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A corrida estrangeira pela terra brasileira

IHU – Unisinos – Instituto Humanitas Unisinos – Adital

Terça, 30 de outubro de 2012

“Apesar de pequenos agricultores produzirem quase a metade dos alimentos no mundo, eles constituem a população mais fragilizada, em situação de miséria e fome, cuja ausência de titularidade ou posse da terra os torna mais vulneráveis”, constata a socióloga.

A compra de terras por empresas estrangeiras está aumentando em “países cuja governança sobre a terra é frágil, as negociações são pouco transparentes e, em muitos casos, sem consulta prévia às populações envolvidas ou potencialmente atingidas pelos empreendimentos”, informa Maíra Martins, pesquisadora da ActionAid Brasil à IHU On-Line. Segundo ela, os dados do relatório “Situação da Terra”, realizado pela ONG, indicam que, diante da crise econômica internacional, “a garantia do direito à terra, acesso aos territórios e meios de vida das comunidades e populações pobres no meio rural é crucial para o combate à fome e para a redução das desigualdades no mundo”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Maíra esclarece que a aquisição das terras aumentou após a crise econômica de 2007 e 2008. “No contexto da crise financeira e econômica, muitos investidores voltaram-se para o mercado de terras. A chamada ‘corrida por terras’ se deve também à demanda por biocombustíveis e matérias primas, com destaque para algumascommodities como milho, soja, cana-de-açúcar, dendê e florestas plantadas (eucalipto), cultivos estes voltados para exportação”. E acrescenta: “Estima-se que as transações com terras, cuja média era de 4 milhões de hectares por ano até 2008, saltaram para 45 milhões de hectares somente entre outubro de 2008 e agosto de 2009, sendo grande parte dessas negociações, em torno de 75%, no continente africano”.

O processo de estrangeirização das terras brasileiras ocorre desde os anos 1970, mas a partir de 2008, “também houve a intensificação da participação de estrangeiros em investimentos agropecuários, bem como na aquisição de terras no Brasil, acompanhando a tendência global”, informa. De acordo com a pesquisadora da ActionAid, o continente Africano é o principal alvo de interesse das empresas. “Em 2010, o Banco Mundial estimou que cerca de 46 milhões de hectares de terra agricultáveis haviam sido negociados no continente. Grande parte dessas aquisições ocorre em países com altos índices de fome e pobreza, cuja legislação e governança sobre a terra são frágeis, bem como os meios para proteger os direitos das populações afetadas”.

Maíra Martins é assessora de pesquisa e políticas da ActionAid Brasil, socióloga e mestre em Ciências Sociais com foco em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os dados mais preocupantes do relatório “Situação da Terra” em relação à compra de terras tradicionais por empresas estrangeiras e a crise alimentar?

Maíra Martins – O relatório trata do problema das aquisições de terra em larga escala em países em desenvolvimento. Dividido em duas partes, na primeira apresenta os impactos da corrida por terras para as comunidades rurais e, em especial, para as mulheres. Na segunda parte analisa a situação de 24 países no que concerne a sua situação fundiária e sua capacidade (política, legal e jurídica) para proteger os direitos territoriais das populações e comunidades, cujo meio de vida depende da terra e dos recursos naturais.

Chama atenção para o fato de que grande parte dos investimentos em compras de terras tem se dado em países cuja governança sobre a terra é frágil, as negociações são pouco transparentes e, em muitos casos, sem consulta prévia às populações envolvidas ou potencialmente atingidas pelos empreendimentos.

Apesar de pequenos agricultores produzirem quase a metade dos alimentos no mundo, eles constituem a população mais fragilizada, em situação de miséria e fome, cuja ausência de titularidade ou posse da terra os torna mais vulneráveis. No caso das mulheres a situação é mais grave: embora tenham papel crucial na agricultura e reprodução dos modos de vida, possuem apenas 2% de toda a terra globalmente. Assim, no contexto de crise dos preços dos alimentos e fome no mundo, a mensagem central do relatório é de que a garantia do direito à terra, acesso aos territórios e meios de vida das comunidades e populações pobres no meio rural é crucial para o combate à fome e para a redução das desigualdades no mundo.

IHU On-Line – Desde quando está em curso a estrangeirização de terras no Brasil e nos demais países da África e da Ásia?

