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Reforma tributária e investimento em educação são essenciais para consolidar crescimento

Em fórum promovido pela revista CartaCapital, consenso é de que sistema de impostos, de 1967, emperra consolidação de avanços da economia. Dona de rede varejista critica comunicação do governo

por Eduardo Maretti, da RBA publicado 19/03/2014 16:41

André Luy
Belluzzo‘A responsabilidade cívica da imprensa brasileira é nenhuma’, diz Luiz Gonzaga Belluzzo

São Paulo – A necessidade das reformas tributária e política, além de investimentos pesados a longo prazo em educação, são fundamentais para o Brasil conseguir consolidar um crescimento econômico menos influenciável pelos humores e crises episódicas da economia internacional. A constatação foi consensual hoje (19) entre os debatedores do segundo dia do fórum “Diálogos Capitais: Fórum Brasil – Diálogos para o Futuro”, promovido pela revista CartaCapital.

Apesar de os índices mostrarem que o país vive uma situação “praticamente de pleno emprego” (4,8% em janeiro, segundo o IBGE), segundo os debatedores, há problemas estruturais e institucionais que alimentam o pessimismo. A inflação decorrente da indexação é um deles, e sua superação depende de fatores diferentes, entre os quais a reforma do sistema tributário.

“Nosso sistema tributa o investimento e o desestimula”, disse o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. “A última reforma foi feita em 1967. Mas é difícil fazer uma reforma porque tem a questão federativa, de estados e municípios.” O ICMS é o maior entrave do sistema brasileiro, já que cada estado tem uma legislação, o que provoca uma guerra de alíquotas, a chamada “guerra fiscal”. Para ele, o sistema brasileiro é “um Frankenstein”.

Entre os problemas institucionais citados por Belluzzo está também a atuação do Ministério Público e de parte da imprensa. “A Receita Federal não pode legislar e o Ministério Público não pode tomar certas medidas que toma.” Segundo o economista, “o Brasil está carregado de sintomas de incivilidade” manifestados principalmente em veículos jornalísticos, por meio de um pacto: “Você dá o escândalo e eu dou a notícia. A responsabilidade cívica da imprensa brasileira é nenhuma. Conheço pessoas honestas cuja reputação foi manchada, e, depois que são envolvidas, não saem mais”, afirmou.

Partidarização

Para Belluzzo, o país precisa superar a partidarização das discussões sobre políticas econômicas para desenvolver planos e estratégias de longo prazo. “A questão econômica foi partidarizada.” De acordo com o presidente da Vale, Murilo Ferreira, o calendário eleitoral, com eleições a cada dois anos, agrava a “partidarização” das discussões sobre políticas públicas e tributárias do governo, independentemente do partido no poder, e contribui para criar um clima de incertezas e desconfianças. “Dois meses depois da eleição de 2012 já estávamos em clima eleitoral, de disputa, de eleição antecipada.”

Mas, para Ferreira, não há razão para o pessimismo exagerado que tem sido disseminado por setores do mercado e da imprensa. “Estão querendo nos impor de novo o complexo de vira-lata. Nós acreditamos no Brasil, acreditamos nos Brics [grupo econômico-político formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul]. O Brasil está em viés de crescimento”, constata o presidente da Vale.

A empresária Luiza Trajano, presidenta do Magazine Luiza, está otimista, pelo menos em relação ao setor varejista. “Tivemos um janeiro espetacular e um fevereiro muito bom”, afirmou. Para ela, as políticas sociais e moradias populares, como do programa Minha Casa Minha Vida, são motivo para boas expectativas, já que novos imóveis significam a venda de móveis e eletrodomésticos, segmento de sua loja.

Educação

Os debatedores consideram que a educação é uma área que precisa de atenção. Apesar do pessimismo de setores da economia e da mídia, Luiza Trajano diz que que a população está interessada em aspectos econômicos que afetam sua vida diretamente. “As pessoas querem saber da renda, do emprego e da educação para seus filhos.”

“Temos que ver a educação como meio de criar cidadãos”, acrescentou Belluzzo.

