fetec@fetecpr.com.br | (41) 3322-9885 | (41) 3324-5636

Por 23:49 Sem categoria

A tarefa mais urgente: conversar sobre o Brasil

A democracia deve ser exercida ali onde está o poder.

Não há nada mais precioso na vida de uma Nação do que o momento em que o poder se define nas ruas.

Assegurar que ele seja um poder democrático é a tarefa mais urgente no Brasil nesse momento.

As forças progressistas, preocupadas com os rumos das legítimas manifestações de massa em todo o país, tem uma tarefa simples, prática, urgente e incontornável.

Reunir-se em todos os fóruns possíveis para exercer a democracia dando-lhe um conteúdo propositivo.

Conversar sobre o Brasil.

Entender o momento vivido pelo Brasil.

Formular e reforçar linhas de passagem entre o país que já temos e aquele que queremos ter.

Que temos o direito de ter.

Não há tarefa mais importante na luta pelo desenvolvimento do que criar valores.

Não propriamente aqueles negociados em Bolsa.

Mas valores que coloquem a economia e os recursos a serviço da sociedade.

Como bem disse a Presidenta Dilma em seu discurso de 6ª feira, ‘Precisamos oxigenar o nosso sistema político. É a cidadania , e não o poder econômico, quem deve ser ouvido em primeiro lugar”.

É crucial dar organicidade a esse princípio.

Os valores que vão ordenar a travessia para o novo ciclo de desenvolvimento estão sendo sedimentados nos dias que correm.

As forças progressistas devem participar ativamente da carpintaria dessa moldura histórica.

Como?

Organizando-se para ir às ruas.

Reunindo-se previamente para conversar sobre o Brasil.

Em núcleos de base dos partidos, nos diretórios, sindicatos, associações de moradores, nos locais de trabalho, nos círculos de vizinhança, nas escolas, nos condomínios, com a turma do futebol ou a do facebook.

Fóruns já existentes, mas enferrujados, devem ser ativados; outros novos precisam ser criados.

O anseio por mais democracia revelado nos últimos dias não pode ser desperdiçado.

Não deve ser sufocado.

Nem desvirtuado.

Quem entorpece o discernimento social tangendo justas aspirações para o terreno pantanoso do apartidarismo totalitário, conspira contra a democracia, falando em nome dela.

A mobilização progressista exige referencias aglutinadoras.

Elas estão igualmente em curso.

Nos últimos dias, em diferentes pontos do país, os encontros se multiplicam.

Na 6ª feira, por exemplo, cerca de 800 pessoas, representando 80 entidades reuniram-se no Sindicato dos Químicos em São Paulo, à convite do MST.

Em pauta: mobilizar um milhão de pessoas em São Paulo, em defesa de um Brasil onde a democracia participativa paute o destino da sociedade e o futuro da economia.

Neste sábado, na Casa da Cidade, em SP, mais de 200 intelectuais, sindicalistas, integrantes do PSOL,PSTU, PT etc reuniram-se com o mesmo espírito.

São apenas dois exemplos. E eles não podem ser mais que dois, entre centenas, nos próximos dias.

Carta Maior está aberta para divulgar esse mutirão, veiculando os relatos de entidades que assumirem o papel de guarda-chuva do processo.

Postado por Saul Leblon.

Artigo colhido no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1269

==================================

Primeiras reflexões

O movimento, iniciado como resistência ao aumento das tarifas do transporte, foi inédito e surpreendente. Quem achar que consegue captar todas suas dimensões e projeções futuras de imediato, muito provavelmente estará tendo uma visão redutiva do fenômeno, puxando a sardinha para defender teses previamente elaboradas, para confirmar seus argumentos, sem dar conta do caráter multifacetário e surpreendente das mobilizações.

Não vamos tentar isto neste artigo, mas apenas tirar algumas primeiras conclusões, que nos parecem claras.

1. Foi uma vitória do movimento a anulação do aumento, mostra a força das mobilizações, ainda mais quando se apoiam numa reivindicação justa e possível – tanto assim que foi realizada.

2. Essa vitória, em primeiro lugar, reforça concretamente como as mobilizações populares valem a pena, sensibilizam as pessoas, fazem com se fale para toda a sociedade e servem como forte fator de pressão sobre os governos.

3. Além disso, o movimento colocou em discussão uma questão essencial na luta contra o neoliberalismo – a polarização entre interesses públicos e privados. Sobre quem deve financiar os custos de um serviço publico essencial que, como tal, não deveria estar submetido aos interesses das empresas privadas, movidas pelo lucro.

