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Balanços dos oito anos do governo Lula

Frei Beto divulga artigo com balanço dos oito anos do governo Lula

Anunciada a vitória de Lula nas eleições de 2002, publiquei em O Globo (28 de outubro de 2002), o artigo O amigo Lula. Encerrei-o com a frase: “Sobrevivente da grande tribulação do povo brasileiro, Lula é, agora, um vitorioso.”

Apoiado por ampla maioria da opinião pública brasileira (hoje, 87%), Lula governa o país há oito anos. Surpreendeu aliados e opositores. Lula é, também agora, um vitorioso – posso parafrasear-me.

Vivi sempre de meu trabalho, como recomenda o apóstolo Paulo. Por breves períodos mantive vínculo empregatício com a iniciativa privada. Recusei nomeações do poder público. Por considerar compatível com minha atividade pastoral, aceitei convite do presidente Lula para integrar, em 2003, sua assessoria especial no gabinete de Mobilização Social do Programa Fome Zero, ao lado de Oded Grajew.

Ali permaneci dois anos. Tive oportunidade de implantar dois programas de ampla capilaridade nacional e ainda vigentes: a Rede de Educação Popular, que atua segundo o método Paulo Freire na formação cidadã de beneficiários do Bolsa Família; e o Escolas Irmãs, que estabelece conexões solidárias entre professores e alunos de instituições de ensino.

Minha tarefa principal consistia em mobilizar a sociedade civil em prol do Fome Zero, sobretudo os Comitês Gestores que, eleitos democraticamente nos municípios, cuidavam do cadastro dos beneficiários e supervisionavam o cumprimento das condicionalidades do programa de erradicação da miséria.

Muitos prefeitos reagiram. Queriam a si o controle do Fome Zero. Temiam o despontar de novas lideranças locais via Comitês Gestores. Exigiam decidir, por razões eleitoreiras óbvias, quem entra e sai do cadastro. Por sua vez, o lobby do latifúndio – cerca de 200 parlamentares do Congresso – pressionava para o Fome Zero não efetivar a reforma agrária, que lhe asseguraria caráter emancipatório e constituía cláusula pétrea do programa do PT.

A Casa Civil deu ouvidos aos insatisfeitos. Tratou de substituir o Fome Zero por um programa de caráter compensatório e, até hoje, sem porta de saída, cujo cadastro é controlado pelos prefeitos: o Bolsa Família. Oded Grajew regressou a São Paulo, o ministro Graziano foi substituído, e eu, em dezembro de 2004, pedi demissão. Voltei a ser um feliz ING – Indivíduo Não Governamental.

Às vésperas de encerrar o governo Lula, avalio-o como o mais positivo de nossa história republicana. O Brasil mudou para melhor.

Entre 2001 e 2008, a renda dos 10% mais pobres cresceu seis vezes mais que a dos 10% mais ricos. A dos ricos cresceu 11,2%; a dos pobres, 72%. No entanto, há 25 anos, de acordo com o IPEA, metade da renda total do Brasil permanece em mãos dos 10% mais ricos. E os 50% mais pobres dividem entre si apenas 10% da riqueza nacional.

Sob o governo Lula, os mais pobres mereceram recursos anuais de R$ 30 bilhões; os mais ricos, através do mercado financeiro, foram agraciados, no mesmo período, com mais de R$ 300 bilhões, o que impediu a redução da desigualdade social.

Faltou ao governo diminuir o contraste social por meio da reforma agrária, da multiplicação dos mecanismos de transferência de renda e da redução da carga tributária nas esferas do trabalho e do consumo. E onerar as do capital e da especulação.

Hoje, os programas de transferência de renda do governo representam 20% do total da renda das famílias brasileiras. Em 2008, 18,7 milhões de pessoas viviam com menos de ¼ do salário mínimo. Não fossem as políticas de transferência, seriam hoje 40,5 milhões. Isso significa que o governo Lula tirou da miséria 21,8 milhões de pessoas.

É falácia alardear que, ao promover transferência de renda, o governo “sustenta vagabundos”. Isso ocorre quando não pune corruptos, nepotistas, licitações fajutas, malversação de dinheiro público. No entanto, a Polícia Federal prendeu, por corrupção, dois governadores.