Para Antonio Maciel, da Hyundai, se não é possível fazer pactos nacionais, entre partidos e líderes, em torno de áreas que envolvem interesses políticos e econômicos, a educação poderia ser o tema de um pacto. “Pacto em tudo não dá, mas poderia ser feito em educação. Falta uma perspectiva de futuro focada principalmente na educação”.

Tanto para Belluzzo como para Luiza Trajano está havendo um problema de comunicação grave no governo. O economista criticou a política relativa aos combustíveis do governo federal e disse que falta clareza sobre o assunto. “A contenção no reajuste do combustível causou mal estar e influiu no pessimismo [dos agentes econômicos]. Existe a necessidade de comunicar claramente.”

Para a presidenta do Magazine Luiza, o país parece mergulhado num estado de depressão e o governo não esclarece os números. “Todo mundo fala mal do Brasil. A comunicação está muito ruim. Precisa falar para a presidenta”, avalia. “Fala-se que o Brasil vai gastar R$ 7 bilhões na Rio 2016, mas ninguém diz que é tudo patrocínio de empresas.”

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a presidenta da Petrobras, Graça Foster, esperados no evento, não compareceram.

Notícia colhida no sítio http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2014/03/reforma-tributaria-e-investimento-em-educacao-sao-essenciais-para-consolidar-crescimento-8594.html

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O círculo vicioso da desigualdade

Ainda estamos entre os países em que os pobres têm a menor participação na produção econômica nacional e os ricos, a maior

por Otaviano Helene — publicado 20/03/2014 10:08

O Brasil nunca se caracterizou por ter uma boa distribuição de renda. Fragilizado nesse quesito e como consequência do projeto econômico da ditadura civil-militar, o país chegou a ser o recordista mundial em concentração de renda. A frase de efeito da ditadura, “é preciso primeiro aumentar o ‘bolo’, para depois reparti-lo”, visava, na verdade, legitimar o aumento da concentração de renda e não ilustrar uma relação de causa e efeito – o bolo só cresce se estiver concentrado. Até mesmo, porque sendo o bolo pequeno, o melhor a fazer é dividi-lo de forma muito criteriosa para evitar desperdícios.

Depois do fim da ditadura e com alguns sobe e desce, a nossa distribuição de renda só voltou a apresentar alguma melhora a partir do final da década de 1990 e, em especial, ao longo da década de 2000. Essa redução da concentração de renda foi possivelmente propiciada pela instituição de vários benefícios sociais a partir da Constituição de 1988, pelos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, pelo aumento real do salário mínimo, pela retomada do crescimento da renda per capita, pelo crescimento do emprego, principalmente do emprego formal, e por vários outros fatores. Entretanto, apesar dessa pequena melhora, ainda estamos entre os países em que os pobres têm a menor participação na produção econômica nacional e os ricos, a maior.

No Brasil, em média, cada um dos membros dos 10% mais ricos gasta em uma semana o mesmo que cada um dos 10% mais pobres, também em média, ganha e gasta durante todo um ano, ou seja, uma relação de renda média entre mais ricos e mais pobres da ordem de 50. Apenas para comparação: países como Paquistão, Egito, França, Índia, Ruanda, Vietnam ou Finlândia, os 10% mais ricos ganham entre cinco e dez vezes mais do que os 10% mais pobres. (Essa lista não foi escolhida a dedo, composta pelos países menos desiguais, mas, sim, escolhida para mostrar que desigualdade não é necessariamente uma característica inescapável ou imposta pela cultura, religião, região geográfica, nível de industrialização do país etc.: desigualdade é alguma coisa que cada país constrói ou não, fruto de sua realidade interna.) Mesmo nos EUA, pátria-mãe do liberalismo, a mesma relação é da ordem de “apenas” 15 vezes.

