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O serpentário do neoliberalismo: um estudo da idiotice econômica

Apesar do fracasso retumbante do neoliberalismo, continua-se a ouvir a ladainha neoliberal, em especial, os seus mantras: “livre mercado”, “metas de inflação”, “câmbio flutuante”, “taxa natural de desemprego”, “PIB potencial”, “relação dívida/PIB”, “autonomia do banco central”, “intocabilidade dos contratos”, “ambiente de negócios”, “medidas macroprudenciais”, etc., etc. & etc. O fato de tais slogans não passarem, do ponto de vista econômico (ou de qualquer outro), de um besteirol, não inibe os neoliberais, o que não seria um problema, se cada louco ficasse com a sua mania. No entanto, quando pessoas de boa fé, iludidas por essa vigarice, repetem essas mesmas inanidades como se isso fosse conhecimento econômico, aí, sim, temos um problema.

Ao contrário do que dizem os seus corifeus, o chamado “neoliberalismo” não é uma teoria ou escola econômica. Aliás, não há nele teoria, nem cacoete de ciência, pois não há nenhuma tentativa de demonstrar que suas supostas teses estão certas. É, na verdade, uma série de dogmas, próximos às prescrições de auto-ajuda – e nada mais. Não por acaso, sua origem está numa espécie de loja maçônica anticomunista e antiprogressista, a Sociedade de Mont Pèlerin, uma P2 do fascismo acadêmico surgida após a II Guerra, e sua essência é, simplesmente, que o melhor para os “mais capazes” é que as economias dos países sejam completamente submetidas aos interesses do setor financeiro mais sequioso e desarvorado.

George Gilder, um dos ideólogos neoliberais do governo Reagan, expressou assim esse conteúdo: “o progresso material é inelutavelmente elitista: faz os ricos ficarem mais ricos e aumenta o seu número, exaltando os poucos homens extraordinários que podem produzir riqueza acima das massas democráticas que a consomem. (…) Para serem bem sucedidos, os pobres necessitam, antes de tudo, da espora da sua pobreza” (cit. in John Kenneth Galbraith, “A Journey Through Economic Time”, Houghton Mifflin, 1994, págs. 214 e 215).

Ou, como disse a senhora Thatcher: “nossa função é glorificar-nos na desigualdade e vigiar para que seja dada abertura e expressão aos talentos e às capacidades, para benefício de todos nós” (cit. in Susan George, “A Short History of Neoliberalism”, Conference on Economic Sovereignty in a Globalising World, março/1999).

Naturalmente, não precisamos dizer quem ou que os neoliberais consideram que são os “poucos homens extraordinários que podem produzir (?) riqueza”, ou os “talentos”(??), ou as “capacidades” (???), ou “todos nós” (????). No Brasil, depois de oito anos de governo tucano, com sua indústria (a única que eles edificaram) de subornos para entregar a propriedade pública, com seus almofadinhas que ficavam milionários do dia para a noite, não há quem desconheça o significado dessa glorificação da mediocridade, do parasitismo, da corrupção – em suma, da falta de escrúpulos e de caráter.

RESULTADOS

Já se observou que os resultados econômicos reais do neoliberalismo, com a única exceção dos ganhos dos monopólios financeiros, não têm a mínima importância para os neoliberais. Ele foi um fracasso não somente nas economias dos países dependentes e periféricos, mas também nas economias dos países centrais. Não poderia, a propósito, haver exemplo mais eloquente desse fracasso do que a Inglaterra, aliás, “Reino Unido”.

Quando Margaret Thatcher assumiu o governo, em 1979, a taxa de investimento (isto é, as inversões em máquinas, equipamentos e edificações produtivas) da economia inglesa estava em 20,4% do PIB (cf., Banco Mundial, “Gross capital formation 1965-2009”).

As “reformas” de Thatcher, modelo mundial do neoliberalismo, fizeram essa taxa de investimento cair violentamente – em 1981, era apenas 16% do PIB. Somente em 1988, a taxa de investimento da economia inglesa voltaria ao patamar de nove anos antes. Mas logo continuaria a cair, depois de 1990, até o abismo de 15,9% (1993), e nunca mais voltou ao nível de 1979. O máximo a que chegou foi 18,3% em 2007, para, com a crise que o próprio neoliberalismo causou no mundo, reduzir-se a ínfimos 13,6% em 2009 (o dado referente a 2010 ainda não foi disponibilizado pelo Banco Mundial).

