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Imposto sobre Grandes Fortunas: de volta à cena com a força das ruas

Embora o IGF esteja previsto no artigo 153 da Constituição Federal de 1988, até agora essa norma ainda não foi regulamentada.

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As jornadas de junho, movimento que inflamou a cidadania em 2013, nos permitiram sonhar com o desengavetamento de questões pontuais esquecidas no Congresso Nacional há anos. É o caso da Reforma Política, que se transformou numa piada com a aprovação de um projeto que não melhora em nada o atual sistema eleitoral.

Outro ponto importante das manifestações diz respeito à implementação do chamado Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Afinal, o grito que entoava das ruas era “os ricos vão pagar”.

Embora o IGF esteja previsto no artigo 153 da Constituição Federal de 1988, até agora essa norma ainda não foi regulamentada. Esta medida tem como fato gerador a taxação de grandes fortunas, consideradas o patrimônio de pessoas físicas e jurídicas, apurado anualmente, cujo valor ultrapasse determinado limite. Seria cobrado de forma progressiva, e bem que poderia ajudar a custear o passe livre ou subsidiar o valor das tarifas do transporte público.

Vale lembrar que essa é uma tendência mundial. Nos Estados Unidos, por exemplo, se está discutindo a sua implementação numa iniciativa do presidente Obama. A Alemanha, que aboliu o IGF na década passada, também debate a sua reedição para conter a crise econômica. Na França, recentemente foi aprovado um imposto especial de 75% sobre os altos rendimentos, por um período de dois anos, relacionado ao produto do capital superiores a um milhão de euros por ano como forma de recuperar a economia do país que está em recessão econômica. Na América do Sul, Argentina, Uruguai e Colômbia são exemplos de países que tributam progressivamente a riqueza.

Já no Brasil, a instituição do IGF prevê uma arrecadação de R$ 10 bilhões com a cobrança de tributos sobre a fortuna de apenas dez mil famílias. Dentro desse universo, a estimativa é de que cinco mil famílias teriam um patrimônio equivalente a 40% do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, o percentual de famílias afetadas pela metade e que teria de pagar o imposto corresponde a 0,04% do total que declara o Imposto de Renda no País.

Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstra que 2,5% das famílias mais ricas do mundo, isto é, inseridas no grupo de 1% com as maiores fortunas, são famílias brasileiras. O dado demonstra o potencial de arrecadação do IGF, já que em paises como França, Argentina e Uruguai este grupo social representa 1,6%, 1,5% e 6,3%, respectivamente.

Temos a convicção de que a criação do IGF asseguraria maior justiça tributária, ao aplicar o principio constitucional da capacidade contributiva, que propõe distribuir a carga tributária global entre os contribuintes de acordo com a sua aptidão em pagá-la. Assim, a tributação da riqueza representa a aplicação direta do caráter distributivo do sistema, ao taxar quem tem mais como um princípio de justiça social.

Até porque o atual sistema tributa o consumo, onerando as classes menos privilegiadas por meio dos impostos indiretos e cumulativos, tal como o ICMS, que não tem o critério da equidade como objetivo final para desconcentrar a riqueza.

Diante disso, é fundamental implementar o IGF de modo que a Constituição não se transforme em mera folha de papel, haja vista estar aguardando a sua regulamentação pelo “silencioso” Congresso Nacional há 25 anos.

Portanto, cumpra-se a Constituição!

Cristiano Lange dos Santos é advogado. Especialista e Mestre em Direito, foi Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito. Atua como Procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.

Marcelo Sgarbossa é advogado. Mestre e Doutorando em Direito pela UFRGS. Vereador em Porto Alegre pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Artigo http://www.cartamaior.com.br/?/Opiniao/Imposto-sobre-Grandes-Fortunas-de-volta-a-cena-com-a-forca-das-ruas/30067

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Não nos esqueçamos da Taxa Tobin!

Apesar de sua formação conservadora, Tobin compreendia a necessidade de impor algum grau de regulação na desordem perversa dos negócios internacionais.