A distribuição de renda é um indicador fortemente correlacionado com muitos outros indicadores sociais, como expectativa de vida, mortalidade infantil, criminalidade, gravidez na adolescência, desempenho escolar etc. Quando as demais condições são equivalentes (como a renda per capita, as características culturais, os condicionantes geopolíticos etc.), países com melhores distribuições de renda apresentam melhores indicadores sociais do que aqueles mais desiguais. Um TED Talk que ficou bastante popular e que vale a apena ser visto (How economic inequality harms societies – Como a distribuição de renda prejudica as sociedades – http://www.ted.com/talks/richard_wilkinson.html), não deixa dúvidas que é a melhor distribuição de renda o fator responsável por melhores ambientes sociais nos diversos países.

Desigualdade de renda leva a desigualdade na educação. Uma das consequências sociais da concentração de renda é na educação recebida por uma pessoa. No Brasil, a qualidade e a quantidade de educação formal recebida por uma criança ou um jovem é quase totalmente dependente de sua condição social e econômica. Assim, entre os 20% mais pobres (grupo formado por pessoas cujas rendas domiciliares per capita estão abaixo de R$ 300 por mês, aproximadamente, a valores de 2013) a conclusão do ensino fundamental é rara exceção: a regra é deixar o sistema educacional antes dos 8 ou 9 anos obrigatórios. No outro extremo, dos 20% mais ricos, a conclusão do ensino superior é a regra. Conclusões: a nossa péssima distribuição de renda está produzindo uma população com enorme desigualdade educacional e fazendo com que um também enorme contingente deixe a escola com um nível de formação que, já hoje, seria insuficiente para garantir o pleno exercício da cidadania ou a obtenção de uma atividade econômica pelo menos razoável.

Medir a diferença educacional em cifrões pode ajudar a perceber quão grande e grave é a desigualdade educacional no Brasil. O investimento educacional entre aqueles que sequer concluem o ensino fundamental, considerando os valores atuais do Fundeb, pode não atingir R$ 20 mil ao longo de toda a vida. Enquanto isso, nos grupos mais favorecidos, apenas os investimentos escolares, que se iniciam já na primeira infância e duram até pelo menos o final de um curso superior, pode chegar perto de meio milhão de reais ou mesmo ultrapassar esse valor. Se forem adicionados os investimentos voltados à complementação educacional fora das escolas, como cursos de línguas, atendimento psicológico, viagens culturais, atividades esportivas, aulas particulares, materiais educacionais etc., coisas comuns entre os contingentes mais favorecidos e inexistentes nos grupos mais pobres, os valores acumulados na educação dos mais ricos ao longo da vida seriam ainda maiores.

Fechando o círculo vicioso. Assim como a escolarização de uma pessoa depende de sua renda, a renda de uma pessoa depende de sua escolarização. Há muitas informações estatísticas que mostram que (e quanto) a renda de uma pessoa cresce com seu nível de escolarização. Por exemplo, segundo dados do IBGE, trabalhadores com nível superior ganham, em média, três vezes mais do que trabalhadores sem nível superior e pelo menos seis ou sete vezes mais do que aqueles que sequer concluíram o ensino fundamental.

É fechado, então, o círculo vicioso: nosso sistema educacional é muito desigual por causa da combinação da nossa absurda concentração de renda com o fato que a educação é uma mercadoria à qual cada um tem acesso segundo suas possibilidades econômicas; quando as pessoas deixam as escolas e ingressam na força de trabalho do país, a desigualdade educacional se transformará em desigualdade de renda.

Se esse círculo vicioso não for rompido, permaneceremos entre os países mais desiguais do mundo, uma vez que os mecanismos de redistribuição de renda que nos tiraram da pior posição são incapazes de ir além de certos limites e todos os problemas sociais criados por essa desigualdade estarão presentes no futuro. É esse o caminho que seguiremos?

Por Otaviano Helene, que é professor no Instituto de Física da USP, ex-presidente da Associação dos Docentes da USP, ex-presidente do INEP/MEC

Artigo colhido no sítio http://www.cartacapital.com.br/sociedade/quase-um-teorema-4522.html

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Eles não são mendigos

Os bem-sucedidos tratam os beneficiários das políticas sociais como pedintes, não sujeitos de direito

por Luiz Gonzaga Belluzzo — publicado 13/03/2014 04:49

Eleições suscitam polarização de opiniões e exageros de pontos de vista. A campanha eleitoral já em curso, como outras, emite sinais de pródigas manifestações de maniqueísmo. O expediente de satanizar o adversário revela, esta é minha opinião, indigência mental e despreparo para a convivência democrática. Intelectuais, incluídos os jornalistas, não escapam desses desígnios: as sagradas funções da crítica e da dúvida sistemática são atropeladas pela paixão política.

