aconselhável é seguir acompanhando os movimentos de transformação recente de forma atenta, tendo em conta que não é prudente minimizar o poder das moedas hegemônicas e internacionais. Não se pode subestimar o poder do dólar.

Por William Nozaki, que é doutorando e mestre em Desenvolvimento Econômico (IE/UNICAMP), graduado em Ciências Sociais (FFLCH/USP), pesquisador-bolsista do PNPD-IPEA no projeto Arquitetura Financeira Internacional. E-mail: william.nozaki@gmail.com.

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“Brasil precisa se proteger e cuidar das contas externas”

A economista Maria da Conceição Tavares defendeu nesta sexta-feira, durante a Conferência do Desenvolvimento, promovida pelo IPEA, em Brasília, que o Brasil deve proteger sua economia, reverter o processo de sobrevalorização do real e adotar mecanismos de controle de capital para evitar um ataque especulativo. Em sua fala, ela deixou algumas sugestões para o futuro governo Dilma: “Eu diria que a primeira preocupação agora é, sem dúvida nenhuma, com o setor externo. Se ele continuar assim vai haver degradação da indústria, déficit crescente da balança de pagamentos e uma fragilidade externa que na crise de 2008 nós não tivemos”. O artigo é de Katarina Peixoto.

O sexto painel da Conferência do Desenvolvimento, promovida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em Brasília, apresentou um tema abrangente e desafiador: Macroeconomia e Desenvolvimento. Um tema à altura da homenagem feita pelo IPEA aos 80 anos da professora Maria da Conceição Tavares, formadora de mais de uma geração de economistas brasileiros. Bem humorada, ela brincou com a relação entre a homenagem e o tema escolhido para a conferência:

“Esta homenagem está gloriosa, porque o clima é Woodstock, não é. Vamos ver se sou capaz de tocar guitarra elétrica. O tema proposto para mim, só tocando guitarra elétrica. Macroeconomia e desenvolvimento não são temas pensados conjuntamente, geralmente”.

O propósito da política macroeconômica, lembrou, é evitar os desequilíbrios. E agora mais do que nunca em função da crise econômica mundial. Maria da Conceição Tavares fez um rápido resumo do quadro atual.

“Neste ano que passou foram os países ditos emergentes que cresceram. O primeiro mundo não cresceu nada. A crise de 2008, agora em 2010, veio repicada com a crise na Europa. A política macroeconômica na Europa deve estar fazendo Keynes se remover na tumba. Um desemprego cavalar e eles vêm com ajuste fiscal. Além de tudo há uma pletora de dólares. O Banco Central europeu está sustentando os países mais pobres da UE, mas o problema não é de liquidez, mas de insolvência”.

Frente a essa situação, alertou, o Brasil precisa ficar atento:

“Nossa taxa de juros é historicamente cavalar. Não é uma maluquice do presidente do Banco Central. Desde a década de 70 que a taxa de juros primária é muito alta. E as taxas ativas dos bancos também são muito altas. Então estamos numa situação braba: que tipo de investimentos essa taxa de juros elevada atrai? O investimento direto não tem nenhum problema, desde que sejam estertores importantes do desenvolvimento. Mas nossas taxas de juros fazem com que sejamos atrativos para o capital especulativo. Resultado: estamos com uma grande sobrevalorização do real”.