Maíra Martins – Após a crise dos preços dos alimentos em 2007-2008, identifica-se o aumento expressivo da aquisição de terras em larga escala. No contexto da crise financeira e econômica, muitos investidores se voltaram para o mercado de terras. A chamada “corrida por terras” se deve também à demanda por biocombustíveis e matérias primas, com destaque para algumas commodities como milho, soja, cana-de-açúcar, dendê e florestas plantadas (eucalipto), cultivos estes voltados para exportação. Estima-se que as transações com terras, cuja média era de 4 milhões de hectares por ano até 2008, saltaram para 45 milhões de hectares somente entre outubro de 2008 e agosto de 2009, sendo grande parte dessas negociações, em torno de 75%, no continente africano.

No caso do Brasil, o processo de estrangeirização das terras não é necessariamente novo: a cooperação nipo-brasileira para o desenvolvimento da agricultura nos Cerrados, na década de 1970, é considerada um importante marco desse processo por pesquisadores. Contudo, tem sido verificado que, a partir de 2008, também houve a intensificação da participação de estrangeiros em investimentos agropecuários, bem como na aquisição de terras no Brasil, acompanhando a tendência global.

IHU On-Line – Entre os países da América Latina, África e Ásia, é possível apontar em qual dos continentes há maior disputa pelos territórios e onde as empresas estrangeiras mais compram terras? Quais os interesses das empresas nesses países?

Maíra Martins – O continente africano tem sido o principal alvo dos interesses das empresas em aquisições e terras. Em 2010, o Banco mundial estimou que cerca de 46 milhões de hectares de terra agricultáveis haviam sido negociados no continente. Grande parte dessas aquisições ocorre em países com altos índices de fome e pobreza, cuja legislação e governança sobre a terra são frágeis, bem como os meios para proteger os direitos das populações afetadas. As empresas, por outro lado, buscam boas oportunidades de investimento, nesse sentido, encontram facilidades para compra de terras ou contratos de arrendamento, incentivos fiscais, preços de terra mais baratos, bem como populações fragilizadas por não possuírem garantias legais.

IHU On-Line – Que empresas participam desse comércio de terras? Quais as implicações dessas negociações?

Maíra Martins – Diversos setores participam das negociações por terras, desde fundos de investimento e especuladores – cujo interesse é a valorização da terra, como empresas nacionais e multinacionais de produção de etanol, eucalipto, milho, soja – até setores da mineração e outras indústrias extrativas.

IHU On-Line – O que muda em relação à produção agrícola uma vez que as empresas estrangeiras são donas dos territórios?

Maíra Martins – Territórios que antes eram habitados ou produzidos por uma comunidade, bem como seus recursos naturais (água, solo, fauna, etc.), são monopolizados nas mãos de poucos, geralmente convertidos em regiões de monocultivos para exportação, com alto uso de agrotóxicos, intenso consumo dos recursos hídricos e poluição do ar ou do subsolo. Dependendo do setor, emprega-se pouca mão de obra, não contribuindo muito para o desenvolvimento local.

IHU On-Line – Qual o posicionamento dos governos desses países em relação à compra de terras nacionais?

Maíra Martins – Para muitos governos a entrada de investimentos estrangeiros no país é tida como oportunidade de geração de renda e emprego para as comunidades, além de ser uma oportunidade de transferência de tecnologia. Sabemos que não é esse processo que tem sido noticiado e denunciado por muitas organizações ao redor do mundo. Nesse sentido, há discussões em âmbito internacional e em muitos países sobre maneiras de fortalecer os mecanismos de governança sobre a terra e regular os investimentos das empresas, cobrando mais responsabilidades dos investidores estrangeiros. Mais de cem países do Comitê Global de Segurança Alimentar endossaram as diretrizes globais voluntárias sobre a gestão responsável da posse da terra e os direitos de acesso à terra, à pesca e aos recursos florestais. No entanto, por serem voluntárias, é necessário que os países adaptem aos seus contextos nacionais e incorporem os princípios e recomendações em formato de legislação.

IHU On-Line – Qual a situação específica do Brasil? É possível estimar que percentual do território brasileiro já pertencente a empresas estrangeiras?

Maíra Martins – O Brasil possui uma estrutura fundiária extremamente concentrada, resultado de nosso processo histórico, da maneira como a terra tornou-se propriedade privada e também reserva de valor. Como demonstra os dados do último censo agropecuário, as pequenas propriedades rurais, com menos de dez hectares, ocupam apenas 2,7% da área total dos estabelecimentos rurais, algo torno de 7,8 milhões de hectares, um terço do que, por exemplo, é hoje ocupado somente com a soja. Ao mesmo tempo em que assistimos a expansão das fronteiras agrícolas para as monoculturas de exportação, com forte investimento estrangeiro, os processos de reforma agrária, de demarcação de territórios indígenas e quilombolas estão quase parados.