4. A conquista da anulação do aumento se traduz num beneficio para as camadas mais pobres da população, que são as que normalmente se servem do transporte publico, demonstrando como um movimento deve buscar abarcar não apenas as reivindicações que tocam cada setor da sociedade em particular, mas buscar atender as demandas mais amplas, especialmente as que tem a ver com os setores mais necessitados da sociedade e que tem mais dificuldades para se mobilizar.

5. Talvez o aspecto mais essencial das mobilizações tenha sido o de fazer entrar na vida politica a amplos setores da juventude, não contemplados por politicas governamentais e que, até aqui, não tinham encontrado suas formas especificas de se manifestar politicamente. Esta pode ser a consequências mais permanente das mobilizações.

6. Ficou claro também como os governos, dos mais diferentes partidos, uns mais – os de direita – outros menos – os de esquerda – tem dificuldades de se relacionar com mobilizações populares. Tomam decisões importantes sem consulta e quando se enfrentam com resistências populares, tendem a reafirmar tecnocraticamente suas decisões – “não há recursos”, “as contas não fecham”, etc. – sem se dar conta de que se trata de uma questão politica, de uma justa reivindicação da cidadania, apoiada em imenso consenso social, que deve ter soluções politicas, para o que os governantes foram eleitos. Só depois de muitas mobilizações e de desgaste da autoridade dos governantes, as decisões corretas são tomadas. Uma coisa é afirmar que “dialoga” com os movimentos, outra é se enfrentar efetivamente com suas mobilizações, ainda mais quando contestam as decisões tomadas pelos governantes.

7. Certamente um problema que o movimento enfrenta são as tentativas de manipulação de fora. Uma delas, representada pelos setores mais extremistas, que buscaram inserir reivindicações maximalistas, de “levantamento popular” contra o Estado, que justificariam suas ações violentas, caracterizadas como vandalismo. São setores muito pequenos, externos ao movimento – com infiltração policial ou não. Conseguem o destaque imediato que a cobertura da mídia promove, mas foram rechaçados pela quase totalidade dos movimentos.

8. A outra tentativa é da direita, claramente expressa na atitude da velha mídia. Inicialmente esta se opôs ao movimento, como costuma fazer com toda manifestação popular. Depois, quando se deu conta que poderia representar um desgaste para o governo, as promoveu e tentou inserir, artificialmente, suas orientações dirigidas contra o governo federal. Foram igualmente rejeitadas essas tentativas apelas lideranças do movimento, apesar de que um componente reacionário se fez sempre presente, com o rancor típico do extremismo direitista, magnificado pela velha mídia.

9. É de destacar a surpresa dos governos e sua incapacidade de entender o potencial explosivo das condições de vida urbanas e, em particular, a ausência de políticas para a juventude por parte do governo federal. As entidades estudantis tradicionais também foram surpreendidas e estiveram ausentes dos movimentos.

10. Duas atitudes se digladiaram ao longo das mobilizações: a denúncia das suas manipulações pela direita – expressas mais claramente presente na ação da mídia tradicional – e as tentações de se opor ao movimento. E aquela de exaltação acrítica do movimento, como se ele contivesse projetos claros e de futuro. Ambas são equivocadas. O movimento surgiu de reivindicações justas, composto por setores da juventude, com seus atuais estados de consciência, com todas as contradições que um movimento dessa ordem contem. A atitude correta é de aprender do movimento e atuar junto a ele, para ajudar a que tenha uma consciência mais clara dos seus objetivos, das suas limitações, das tentativas de ser usado pela direita e dos problemas que suscitou e como levar adiante a discussão dos seu significado e melhores formas de enfrentar os seus desdobramentos.

O significado maior do movimento vai ficar mais claro com o tempo. A direita só se interessará nas suas estreitas preocupações eleitorais – nos seus esforços desesperados para chegar ao segundo turno nas eleições presidenciais. Setores extremistas buscarão interpretações exorbitantes de que estariam dadas condições de alternativas violentas, o que se esvaziará rapidamente.

O mais importante são as lições que o próprio movimento e a esquerda – partidos, movimentos populares, governos – tirem da experiência. Nenhuma interpretação prévia dá conta da complexidade e do ineditismo do movimento. Provavelmente a maior consequência seja a introdução da temática do significado politico da juventude e de sus condições concretas de vida e de expectativas no Brasil do século XXI.