Mais da metade da população do Brasil detém menos de 3% das propriedades rurais. E apenas 46 mil proprietários são donos de metade das terras. Nossa estrutura fundiária é idêntica à do Brasil império! E o empregador rural não é o latifúndio nem o agronegócio, é a agricultura familiar: ocupa apenas 24% das terras e emprega 75% dos trabalhadores rurais.

A inflação manteve-se abaixo de 5%, cerca de 11,7 milhões de empregos formais foram criados e o salário mínimo corresponde, hoje, a mais de US$ 200. Isso permitiu ao consumidor planejar melhor suas compras, facilitado por uma política de créditos consignados e a longo prazo, malgrado as elevadas taxas de juros.

O governo Lula não criminalizou movimentos sociais; buscou o diálogo, ainda que timidamente, com lideranças populares; melhorou as condições dos quilombos; demarcou terras indígenas como Raposa Serra do Sol.

Ao rechaçar a ALCA e zerar as dívidas com o FMI, Lula afirmou o Brasil como país soberano e independente. O que lhe permitiu manter confortável distância da Casa Branca e se aproximar da África, dos países árabes e da Ásia, a ponto de enfraquecer o G8 e fortalecer o G20, do qual participam países em desenvolvimento. Estreitou relações com a África do Sul, a Índia e a China, valorizou a UNASUL e rompeu o “eixo do mal” de Bush ao defender a autodeterminação de Cuba, Venezuela e Irã.

O governo termina sem que, nos oito anos de mandato, tenham sido abertos os arquivos das Forças Armadas sobre os anos de chumbo, nem apoiado iniciativas para entregar à Justiça os responsáveis pelos crimes da ditadura. O país continua sem qualquer reforma estrutural, como a agrária, a política, a tributária etc.

Na educação, o investimento não superou 5% do PIB, quando a Constituição exige ao menos 8%. Embora o acesso ao ensino fundamental tenha se universalizado, o Brasil se compara, no IDH da ONU, ao Zimbabwe em matéria de qualidade na educação. Os professores são mal remunerados, as escolas não dispõem de recursos eletrônicos, a evasão escolar é acentuada. Os programas de alfabetização de adultos fracassaram e o MEC se mostrou desastrado na aplicação do ENEM. De positivo, a ampliação das escolas técnicas e das universidades públicas, o sistema de cotas e o ProUni.

O SUS continua deficiente, enquanto o atendimento de saúde é progressivamente privatizado. Hoje, 44 milhões de brasileiros estão inscritos em planos de saúde da iniciativa privada. Mais de 50% dos domicílios do país não possuem saneamento, os alimentos transgênicos são vendidos sem advertência ao consumidor, os direitos das pessoas portadoras de deficiências não são devidamente assegurados.

Governar é a arte do possível. Implica imprevistos e exige improvisos. Lula soube fazê-lo com maestria. Espero que o governo Dilma possa aprimorar os avanços da administração que finda e corrigir-lhe as falhas, sobretudo na disposição de efetuar reformas estruturais e ampliar o rigor na preservação ambiental. Tomara que a presidente consiga superar a deficiência congênita de sua gestão: o matrimônio, por conveniência eleitoral, entre o PT e o PMDB.

PS: O poder não muda ninguém, faz com que as pessoas se revelem.

Por Frei Betto, que é escritor, autor de A mosca azul e Calendário do poder (Rocco), entre outros livros

Fonte: Sul21.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.contrafcut.org.br.

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Oito anos, quase uma vida

Adital – Metade de janeiro de 2003: estou com tudo encaminhado para fazer o Mestrado em Desenvolvimento Regional na UNISC, Universidade de Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul. Recebo um telefonema de Frei Betto, perguntando sobre o que pretendo fazer na vida. E me convida para integrar sua equipe de mobilização social na Assessoria do Presidente Lula, recém eleito.

Não havia como recusar. Momento histórico, esperado e sonhado há décadas por milhares de lutadores e lutadoras sociais, educadores e educadoras populares, militantes políticos. Hora e possibilidade de, finalmente, mudar o Brasil, incorporar os pobres e trabalhadores à cidadania, a terem vez e voz.