Há também fragilidades nos cadastros dos imóveis, revelando o fraco controle do estado sobre a governança da propriedade da terra no Brasil. Isso afeta uma identificação precisa das aquisições de terras por estrangeiros. Dos 850 milhões de hectares em terras no Brasil, apenas a metade está cadastrada como imóvel rural no sistema nacional de cadastro rural do Incra. Desse modo, é difícil definir percentuais sobre o território. Segundo estudos do Nead, baseado nas fontes do Sistema Nacional de Cadastro Rural – SNCR do Incra, em 2008 existiam 34.632 registros de imóveis em mãos de estrangeiros, equivalente a uma área total de 4 milhões de hectares, parte significativa desses imóveis classificados como grandes propriedades rurais.

IHU On-Line – O comércio de terras em larga escala tem estimulado o aumento do preço dos alimentos e a produção dos biocombustíveis. Quais as razões dessas consequências?

Maíra Martins – O interesse por terra para atender à demanda por commodities agrícolas ou para especulação tem provocado o aumento do preço da terra e a substituição de cultivos essenciais para segurança alimentar por produtos voltados para exportação. Esse processo reforça a tendência para concentração fundiária e monopólio, contribui para o encarecimento dos preços dos alimentos devido ao aumento dos custos de produção (preço da terra, distância e transporte etc.) e redução de oferta de alimentos.

IHU On-Line – Como esse comércio tem prejudicado as comunidades tradicionais e pequenos agricultores em todo o mundo? Quais os riscos de acirrar ainda mais a crise alimentar?

Maíra Martins – A pressão sobre as terras tem provocado o deslocamento de muitas comunidades – às vezes por processos violentos e conflituosos – inviabilizando seus modos de vida e formas de reprodução de sua cultura. Por não terem a propriedade ou posse da terra, as populações rurais mais pobres são facilmente deslocadas e expropriadas e, para aqueles que possuem a titulação, a pressão inflacionária do preço da terra e a chegada de investimento ao redor inviabilizam a permanência em suas terras, levando-os à venda ou arrendamento. Por exemplo, podemos imaginar uma família de pequenos agricultores que estão cercados por fazendas de cana de açúcar, com intenso uso de agrotóxicos, ocorrências de queimadas, e assoreamento dos rios, frequentemente assediadas para vender ou arrendar suas terras.

Muitos são os riscos para a crise alimentar. Esse processo recente de aquisições de terras vai na contramão do que se considera necessário para garantir a produção de alimentos, reduzir os impactos das crises dos preços e inflação. Essa busca por terras contribui para agravar a concentração de terra, renda e investimentos em alguns setores, sobretudo na distribuição, pressionando os preços e contribuindo para inflação.

Como dito acima, os agricultores familiares são aqueles que produzem grande parte dos alimentos consumidos no mundo. É preciso políticas que fortaleçam pequenos agricultores, comunidades tradicionais, dando-lhes acesso à terra e meios de produzir alimentos e reproduzir seus modos de vida com dignidade.

Notícia colhida no sítio http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=71718

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Paraíso dos agrotóxicos: o inferno é aqui mesmo!

O Brasil obteve o pentacampeonato mundial no quesito utilização intensiva de agrotóxicos em território nacional. Pelo quinto ano consecutivo, de 2008 a 2012, nosso País esteve à frente de todos os demais do planeta quanto ao volume de substâncias venenosas utilizadas nas atividades agropecuárias e correlatas.

Paulo Kliass

Para aqueles que adoram bater no peito, bem ufanista, a cada anúncio de novo recorde tupiniquim, eis aqui uma notícia que devemos analisar com muita cautela antes de qualquer comemoração precipitada. Isso porque o Brasil obteve o pentacampeonato mundial no quesito utilização intensiva de agrotóxicos em território nacional. Não, você não se enganou aqui na leitura, não! É isso mesmo: pelo quinto ano consecutivo, de 2008 a 2012, nosso País esteve à frente de todos os demais do planeta quanto ao volume de substâncias venenosas utilizadas nas atividades agropecuárias e correlatas.

Apesar de todos nós termos algum grau de avaliação subjetiva a respeito da gravidade da situação, a observação dos números torna o quadro realmente impressionante. O Brasil consome o equivalente a quase 1/5 do total de agrotóxicos produzidos no mundo: mais precisamente 19%. A título de comparação, os Estados Unidos surgem logo atrás com 17%. Isso significa que, não obstante termos um total de área agrícola cultivada muito menor que os norte-americanos, utilizamos muito mais agrotóxicos do que eles. Portanto, se existe alguma racionalidade nessa desproporção, ela só se explica pela ganância de lucro, a qualquer preço e sem a menor responsabilidade social ou ambiental, por parte das empresas produtores dessas substâncias causadoras de tantos malefícios ao ser humano e ao meio ambiente.