Postado por Emir Sader

Artigo colhido no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=1268

============================

As redes, as ruas e os riscos da incerteza

Há o imenso risco do movimento virar as costas para o fato de que o “gigante” não acordou somente agora e que esse país já foi palco de muitas lutas antes da internet. Afinal, foi gente muito desperta que lutou para construir nossa imperfeita democracia. Não saber distinguir verdadeiros adversários e ignorar que a longa luta por justiça, liberdade e democracia não começa agora, poderá levar os atuais movimentos a uma profunda derrota. Por Vinicius Wu.

Vinicius Wu (*)

Não resta dúvida de que a grande novidade das manifestações dos últimos dias é seu caráter descentralizado, atomizado, sua organização em rede e sua disseminação horizontal. E não se deve criar falsos fantasmas: não houve partidos e nem grupos “subversivos” na origem do movimento. A ultraesquerda e a oposição neoliberal podem até tentar, mas estão longe de “dirigir” as mobilizações, muito embora haja, sim, uma disputa aberta sobre o significado, o sentido e os eventuais desdobramentos políticos dos protestos.

A direita neoliberal do país pretende instrumentalizar os manifestantes. Querem canalizar as mobilizações de acordo com seus interesses, desgastar o campo progressista e reverter as conquistas populares dos últimos anos. A esquerda brasileira, por sua vez, precisa se convencer de que a pratica da ação em rede chegou ao país e compreender esse processo será decisivo para a luta política no próximo período.

Já ouvi muita gente desdenhar da capacidade de mobilização através das redes sociais no Brasil. Muitos diziam, categoricamente, que convocações pela Web jamais se tornariam ação concreta nas ruas e que, por aqui, dificilmente haveria algo semelhante ao ocorrido em Madri, Londres e outras tantas cidades em 2011. Talvez seja o momento de revisarmos algumas certezas e buscarmos uma leitura mais precisa do que se passa no mundo.

As ações em curso não se enquadram nas categorias tradicionais de análise dos movimentos sociais e novidade é, de fato, a palavra que melhor caracteriza os meios de difusão dos protestos em rede. Em São Paulo e no Rio, milhares de jovens advogados se mobilizaram pela internet dispondo-se a providenciar pedidos de habeas corpus aos manifestantes que, eventualmente, fossem presos. Estudantes de enfermagem e medicina de universidades paulistas se propuseram a organizar postos voluntários de cuidados médicos para atender os feridos dos próximos atos.

Em Dublin, na Irlanda, cerca de 2.000 pessoas foram a um dos principais pontos turísticos da cidade – o Spire, situado na região central da cidade – para um ato em apoio aos manifestantes brasileiros, causando perplexidade nas forças policiais locais. Atos semelhantes foram convocados para cidades como Paris, Valencia, Madri, Londres, Berlim, Vancouver, Buenos Aires e dezenas de outras pelo mundo.

Mas isso não é tudo. Hackers atuam de diversas partes do planeta postando mensagens de apoio ao movimento na rede e, inclusive, derrubando a segurança de diversos portais de noticias. Vídeos se proliferam na rede denunciando a violência policial e já há até um guia transnacional orientando “cinegrafistas amadores” a agirem com segurança e eficiência. Um outro vídeo, com centenas de milhares de acessos, convocava as manifestações da última segunda. Aos atos realizados seguem-se um mar de postagens com fotos, vídeos, comentários e chamados a novas mobilizações.

Do ponto de vista da forma e da metodologia de mobilização há uma identidade inquestionável com os eventos ocorridos no norte da África e na Europa ocidental desde 2011. Trata-se de um movimento global relacionado à crise do paradigma neoliberal. E claro, há questões locais, objetivas, que têm a ver com as virtudes e os limites do processo de redução das desigualdades sociais experimentado pelo país nos últimos anos. Cartazes – muitos dos quais feitos à mão – apresentam demandas sociais represadas e anseios por novas conquistas. Estamos diante de um certo “mal estar” da revolução democrática, responsável pela massiva, porém incompleta, inclusão social em curso no Brasil e devemos reconhecer que a esquerda que governa o país há dez anos ainda não foi capaz de renovar sua agenda politica para enfrentar os próximos dez.

E não há como negar que estamos diante da superação de uma letargia política através do qual o pensamento conservador avançou enormemente no país. Assistimos, muito recentemente, a inúmeras movimentações de caráter conservador, que pareciam promover a aniquilação de toda e qualquer pretensão progressista na sociedade brasileira.