Leio sistematicamente as colunas dos jornais brasileiros. Leio sempre com o espírito disposto a considerar os argumentos, mesmo aqueles que não batem com meus juízos e julgamentos.

Pois, embrenhado no cipoal de opiniões, deparei-me com um luminar da sabedoria nativa que, do alto de sua coluna, alertava a nação para os perigos da exploração do “coitadismo”. Imagino que vislumbrasse nas políticas de redução da pobreza uma afronta aos méritos dos cidadãos úteis e eficientes.

Lembrei-me de uma palestra memorável do escritor americano David Foster Wallace. Diante dos estudantes do Kenyon College, Foster Wallace começou sua fala com um apólogo:

“Dois peixinhos estão nadando juntos e cruzam com um peixe mais velho, nadando em sentido contrário.
Ele os cumprimenta e diz:
– Bom dia, meninos. Como está a água?
Os dois peixinhos nadam mais um pouco, até que um deles olha para o outro e pergunta:
– Água? Que diabo é isso?”

Wallace prossegue: “O ponto central da história dos peixes é que a realidade mais óbvia, ubíqua e vital costuma ser a mais difícil de ser reconhecida. … Os pensamentos e sentimentos dos outros precisam achar um caminho para serem captados, enquanto o que vocês sentem e pensam é imediato, urgente, real. Não pensem que estou me preparando para fazer um sermão sobre compaixão, desprendimento ou outras ‘virtudes’. Essa não é uma questão de virtude – trata-se de optar por tentar alterar minha configuração-padrão original, impressa nos meus circuitos. Significa optar por me libertar desse egocentrismo profundo e literal que me faz ver e interpretar absolutamente tudo pelas lentes do meu ser”.

O povo brasileiro tem manifestado seu desacordo com os bacanas que, como os peixinhos, mergulhados em seu egocentrismo, não conseguem reconhecer o ambiente social em que vivem. Por isso, os bem-sucedidos tratam os beneficiários das políticas sociais como pedintes, não enquanto sujeitos de direito.

Nas últimas décadas, certos liberais brasileiros julgam defender o mercado, desfechando invectivas contra as políticas públicas que, em sua visão, contradizem os critérios “meritocráticos”.

Em 1942, na Inglaterra ainda maltratada pela guerra, o liberal Sir William Beveridge, em seu lendário Relatório, defendeu o mercado ao fincar as estacas que iriam sustentar as políticas do Estado do Bem-Estar.

Associado à ruptura causada nas concepções da economia convencional pela Teoria Geral do Juro, do Emprego e da Moeda – obra magna do também liberal, porém iconoclasta,  John Maynard Keynes –, o Relatório Beveridge cuidou dos princípios e políticas que deveriam orientar a ação do Estado britânico do pós-Guerra.

O liberal Beveridge apontou os “Demônios Gigantes da vida moderna” que os governos estavam obrigados a enfrentar: Carência, Doença, Ignorância, Miséria e Inatividade. Sob sua inspiração, os trabalhistas Atlee e Bevan implantaram a duras penas o National Health Service. Os direitos criados pelo Serviço Nacional de Saúde resistiram bravamente às investidas dos governos conservadores, desde Thatcher até os tempos do mauricinho Cameron.

Na Inglaterra dos anos 20 e 30 do século passado, as diferenças educacionais entre as classes sociais estavam legitimadas por suposições pseudocientíficas, mas, na verdade, preconceituosas a respeito da “inteligência”. A eugenia não foi prerrogativa da Alemanha nazista, mas se espalhava por toda a Europa nas asas do pensamento conservador, que entre outras monstruosidades produziu o criminoso nato de Lombroso. Para os “anticoitadistas” de então, a capacidade intelectual estava predeterminada por hereditariedade e, portanto, nem todos poderiam se beneficiar da educação.