Brasil é recordista mundial no uso de agrotóxicos
Ao longo da primeira década desse milênio, a produção das 8 principais “commodities” em nosso País cresceu 97%, enquanto a área plantada aumentou em 30%. Porém, o total de vendas de agrotóxicos elevou-se em um patamar muito acima: subiu em 200%. Em 2010, foram vendidas 936 mil toneladas de agrotóxicos, um negócio que movimentou o equivalente a US$ 7,3 bilhões. Cálculos desenvolvidos por pesquisadores falam de um consumo médio anual superior a 5 kg por habitante. A importância das cifras negociais da atividade dá a medida de sua capacidade de fazer pressão sobre os órgãos governamentais encarregados de estabelecer as políticas públicas para o setor.

Por se tratar de substâncias especiais, os agrotóxicos são passíveis de regulação e regulamentação por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), assim como ocorre com os medicamentos, alimentos e demais produtos que possam comprometer a saúde. No entanto, ao contrário dos procedimentos adotados para os remédios e assemelhados (revisões periódicas das licenças e autorizações concedidas), os agrotóxicos podem ser fabricados livremente, sem tal reavaliação obrigatória. Os registros dos agrotóxicos junto ao setor público têm seu prazo de validade por tempo indeterminado, enquanto nos países desenvolvidos o período médio é de 10 anos.

Além disso, há uma circunstância agravante: boa parte dos agrotóxicos ainda produzidos aqui em nosso território já teve sua comercialização proibida nos países das matrizes das multinacionais, como Estados Unidos, Canadá e União Européia. No entanto, a exemplo do que ocorre com os demais mercados oligopolizados em escala global, no setor há 13 empresas que dominam quase 90% da oferta mundial de agrotóxicos. No Brasil, as 10 maiores respondem por 75% das vendas. O uso intensivo e continuado dos mesmos produtos acaba por gerar uma resistência e sua própria “eficiência” fica comprometida. Assim, o ciclo econômico e produtivo continua por meio da elevação das doses aplicadas na agricultura e também pela adoção dos novos produtos considerados mais eficazes, uma vez que são ainda desconhecidos do mundo vegetal onde passarão a atuar.

Modelo baseado no agronegócio e os hortifruti: risco crescente
Boa parte desse volume todo está associado ao modelo econômico aqui reinante, ancorado no agronegócio a todo custo. Ao contrário do que imagina o senso comum, as culturas transgênicas acabam por demandar uma quantidade maior de agrotóxicos e que estão sendo cada vez mais proibidos nos países desenvolvidos. A tendência, portanto, é que os requisitos para as importações nesses países sejam ainda mais rigorosos – e isso pode comprometer nossa performance exportadora desse tipo de produto agrícola a médio e longo prazo. A esse respeito, por exemplo, a própria China já inicia um processo de convergência de seus padrões de produção e consumo de produtos agrícolas, sendo mais exigente que as normas frouxas brasileiras.

Outro aspecto significativo é a concessão de estímulo tributário para as empresas produtoras de tais mercadorias. Do ponto de vista do governo federal, elas contam com isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – ou seja, a incidência de alíquota zero desse tributo. Já com relação aos impostos estaduais, a regra atual prevê uma redução de até 60% na incidência do ICMS. Com isso, o que se verifica é que o próprio Estado brasileiro termina por favorecer e incentivar um tipo de produto que é sabidamente prejudicial à saúde da população e comprometedor da qualidade do meio ambiente.

Essa situação cria uma espécie de esquizofrenia na relação de tal atividade com o poder estatal. De um lado, estimula-se a produção de tais venenos em escala gigantesca e o resultado é a perda de receita tributária em função das isenções de impostos. . Por outro lado, o resultado da utilização desses mesmos produtos na atividade agropecuária compromete, em sentido amplo, as condições sanitárias do País. Ou seja, o Estado é – e será cada vez mais – chamado a realizar despesas com a prevenção e o tratamento das tragédias (individuais e sociais) derivadas do uso de agrotóxicos. E aqui os estudos de técnicos envolvidos com a matéria apontam para o elevado custo social associado ao uso desses produtos. Para cada dólar gasto em consumo de agrotóxico, pode estar embutido uma despesa futura de US$ 1,28 em despesas sociais pelo governo. E são cálculos ainda subestimados, envolvendo apenas as doenças agudas e conhecidas até o presente. Os custos indiretos no futuro apontam para somas muito maiores.