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Um tema recorrente no debate sobre mudanças estratégicas em nosso País refere-se à necessidade de uma reforma tributária. Assim como a reforma política ou a reforma previdenciária, trata-se apenas de um mote para promoção de alterações em algum sistema jurídico-institucional existente. Podem ser encontradas diferentes alternativas e modelos para atender a todos os gostos. O “xis” da questão reside no verdadeiro sentido da transformação que se pretende operar, uma vez que não existe neutralidade na adoção de determinado tipo de política pública. Haverá sempre algum tipo de interesse por trás das diferentes propostas colocadas sobre a mesa, sempre que assuntos desse tipo venham à baila.

No caso da reforma tributária, o quadro de conflitos existentes é bastante explícito.

Os representantes do capital normalmente se escondem por trás dessa reivindicação genérica para pleitear a redução de impostos. E ponto final. Sob o discurso da carga tributária excessiva ou da cantilena do elevado custo Brasil, os representantes do empresariado pretendem diminuir o volume de tributos incidentes sobre suas atividades. Pouco importa se tal “reforma” vai implicar uma carência de receitas do Estado para dar conta das despesas envolvidas com a manutenção das políticas públicas tão sabidamente emergenciais e necessárias.

Afinal, o que importa mesmo é a busca tresloucada pela rentabilidade do empreendimento privado.

Sistema tributário regressivo e a necessidade de mudança.

Outro enfoque bem distinto para dar conta da questão tributária implica em reavaliar a natureza do nosso sistema de impostos. E qualquer análise minimamente isenta vai confirmar que se trata de um modelo bastante regressivo.

Isso significa que ele foi concebido de forma a penalizar os setores de renda mais baixa da população. São várias as razões para a sobrevivência de tal quadro. Ainda não foi implementada a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), tal como previsto no art. 153, inciso VII, da Constituição Federal. A sistemática de alíquotas do Imposto de Renda suaviza os segmentos de renda muito elevada. Os impostos sobre consumo de bens e serviços não são capazes de diferenciar o comprador de acordo com sua remuneração. Assim, o milionário paga o mesmo tributo incidente sobre o litro de leite ou sobre o kwh da conta de eletricidade do que um assalariado que ganha um salário mínimo.

Portanto, quando se fala em reforma tributária, a estratégia dos trabalhadores e demais setores populares deve ser a de implementação de um modelo progressivo, de maneira a que passem a contribuir com mais impostos as camadas sociais que sejam mais bem aquinhoadas na repartição do bolo do patrimônio e da renda. Paga mais tributo quem possui mais riqueza ou quem recebe mais dinheiro.

Simples assim, uma mera questão de equidade e de restabelecimento de padrões mínimos de justiça social. E as possibilidades de utilização de instrumentos de tributação com esse fim são bastante amplas, podendo ser também de incidência internacional.

Taxa Tobin: inovação tributária global

Um exemplo bem característico dessa modalidade é a chamada Taxa Tobin. Trata-se de uma proposta que foi apresentada pelo economista norte-americano James Tobin (prêmio Nobel de economia em 1981), ainda na década de 1970. Há quase meio século atrás, ele propôs a criação de um imposto a ser aplicado sobre as operações envolvendo transações financeiras internacionais. Apesar de sua formação conservadora, Tobin compreendia a necessidade de impor algum grau de regulação na desordem perversa dos negócios internacionais. Ocorre que a idéia sofreu ataques pesados por mais de trinta anos, em particular pelas forças ligadas ao sistema financeiro, em especial a partir do momento em ela se transformou em bandeira dos movimentos progressistas pelo mundo afora. A criação de uma taxa sobre as transações financeiras internacionais cumpriria com duas funções. Por um lado, o papel de regular esse tipo de operação, até hoje fora de qualquer tipo de supervisão ou controle. De outro lado, a possibilidade de constituir um fundo internacional, a partir do recolhimento da taxa, com objetivo de redução das desigualdades sociais e econômicas existentes entre as nações.