Em seu Relatório, Beveridge proclamou que a ignorância é uma erva daninha que os ditadores cultivam entre seus seguidores, mas que a democracia não pode tolerar entre seus cidadãos. Temo que algumas democracias tenham se descuidado das ignorâncias.

Artigo colhido no sítio http://www.cartacapital.com.br/revista/790/eles-nao-sao-mendigos-1404.html

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20 anos depois: quem são os donos do plano Real?

A estabilização da inflação aconteceu ao custo da substituição de produtos nacionais por importados e o agravamento da situação fiscal.
por João Sicsú — publicado 17/03/2014 16:27, última modificação 18/03/2014 09:09

O plano Real, lançado em 28 de fevereiro de 1994, foi um plano influenciado pelas ideias do economista inglês John Maynard Keynes e pelas experiências hiperinflacionárias europeias (da primeira metade do século XX), mas que contou com uma questionável administração de economistas brasileiros e com as (des)orientações do Fundo Monetário Internacional (FMI). Longe de ter sido “idealizado por Fernando Henrique Cardoso”, como afirmam O Globo e outros veículos assemelhados, o plano foi organizado e dirigido exclusivamente pelos economistas do PSDB.

Fernando Henrique Cardoso (FHC) era o ministro da Fazenda durante o período de lançamento do Plano. O presidente era Itamar Franco. Um mês após o lançamento do plano, FHC se desincompatibilizou do cargo para se candidatar à Presidência da República pelo PSDB. Rubens Ricupero assumiu o ministério da Fazenda. Ricupero deveria ser o responsável por toda a condução do plano.

Em um estúdio da TV Globo, antes de uma gravação, o ministro da Fazenda revelou reservadamente ao jornalista Carlos Monforte suas intenções, vontades e ideias sobre o plano Real.  Não contava, contudo, que estava em canal aberto para algumas residências que possuíam antena parabólica. Sua conversa com o jornalista foi gravada e divulgada.

O ministro, falando informalmente sobre o plano Real, disse: “O que é bom a gente fatura. O que é ruim, esconde.” Além disso, afirmou que era o principal “cabo eleitoral” de FHC. Ele se considerava também um achado para a Rede Globo porque a emissora poderia fazer a campanha de FHC através das suas aparições – “o tempo todo no ar”, segundo palavras do próprio ministro da Fazenda.

Após a divulgação da sua conversa com o jornalista da Globo, não restou outra alternativa: ele pediu demissão do cargo em 6 de setembro para não contaminar a campanha tucana à Presidência. Contudo, o mais importante para entendimento da economia política do Real foi a proposta econômica que o ministro fez durante a conversa informal e que viria a se tornar o carro-chefe da fase de derrubada da inflação proposta no plano. À frente, este ponto será desenvolvido.

Antes do lançamento da nova moeda, o real, a inflação era elevada. Mais do que isso: existia um regime de alta inflação, isto é, havia uma dança de preços. Alguns preços subiam porque outros tinham subido. E estes subiam porque aqueles haviam subido. E assim os preços aumentavam de forma sucessiva. Havia uma corrida de preços, mas de forma dessincronizada: aumentavam em momentos diferenciados e com percentuais diferentes. Além disso, nenhum contrato era assinado com a moeda corrente, o cruzeiro real. Os contratos usavam moedas fictícias (referências) ou algum índice para indexar o seu valor à inflação e/ou aos desejos dos contratantes.

Muito foi acumulado em termos de discussões e experiências desde o Plano Cruzado de fevereiro de 1986 até o lançamento do Real. Nos meios acadêmicos fervilhavam artigos e debates sobre o assunto. O Plano Cruzado havia dado errado por um simples fato: o seu carro-chefe foi o congelamento de preços. O raciocínio era simples: se os preços sobem porque outros já subiram, então congelam-se os preços e não haverá mais motivos para reajustes. Errado: os preços estavam dessincronizados, então quem ficara “mal na foto” (isto é, ainda não tinha reajustado o seu preço) no momento em que houve o congelamento não aceitou aquela situação e reagiu, reajustando seus preços. Aí… os outros reagiram também. Assim, ruiu o congelamento e o Plano Cruzado. Utilizado eleitoralmente pelo PMDB, o congelamento de preços foi mantido (com a Polícia Federal e fiscais nas ruas) somente até as eleições de novembro de 1986. O resultado: o PMDB ganhou o governo dos estados de todas as unidades da federação, exceto Sergipe.