Como observou Perry Anderson, aliás, um ex-consultor do Banco Mundial, “… a taxa de acumulação, ou seja, da efetiva inversão em um parque de equipamentos produtivos, não apenas não cresceu durante os anos 80, como caiu em relação a seus níveis – já médios – dos anos 70. No conjunto dos países de capitalismo avançado, as cifras são de um incremento anual de 5,5% nos anos 60, de 3,6% nos anos 70, e nada mais do que 2,9% nos anos 80. Uma curva absolutamente descendente. Cabe perguntar por que a recuperação dos lucros não levou a uma recuperação dos investimentos. Essencialmente, pode-se dizer, porque a desregulamentação financeira, que foi um elemento tão importante do programa neoliberal, criou condições muito mais propícias para a inversão especulativa do que produtiva (Perry Anderson, “Balanço do neoliberalismo”, grifo nosso).

Tomemos outro modelo do neoliberalismo, este um país periférico, o Chile. Nesse país, segundo Milton Friedman, o neoliberalismo teria operado algo que ele chamou de “miracle of Chile” (milagre do Chile). Vejamos esse milagre.

Quando Pinochet começou a fazer suas “reformas”, devidamente aconselhado por Friedman, Hayek e outros expoentes do neoliberalismo, a taxa de investimento da economia chilena, segundo o Banco Mundial, estava em 24,8% do PIB (1974). Dois anos depois, era de apenas 15,7% (1976). Subiu lenta e dolorosamente até 1981 (22,7%) – não devido ao aumento dos investimentos, mas à queda rápida e estúpida do PIB – para cair, em seguida, num precipício: em 1983, a taxa de investimento da economia chilena era de apenas 9,9% do PIB, apesar do PIB ter continuado, também, a cair. E somente saiu desse buraco porque Pinochet abandonou seus mentores neoliberais e implementou uma política econômica diferente a partir de 1984 – naturalmente, Pinochet gostava mais do poder do que do neoliberalismo.

LITANIA

No entanto, apesar desse fracasso retumbante, continua-se a ouvir a ladainha neoliberal, em especial, os seus mantras: “livre mercado”, “metas de inflação”, “câmbio flutuante”, “taxa natural de desemprego”, “PIB potencial”, “relação dívida/PIB”, “autonomia do banco central”, “intocabilidade dos contratos”, “ambiente de negócios”, “medidas macroprudenciais”, etc., etc. & etc.

O fato de tais slogans não passarem, do ponto de vista econômico (ou de qualquer outro), de um besteirol, não inibe os neoliberais, o que não seria um problema, se cada louco ficasse com a sua mania. No entanto, quando pessoas de boa fé, iludidas por essa vigarice, repetem essas mesmas inanidades como se isso fosse conhecimento econômico, aí, sim, temos um problema.  Certamente, o alvo preferido dos vigaristas são as pessoas de boa fé.

Esse problema, evidentemente, não está no povo. Este, como mostraram as últimas eleições, querem ver os neoliberais pelas costas – de preferência, é forçoso reconhecer, num poste público. Que o diga o sr. José Serra, que não chegou a tanto, mas sentiu que algo desagradável à sua pessoa estava no ar – além das bolinhas de papel.

A vontade do povo, no entanto, não impediu que o então, e atual, ministro da Fazenda declarasse, ainda antes das eleições, que, fosse qual fosse o candidato eleito, a política econômica seria a mesma (cf. entrevista à “Veja”, ed. 20/06/2009).

Eis o típico neoliberal de país dependente – não interessa a realidade, nem o que o povo escolhe, só o seu pobre e subserviente escaninho mental que não consegue ver nada além do interesse do setor financeiro externo, que para ele é a mesma coisa que a única política econômica possível. O fato de Mantega dizer que não é um neoliberal, que é um “desenvolvimentista”, não tem importância alguma. Há muito, todo neoliberal que se preza – ou seja, que não quer se arriscar – diz que não é neoliberal. Mantega poderia se dizer marxista (como, aliás, já se disse), que isso nada mudaria:

“Como observou o professor Nilson Araújo, o infeliz ‘pai’ do Consenso de Washington diz que nunca foi ‘neoliberal’ (claro que não: ele só quer acabar com o nosso Estado, mas neoliberal ele nunca foi). E, depois de terem cantado em prosa e verso o maravilhoso e tão desejado ‘fim do marxismo’, foi exatamente em Marx que eles foram buscar credibilidade para pespegar em suas bolorentas (Kautsky e Bernstein que o digam) chorumelas. Bob Fields descobriu que Marx era um entusiasta do afastamento cada vez maior entre os produtores e a propriedade dos meios de produção, e que, como ele, adoraria viver sob a servidão imperial. Gustavo Franco, mentor intelectual do presidente da República, é, segundo seu pupilo, ‘puro Marx’. Todos marxistas. Mas a fantasia mais espalhafatosa foi mesmo a de FH. No seu ‘debut’, há muito tempo atrás, ele gostava de deixar no ar que talvez, quem sabe, tivesse alguma coisa a ver com Marx, o ‘método’, o ‘seminário’, mas nada explícito, nada comprometedor, só o indispensável para se esgueirar em águas turvas. Agora, na hora do desespero, ele cita em vão o santo nome onze vezes! Caramba! A fantasia, a camuflagem e o embuste crescem na proporção exata do reacionarismo e da subserviência!” (Cláudio Campos, “A incrível prostração e o refinado fascismo de Fernando Henrique”, HP, 16/10/1996).

Graças aos céus, o povo brasileiro não tinha – e não tem – a mesma opinião sobre as eleições passadas. Mas que Mantega vem se esforçando para cumprir o seu próprio vaticínio, lá isso vem.


INVESTIMENTO

Nada do que os neoliberais professam tem o significado das palavras que usam. Assim, falam em “competição” e “concorrência” para referir-se ao monopólio mais selvagem. Susan George, no texto que citamos acima, observa algo com que nossos leitores já estão familiarizados: “o princípio de competição se aplica escassamente aos maiores atores do mundo neoliberal, as corporações transnacionais; preferem praticar o que poderíamos chamar de capitalismo de aliança. Não é acidental que – dependendo do ano – entre dois terços a três quartos de todo o dinheiro rotulado como ‘investimento direto estrangeiro’ não se dedique a investimentos criadores de novos empregos, mas a fusões e aquisições que quase invariavelmente resultam em perda de empregos (grifo nosso).

Há muito se sabe disso. O próprio texto de Susan George já tem 12 anos. Mas isso não impede o ministro da Fazenda de propugnar – como o faz desde sua posse no cargo, em 2006 – que a solução para criar empregos no país é abri-lo para avalanches de “investimento direto estrangeiro”, isto é, para a compra de empresas nacionais por monopólios transnacionais.

Se dependêssemos disso, estávamos fritos. Ainda bem que o presidente Lula, contra Mantega, que achava o objetivo colocado pelo presidente (crescer no mínimo 5% ao ano) um “exagero” – e continua achando, pois acabou de declarar que 5% é o máximo que o Brasil pode crescer – empreendeu o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), baseado não no “investimento direto estrangeiro”, mas nos investimentos públicos.


PRIVATIZAÇÃO

O neoliberalismo, portanto, não é uma teoria, mas uma crença dogmática, um fanatismo alucinado, algo inteiramente impermeável a argumentos lógicos.

Note-se que o centro de todo o talmude neoliberal durante 40 anos, a fábula da privatização, foi a primeira a ser desmoralizada. E não por acaso, pois a privatização de serviços públicos – telecomunicações, eletricidade, etc. – fizeram com que o povo vivenciasse qual era o conteúdo dessa miséria:

“Na realidade, quase todos os serviços públicos constituem o que os economistas chamam de ‘monopólios naturais’. Um monopólio natural existe quando o tamanho mínimo [da empresa] para garantir o máximo de eficiência econômica é igual ao tamanho real do mercado. (…) Os serviços públicos também requerem, no início, investimentos muito grandes em infraestrutura – como ocorre com as estradas de ferro ou as redes elétricas – o que não encoraja a competição. Por isso é que os monopólios públicos são a óbvia solução ótima. Mas os neoliberais definem qualquer coisa pública, ipso facto, como ‘ineficiente’. Então, o que acontece quando se privatiza um monopólio natural? Bastante normal e naturalmente, os novos proprietários capitalistas tendem a impor preços de monopólio ao público, enquanto remuneram ricamente a si próprios. (…) os preços são mais altos do que deveriam ser e o serviço ao consumidor não é necessariamente bom” [aliás, acrescentaríamos, pela própria lógica do monopólio, é inevitavelmente ruim. – CL] (Susan George, “A Short History of Neoliberalism”).

Foi exatamente o que aconteceu no Brasil, com consequências econômicas desastrosas – mas com uma consequência política alvissareira: defender a privatização passou a ser a antessala da morte eleitoral.