Mobilizações pela criminalização absoluta do aborto e em favor da redução da maioridade penal reforçaram a onda conservadora em curso desde as eleições de 2010. A escolha de Marco Feliciano para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, as agressões e insultos permanentes de supostos humoristas e formadores de opinião às mulheres e aos homossexuais em pleno horário nobre da TV aberta, sendo recebidas com uma naturalidade perturbadora, são apenas alguns dos indícios de que algo não ia bem na cabeça e na cultura política dos brasileiros. Em parcela expressiva dos jovens mobilizados há um certo grito de revolta contra essa situação.

Mas é preciso também atentar para os limites e os impasses que podem retirar a legitimidade dos protestos e distorcê-los profundamente. A ausência de direção política e de objetivos claros afirmam positivamente sua autonomia, porém, os tornam sujeitos a todo tipo de manipulação – e setores da velha mídia e a direita neoliberal o têm buscado insistentemente. A ação de setores, que beiram a marginalidade em suas ações, também é um risco capaz de distanciar o movimento de amplas parcelas da sociedade.

Também há o imenso risco do movimento virar as costas para o fato de que o “gigante” não acordou somente agora e que esse país já foi palco de muitas lutas antes da internet. Afinal, foi gente muito desperta – e atenta – que lutou bravamente para construir nossa imperfeita democracia. Não saber distinguir verdadeiros adversários e ignorar que a longa luta por justiça, liberdade e democracia não começa agora, poderá levar os atuais movimentos a uma profunda derrota politica, além de transmitirem involuntariamente um atestado de veracidade à falaciosa tese das elites sobre a suposta passividade do povo brasileiro.

Pode ser que o movimento ganhe vitalidade ou se esvazie nas próximas semanas. Talvez tudo seja relativizado com o passar dos dias e que não haja nenhuma consequência mais drástica sobre o atual sistema político brasileiro. Ou não. Mas o que ocorre atualmente com os jovens do país nos estimula a pensar. E mais importante do que especular sobre o que virá é compreender o que se passou nos últimos dias. Estamos diante de um novo tipo de ativismo político, característico da sociedade em rede do século XXI. Novos sujeitos políticos e sociais – incluindo a chamada “nova classe média” – irromperam repentinamente na cena politica nacional. E o Brasil já não é mais o mesmo.

(*) Secretário-geral do governo do Estado do Rio Grande do Sul e coordenador do Gabinete Digital

Artigo colhido no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22220

=========================

Cidades no Brasil: sair da perplexidade e passar à ação

Há um sentimento generalizado de perplexidade, em nossa sociedade, sobre o engarrafamento viário, onde se perdem horas inúteis, e a especulação imobiliária, cujas torres congestionam ruas e comprometem a insolação. Vivemos um paradoxo exatamente quando um governo decidiu, após 29 anos, retomar o investimento em habitação e saneamento. A análise é da urbanista Erminia Maricato

Erminia Maricato

Um sentimento de perplexidade parece acometer profissionais, acadêmicos e parte da população urbana que acompanham as mudanças pelas quais as cidades brasileiras estão passando. Essa constatação tem sido feita nas inúmeras cidades onde tenho feito palestras e conferências. Os comentários se concentram, principalmente, no engarrafamento viário, onde multidões perdem horas inúteis paradas e na especulação imobiliária que cria torres e mais torres em bairros de ruas já congestionadas e com insolação comprometida.

De fato, a atual tsunami que vivemos no país todo, nos últimos 5 anos, tem origem quando a venda de automóveis, incentivada pelos subsídios, passa a marcar recordes por um lado e o Programa Minha Casa Minha Vida, lançado em 2009, coloca em prática os mecanismos de financiamento, securitização e registro cartorário, além da liberação de recursos públicos, semipúblicos e privados. Essas medidas impactaram cidades que já carregavam uma herança pesada gerada pelo desprezo ao interesse público, social e ambiental, subordinados, historicamente, a interesses privados.

As iniciativas do governo federal pretenderam, e durante um certo tempo conseguiram, fazer frente à crise internacional de 2008, mantendo o crescimento da economia e do emprego no Brasil. Entupidas por automóveis e vivenciando uma explosão nos preços dos imóveis (“a mais alta do mundo”, segundo a revista Exame de maio de 2011), as cidades, no entanto, estão passando por um impacto profundamente negativo. Queixa-se a classe média, mas os que mais sofrem são os despejados, os que moram em favelas incendiadas e os que estão sendo empurrados para novas periferias, mais distantes ainda como para a Área de Proteção dos Mananciais, ao sul, e para o norte da metrópole paulistana.