Começamos a trabalhar no envolvimento da sociedade no Fome Zero, prioridade número um do governo Lula: enfrentar a fome, a miséria e a pobreza de milhões de brasileiras e brasileiros. Daí surgiram, no debate e na construção coletiva, a Rede TALHER de Educação Cidadã e o Programa Escolas-Irmãs. A palavra-sigla TALHER, aliás, foi a única que vingou entre as outras criadas por Frei Betto – MESA, COPO, PRATO, SAL -, única que não era sigla, mas representava os talheres – garfo, faca, colher -, que ajudam a comer, e o ‘taller’ espanhol, oficina de formação e capacitação.

O sentido do governo Lula e de sua Assessoria de Mobilização Social era contribuir em ‘matar a fome de pão, urgente e necessária, e saciar a sede de beleza, tão urgente e necessária quanto’. Não basta o pão, é preciso também a palavra e o projeto. O pão é a realidade a ser transformada, a palavra é a mensagem que acalenta os ouvidos e a esperança, o projeto é o sonho, a utopia a serem construídos. Por isso, ao mesmo tempo, ‘matar a fome de pão e saciar a sede de beleza’ são tarefa e compromisso de governos e da sociedade.

Oito anos, quase uma vida. Não me arrependi de ter mudado os planos de vida. Foram 8 anos intensos. Conheci o país inteiro. Dos 27 estados, só não consegui chegar no Amapá. Conheci lugares diferentes, capitais e interior, o sertão nordestino, a Chapada dos Guimarães no Mato Grosso, Raposa Serra do Sol em Roraima, o norte do Espírito Santo – São Mateus e a Lagoa da Conceição -, o interiorzão do Piauí – Picos, Floriano, Pedro II e Acauã – , cidades e mais cidades – Taiobeiras em Minas e Cacoal em Rondônia -, as regiões todas deste imenso Brasilzão.

Conheci milhares de lideranças sociais e militantes, educadores e educadoras populares, dedicando parte de suas vidas aos outros e à esperança. Sim, ainda existe muita gente assim no Brasil afora capaz de tirar dinheiro do bolso para organizar a comunidade, dar parcela de seu tempo à causa dos pobres, juntar o povo na busca de seus direitos. Participei de cirandas e de muito forró, de fogueiras à noite ao ar livre celebrando a vida e a luta, de danças com índios guaranis, de forrós sertanejos com a acordeona chorando os amores e os desencontros, o carnaval puro, de raiz, em Mendes no Rio, bebi bebidas de todos os tipos e cores, acordando mais feliz no dia seguinte, comi peixe em Santarém, Manaus e Conceição do Araguaia, bom como nenhum outro do mundo, ou churrasco à moda antiga, assada com o espeto enfiado no chão, num quilombo em Bagé, os ‘preparados’ dos índios do Acre, o pinhão do Paraná, ouvi o linguajar nordestino às vezes quase incompreensível para um gaúcho, os yanomamis e sua língua e cultura preservadas.

Nada paga ou iguala uma experiência dessas, de chegar e mergulhar nas raízes populares, de se deixar embeber e embebedar pela riqueza cultural de um povo generoso, de sentir a fé desse povo em si mesmo, na sua força e capacidade de fazer-se gente.

O mais importante é que o povo acordou ou está (re)acordando. Está-se valorizando como povo e como gente, gente da mata e da favela, gente da roça e do semi-árido, gente da campanha e do pantanal, gente da cidade grande e das regiões metropolitanas. O povo trabalhador descobre que pode. As mulheres dão-se conta que, se for o caso, não precisam depender de ninguém para amar, os jovens loucos para conhecer a vida e transformar o mundo. A educação popular de Paulo Freire faz parte desta caminhada de construção de sujeitos, de protagonistas do futuro com justiça, com dignidade para todos e todas, com igualdade social e econômica.

O Brasil ainda está longe de ser o que sempre sonhamos, mas está muito mais perto do que queremos e buscamos. Uma Nação afirma-se como projeto soberano. Quando essa possibilidade torna-se concreta, essa idéia torna-se consciência coletiva de milhões, não há quem segure a história. Está aí o desafio de 2011 e da nova década que se anuncia no horizonte.

FELIZ 2011! E a todas e todos meu brinde tradicional, especialmente os mais chegados: À VIDA, AO PRAZER E AO AMOR!

Em trinta de dezembro de dois mil e dez.

Por Selvino Heck, que é assessor especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.adital.org.br.

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