Ainda que o autor da proposta tenha tentado voltar atrás em sua proposição inicial, ela adquiriu vida própria e se converteu em uma das bases da constituição de movimentos e organizações que pleiteiam uma nova ordem econômica mundial. É o caso da ATTAC, sigla da “Associação para a Taxação das Transações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos”, criada na França em 1998. Em pouco tempo a iniciativa ganhou escala internacional, aproveitando a toada do movimento altermundista e das articulações do Fórum Social Mundial. Durante a época de hegemonia absoluta do pensamento neoliberal, havia muito pouco ou quase nenhum espaço para esse tipo de proposição nos foros institucionais oficiais. Afinal, a criação de um tributo sobre qualquer tipo de transação econômica era vista como uma ingerência indevida no reino intocável das livres forças de mercado. Heresia pura!

Tanto mais se a intervenção que se imaginava viesse para o espaço do financismo e das relações econômicas internacionais. Vale lembrar que um dos pressupostos essenciais do Consenso de Washington era a livre circulação de capitais entre os países, sem nenhuma interferência nas entradas e saídas dos fluxos financeiros. A instituição de uma taxa impositiva nessa seara era vista como algo inconcebível.

No entanto, nada como um dia após o outro – e uma crise financeira internacional no meio – para colocar alguns dogmas do liberalismo em questionamento. Após a catástrofe provocada pela quebradeira generalizada dos bancos norte-americanos em 2008, o próprio “establishment” da economia mundial começou a flexibilizar seus graus de ortodoxia. Nada que cheirasse a alguma transformação mais profunda, de natureza político-ideológica. Apenas uma acomodação racional e oportunista, com o intuito de chamar o Estado de volta à cena e ajudar o capital a reduzir as suas perdas. “Business as usual”. A velha estória de promover a apropriação privada de lucros e a socialização de prejuízos.

A crise internacional e oportunidade de mudança

Assim, dentre as diversas propostas de inspiração keynesiana que passaram a frequentar a agenda dos organismos multilaterais desde então, voltou a ser mencionada a taxação das transações financeiras internacionais. O Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a própria União Européia (UE) resolveram incorporar o debate a respeito do assunto. Afinal, algumas projeções levavam a resultados bem interessantes, do ponto de vista das finanças internacionais. Um exercício com a alíquota irrisória de 0,01%, por exemplo, a incidir sobre alguns tipos de operações financeiras no mercado globalizado levariam a uma arrecadação superior a US$ 400 bilhões anuais. Uma quantia razoável para se iniciar um programa global contra a fome e a miséria, por exemplo. Ou seja, uma taxa praticamente invisível propiciaria a arrecadação de somas e fundos expressivos. Nesse caso, fica evidente que o discurso de que a ação do Estado sempre distorce a dinâmica do mercado não se sustenta. Uma alíquota como essa passa praticamente desapercebida pelos preços transacionados, mas resulta em volume de recursos nada desprezível, em razão da escala das operações.

Os momentos mais adequados para a introdução desse tipo de inovação são, em geral, aqueles marcados por algum tipo de crise. No entanto, é fundamental assegurar que os recursos sejam destinados a mecanismos de redução das desigualdades entre os países no mundo e não simplesmente a socorrer os caixas das instituições financeiras em dificuldades. Aliás, caso o governo brasileiro esteja mesmo interessado em manter seu protagonismo na esfera da diplomacia internacional, nada mais interessante do que patrocinar esse tipo de sugestão. Os países do Terceiro Mundo só terão a agradecer a iniciativas como essa, bem como a maioria da população do planeta.

Se o espaço de aceitação da Taxa Tobin continuar se ampliando, como indicam as pressões recentes de países europeus e da própria China, faz-se necessário avançar também na definição do arcabouço institucional. No plano das uniões econômicas ou da soberania de cada país, é mais fácil criar e gerir um tributo dessa característica. Porém, inexiste até o momento, um espaço internacional com legitimidade diplomática e capacidade tributária global. O caminho passa pela construção de um amplo consenso transcontinental em torno da medida e a constituição de um fundo mundial comunitário a partir da coleta dos recursos oriundos das transações tributadas.

Esta seria uma importante demonstração – concreta e objetiva – de que um outro mundo é mesmo possível.

(*) Economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.

Artigo colhido no sítio http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/Nao-nos-esquecamos-da-Taxa-Tobin-/30074

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