Diante deste quadro, acrescentou, a economia brasileira precisa se proteger, não apenas dos Estados Unidos, mas também da China. Neste ponto, ela fez algumas advertências importantes ao governo Lula e, principalmente, ao futuro governo Dilma:

“Temos aumentado desvairadamente as importações. Está um festival de importação. Nós estamos diminuindo o conteúdo de valor agregado de nossa indústria, até com coeficiente em importação em aço, no qual temos competitividade internacional, temos 15% da importação em aço. Há sobra de aço na Europa, que está fazendo dumping para cima da gente e nós deixamos. Eu diria que a primeira preocupação agora é, sem dúvida nenhuma, com o setor externo. Se ele continuar assim vai haver degradação da indústria, déficit crescente da balança de pagamentos e uma fragilidade externa que na crise de 2008 nós não tivemos. Foi a primeira vez que o Brasil passou por uma crise sem se arrebentar. Ao contrário, somos credores líquidos internacionais. Passar dessa situação, outra vez, para devedor líquido é péssimo. Só não passamos a tanto porque o governo é credor líquido. Mas as grandes empresas, o capital privado já está devendo. O que significa que qualquer repique da crise internacional pode nos trazer problemas”.

O governo tem de estar atento, enfatizou a economista, para não agravar o déficit fiscal. “A inflação é de custos, não de demanda. Então, não é o caso elevar taxa de juros, para não agravar o déficit fiscal, aumentando o serviço da dívida. Isso tira a possibilidade de desenvolvimento. Como se faz desenvolvimento com uma taxa de juros dessas?” – indagou.

A economista garantiu que não discutiu pessoalmente esses temas com ninguém do governo. E reafirmou a defesa da adoção do controle de capitais para proteger o país de um ataque especulativo.

“Já disse publicamente e repito, penso que numa situação como essa tem de ter controle de capitais. Todos os controles quantitativos. Aumenta o compulsório. Controla a taxa de crédito. Mas não com essa taxa de juros. Mesmo que o FMI tenha dito que controle de capitais pode ser recomendado, na atual conjuntura, o “mercado” e “os do mercado” aqui no Brasil não suportam ouvir isso. Mas temos no Banco Central gente discreta, não vedetes. Eu acho que a mudança do presidente do BC se prende a isso”.

O Brasil, recomendou ainda a economista, precisa fazer uma política fina e ir diminuindo lentamente a taxa de juros e a taxa de câmbio. “Devagar com o andor que o santo é de barro. Tem de andar devagar”, enfatizou.

E criticou aqueles que defendem o corte de gastos para promover um duro ajuste fiscal.

“O eixo deste governo é a política econômica com eixo social. Esse é o nosso custeio. Cortar para investir, para agradar a imprensa? Eu acho que não há sentido nenhum. No desenvolvimento econômico, o eixo social está correto. Mas se não cuidarmos da parte cambial, não conseguiremos fazer política industrial e tecnológica e, no longo prazo, não há desenvolvimento econômico regredindo nessas coisas”.

Maria da Conceição Tavares manifestou confiança na capacidade da presidente eleita Dilma Rousseff enfrentar esses problemas:

“Graças a deus a nossa presidente é uma mulher de coragem, de discernimento e economista competente. Este primeiro ano dela é complicado, em todos os sentidos. Enfim, que deus a proteja. Não adianta pedir que deus proteja individualmente nestas questões. Nestas questões é melhor proteger o coletivo”.

“Tenho muita fé na presidente, mas uma coisa é saber, outra é operar – não sei se a proporção de forças dos industriais pesam tanto quanto a dos banqueiros. Para sair dessa encrenca, agora mais do que nunca, não dá para deixar para o mercado ou a divina providência. A solução é humana e de todo o governo. Até o fim dessa década vamos erradicar a miséria, para que isso ocorra não podemos fazer coisas que abortem essas intenções.”

O Brasil tem um caminho duro pela frente, concluiu, e “deve agir com a autonomia de um país independente e soberano”. “Precisamos fazer uma defesa soberana da política industrial, cambial e de balanço de pagamentos. Não quero que me impinjam política macroeconômica que me atrapalhe o desenvolvimento. E que não se espere que o G7, G20, o G 400 resolvam alguma coisa, porque a ordem mundial está uma bagunça e o mundo hoje é multipolar. Acho melhor cumprir o nosso papel”.

Por Katarina Peixoto.

ARTIGOS COLHIDOS NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

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