Vive-se o paradoxo dos efeitos caóticos e predatórios exatamente quando um governo federal decidiu, após 29 anos, retomar o investimento público em habitação e saneamento. Caso os munícipios cumprissem seu papel constitucional de dar prioridade ao transporte coletivo, controlar o uso do solo seguindo as leis e os planos diretores e regulamentar a atividade imobiliária visando o interesse social, orientado pelo Estatuto da Cidade, esse impacto poderia ser bem menos violento. Mas não é o que acontece.

Não vamos repetir aqui as consequências desse modelo de crescimento para a saúde e para o meio ambiente. Basta ler o que foi escrito no ano de 2012, nesta mesma Carta Maior ou procurar sites que trazem dados preocupantes como Saúde e Sustentabilidade.

Em muitas cidades a lei tem sido “flexibilizada”, na Câmara Municipal, nos gabinetes ou nos Conselhos da “sociedade civil”. Como sempre, no Brasil, a lei tem sido aplicada de acordo com as circunstâncias. Não é pouco frequente observar que há juízes que não conhecem leis urbanísticas, especialmente quando se trata de despejos de favelas ou de comunidades pobres, de um modo geral.

Como parte desse quadro, a recente articulação construída por empreiteiras de construção pesada (que estão incorporando a atividade imobiliária entre seus negócios) com as empresas imobiliárias constitui uma força que não encontra adversários à altura. A relação com o financiamento de campanhas eleitorais pode amolecer até os mais recalcitrantes. Os que resistirem são atropelados. Os megaeventos – Copa do Mundo de Futebol, Olimpíadas e a Exposição Tecnológica, que está sendo prevista na zona norte de São Paulo,potencializam o poder dessa máquina voraz que se combina também aos capitais que vêm de fora nessas oportunidades.

É estranho como essas iniciativas ligadas ao urbanismo do espetáculo são plasmadas à ideia de progresso. Mesmo quando o movimento promove a exclusão social pela especulação (renda fundiária, imobiliária e financeira), mesmo quando alguns capitais desmontam a possibilidade da racionalidade social e ambiental, a aparência é de progresso para a qual muito contribuem os veículos de comunicação.

Tenho ouvido de profissionais arquitetos, urbanistas, engenheiros, advogados, geógrafos afirmações indignadas sobre a violação das competências legais, ou sobre a violação das posturas do Plano Diretor ou de determinadas leis. Todos cobram dos prefeitos e dos vereadores a reação a determinados fatos (embora haja vereadores e prefeitos que também estão perplexos). Todos têm denúncias para fazer. Enfim, ouço pessoas indignadas, mas… paralisadas.

O recuo observado nos movimentos sociais durante os últimos 10 anos também parece contribuir com esse quadro.

Vou repetir aqui o que tenho dito nessas ocasiões frequentes.

Os capitais, os prefeitos e os vereadores também respondem à correlação de forças e à voz que vem das ruas. Isso é óbvio, mas não parece. É preciso passar da perplexidade para a ação. É preciso entender o que está acontecendo e agir, cada entidade, cada movimento e cada pessoa dentro das entidades e dos movimentos. Agir com criatividade, com inventividade, de forma inovadora, porque o mundo está mudando. Aí estão as redes sociais, os boletins, as revistas, às quais temos acesso.

São Paulo, por exemplo, é, dentre 24 metrópoles mundiais, a que apresenta o pior quadro de doenças emocionais (depressão e ansiedade mórbida, por exemplo). Nossa vida urbana atual produz patologias como revelam as pesquisas dos professores da USP (Ver site ‘Saúde e Sustentabilidade’). Para quem não quiser ler as pesquisas sobre o assunto, recomendo parar para observar, por alguns momentos, o comportamento das pessoas no trânsito para perceber o nível de stress, raiva, mau humor, nervosismo. Como aguentamos conviver com isso? Você já pensou na vida dos motoristas de ônibus? Aliás, poucas pessoas têm sensibilidade (ou tempo) para observar o outro. A vida parece estar escorrendo pelas mãos (e, de fato, está).

As atuais taxas de emprego devem ser festejadas, mas existem outras formas, menos predatórias, de promover empregos na indústria automobilística e na construção civil.

Apenas repito que não podemos e não devemos nos conformar com isso.

*Erminia Maricato é urbanista, profa. colaboradora da USP e profa. visitante da Unicamp. Autora do livro “Impasse da política urbana no Brasil”.

Artigo colhido no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21725

Close