Prejuízos para a saúde e para o meio ambiente
As conseqüências maléficas derivadas desse tipo de opção para a atividade agrícola são inúmeras. Em primeiro lugar estão os próprios trabalhadores envolvidos na produção dos venenos e na sua utilização nas plantações. Em seguida, vêm os consumidores dos alimentos cuja plantação esteve submetida ao uso de pesticidas prejudiciais à saúde humana. E finalmente há um conjunto enorme de efeitos indiretos, derivados da contaminação de solos e águas, cuja quantificação ainda está por ser feita de forma ampla e abrangente. Atualmente, por exemplo, estima-se que por volta de 20% do total de fungicidas seja utilizado pela atividade de hortaliças, normalmente realizada nos cinturões verdes próximos aos grandes espaços metropolitanos, de alta densidade populacional. O uso intensivo desse tipo de agrotóxicos contamina de forma radical os terrenos e os fluxos de água próximos ao habitat urbano.

Os riscos já verificados para a saúde são muitos. As doenças comprovadas vão desde diversos tipos de câncer, passando por um conjunto de distúrbios neurológicos, psiquiátricos, má formação do feto, entre outros. Além disso, as substâncias nocivas terminam por serem transmitidas pelo aleitamento materno, podendo comprometer diretamente as condições de saúde da geração seguinte, mesmo que o contato mais direto com o agrotóxico deixe de existir.

Do ponto de vista empresarial, a lógica que prevalece é a busca incessante de maximização de seus lucros. E ponto final! Assim foi o que ocorreu a partir da década de 1950, com a chamada “revolução verde”. Em nome da elevação da produtividade da produção agrícola, entulhou-se o planeta com essa primeira geração de pesticidas e herbicidas artificiais, que vieram depois a serem proibidos em razão de seu comprovado comprometimento da saúde. O entusiasmo com as possibilidades de ganhos com a produção agrícola foi imediato, mas durou pouco. O famoso e triste caso do DDT talvez seja o exemplo mais simbólico de tal aventura irresponsável. Com a proibição dos produtos dessa fase mais selvagem, a inovação tecnológica foi, aos poucos, incorporando novas fórmulas de aparência mais suave, mas que continuavam a comprometer o ser humano e o meio ambiente. Mas para as empresas, o importante é nunca parar de produzir e de acumular sempre mais. Promove-se a reorganização da produção e as plantas industriais de países com menor rigor de controle passam a produzir os venenos que venham a ser proibidos nos países de origem.

Necessidade de maior fiscalização e a busca de um novo modelo
Ora, para assegurar o bem estar coletivo da geração atual e das futuras contamos apenas com a ação preventiva, reguladora e punitiva do Estado. A visão liberal, de deixar a solução por conta apenas pelo equilíbrio das forças de oferta e demanda, revela-se como uma insanidade completa. E no caso brasileiro, tal presença do poder público deve ir para além de um rigor maior na cassação de licenças reconhecidamente danosas. É essencial a repressão ao contrabando de agrotóxicos que entram ilegalmente pelas fronteiras de países vizinhos, somando-se às toneladas acima mencionadas.

Mas talvez uma das ações mais importantes, do ponto de vista estratégico e de longo prazo, seja mesmo a mudança cultural. O Estado deve utilizar instrumentos de política econômica, de pesquisa científica, de padrões de educação e de campanhas de esclarecimento para mudar a forma como a sociedade encara o agrotóxico. Na contabilidade empresarial, o uso de agrotóxico deve surgir como um fator de produção mais caro, mais custoso do que os métodos agrícolas não agressivos. Do ponto de vista do consumidor, deve haver uma maior conscientização para que sejam mais demandados os produtos orgânicos e que não contenham esses venenos em sua cadeia produtiva. Do ponto de vista dos produtores rurais, devem ser estimuladas e apresentadas as formas alternativas de atividade agropecuária, com recursos da biotecnologia e da tecnologia social, de tal forma que façam chegar à mesa das famílias produtos livres da transgenia e dos agrotóxicos.

Assim como ocorreu com a chamada “revolução verde” de meio século atrás, já é passada a hora do Brasil intervir de forma mais protagonista nessa nova transformação da forma de produção agropecuária. Trata-se de incorporar elementos de sustentabilidade sócio-ambiental, para promover a transição de modelo, rumo a produção de alimentos mais saudáveis para o ser humano e para o futuro de nosso planeta.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Artigo colhido no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5840

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