Porém, o repúdio à “privatização” não faz, obviamente, com que os neoliberais desistam de impor a sua malfadada receita, na qual, o mais notável é a escassez de pensamento. Rigorosamente, não existe pensamento no neoliberalismo. Existe uma litania, a repetição dos mesmos reclames, seja lá qual for a realidade, tal como em certos ritos religiosos obsessivos.

Já daremos um exemplo recente dessa repetição, desse rosário isento de pensamentos.

Antes do exemplo, uma questão mais de fundo: qual é a base real de um fanatismo que não pode dizer nada de verdadeiro sobre si próprio, que não ousa, muitas vezes, nem dizer o seu próprio nome, que nem tem pensamento algum que assim possa ser chamado, que usa as palavras como se fossem antônimos – e que quando o povo descobre a verdade, tem que fugir para a marginalidade do mundo político? Como pode isso existir? Como pôde se expandir, a ponto de ministros repetirem seus slogans sem mais questionamentos, baseados na pura fé de sua suposta verdade?

A base real é o mundo irreal das finanças, tal como se tornou após o rompimento do dólar com o padrão-ouro, na década de 70.


NIXON

Até então, o neoliberalismo era uma seitazinha insignificante de alguns chatos e doidos que se reuniam na sua loja maçônica. Na década de 70, o próprio presidente norte-americano que rompeu com o lastro-ouro do dólar, Richard Nixon, disse uma frase famosa: “agora, todos nós somos keynesianos”. Ou seja, o neoliberalismo era tão insignificante que Nixon se definia pelo seu contrário na economia política não-marxista.

Mas talvez seja melhor passar essa questão histórica a um especialista na matéria – não propriamente um historiador, mas um banqueiro norte-americano especializado em “fusões e aquisições”. A citação é longa, mas o leitor, certamente, não morrerá de tédio:

“… em 1970, o segundo ano de Nixon no governo, o crescimento desabou para quase zero, enquanto a inflação beirava 6%. O déficit federal em 1970 foi tão grande quanto qualquer um do período de Johnson. Uma tentativa de estímulo fiscal provavelmente resultaria em mais inflação. E ainda havia o problema do dólar. O compromisso americano de resgatar dólares à taxa de US$ 35 por onça (31 gramas) de ouro era o sustentáculo da estabilidade monetária mundial. Mas as reservas de ouro americanas estavam em queda (…). A solução proposta nos manuais de economia era elevar as taxas de juro para que os estrangeiros preferissem manter seus dólares. Mas, com a economia tão frágil, uma elevação das taxas poderia provocar uma forte recessão.

“Poucos políticos tinham o dom de Nixon para lances ousados. Em agosto de 1971, ele levou toda a sua equipe econômica de helicóptero para Camp David, para um fim semana que Herbert Stein, membro do Conselho de Assessores Econômicos do presidente, previu que ‘poderia ser a reunião mais importante na história da economia’ desde o New Deal. Na semana seguinte, Nixon anunciou que reduziria os impostos, imporia o controle de salários e preços em toda a economia, aplicaria uma sobretaxa de imposto sobre as importações e rescindiria o compromisso de resgatar dólares em troca de ouro. (…) O dólar chegou ao fim de 1971 a cerca de US$ 44 por onça de ouro. Ou seja, medida em ouro, os parceiros comerciais dos Estados Unidos tiveram uma perda de 25% em seus ativos. O Japão recebeu o golpe mais forte, porque tinha grandes reservas em dólar. (…) Os aumentos de preço do petróleo da OPEP, que ajudaram a desencadear a grande inflação da década de 1970, foram consequência direta da flutuação do valor do dólar. Em 1973, quando os países da OPEP triplicaram o preço do petróleo, o dólar caíra para cerca de US$ 100 por onça de ouro, ou aproximadamente um terço do valor anterior. Em 1979, quando a OPEP voltou a triplicar os preços, o dólar variou entre US$ 233 e US$ 578 por onça de ouro. Em termos de ouro, portanto, a OPEP ainda estava perdendo terreno.  Em 1980, quando o dólar desabou para U$ 850 por onça de ouro, o preço do petróleo em ouro era o mais baixo até então. O verdadeiro problema era que os Estados Unidos tinham degradado sua moeda” (Charles R. Morris, “O Crash de 2008”, Aracati, trad. Otacilio Nunes, 2009).

Infelizmente, leitores, o espaço acabou. Que fazer? Continuaremos na próxima edição.

Por Carlos Lopes.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.horadopovo.com.br

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