Além da experiência do Cruzado, havia mais uma lição muito importante na história econômica. Keynes, o economista inglês, foi convidado pelo governo alemão, em 1922, a apresentar um plano para derrubar a hiperinflação alemã.

Os pilares do Plano de Keynes eram os seguintes: (i) a derrubada da inflação deveria ser uma iniciativa do governo, já que desconfiava de qualquer tipo de ajuda externa, (ii) fixação da taxa de câmbio para promover a estabilização, já que os preços estavam perfeitamente indexados ao dólar (isto é, os preços subiam de forma sincronizada todos os dias) e (iii) os déficits públicos seriam curados posteriormente, depois da estabilização e como consequência do crescimento econômico (que possibilitaria aumento da arrecadação).

Estas lições eram bastante conhecidas entre os economistas brasileiros no início dos anos 1990. Minha dissertação de mestrado, defendida em 1993, intitulava-se “As lições do Plano Keynes para um projeto de estabilização”. Muitos economistas escreveram trabalhos acadêmicos relevantes relacionando as ideias de Keynes, os países que conviveram com a hiperinflação e um plano de estabilização para o Brasil. Destacavam-se Paulo Nogueira Batista Jr. e Gustavo Franco. Rudner Dornbusch, um professor americano do MIT – e que com frequência visitava o departamento de economia da PUC-Rio, ninho dos economistas do PSDB – republicou parte do Plano Keynes em 1987 em artigo de sua autoria.

Na primeira parte da década de 1990, havia uma grande lição já apreendida do Plano Keynes e do fracasso do Cruzado: era preciso sincronizar a dança dos preços com a variação diária do valor do dólar. Dado este passo, o próximo seria o lançamento de uma âncora cambial (cuja versão mais recomendada era o congelamento da taxa de câmbio em um patamar de equilíbrio, isto é, que estimulasse exportações e defendesse o mercado doméstico da invasão de produtos importados). O FMI aproveitou este ambiente para lançar mais uma de suas ideias: países “irresponsáveis” não poderiam ter sequer moeda, deveriam utilizar o dólar americano como moeda. O FMI foi o principal incentivador da radical dolarização argentina, que quase extinguiu o peso durante a década de 1990, e do fim da moeda nacional (o sucre) no Equador, que até hoje está sem sua própria moeda – apesar de ser governado pelo antineoliberal Rafael Correa.

Os economistas do PSDB inventaram uma dolarização disfarçada para a economia brasileira. Uma boa invenção, originária nas proposições de André Lara Rezende e Pérsio Arida (proposição conhecida à época por “Larida”). Lançaram no dia 1º de março de 1994 a Unidade Real de Valor (URV), que valia 1 dólar americano e tentaram por 4 meses (de março a junho) URVerizar todos os preços. Em outras palavras, estimularam que os preços subissem todos os dias de forma sincronizada e referenciada na URV que valia 1 dólar – e que variava de valor todos os dias.

A tentativa de dolarização/sincronização de preços à brasileira foi um fiasco. Somente os contratos públicos (energia elétricas e outros) aderiram, de fato, à URV. Existem trabalhos científicos (nunca contestados) publicados na Revista de Economia Política que demonstram esta afirmação. Na época, surgiu um racha entre os economistas do PSDB. Uns avaliavam que seria necessário que o período de dolarização/sincronização tivesse pelo menos um ano para que todos os preços aderissem à URV. Outros, não. O motivo para o tiro curto de apenas quatros meses foi essencialmente eleitoral.

Óbvio que uma boa sincronização seria desejada para que a fase seguinte, a da estabilização, fosse bem sucedida – afinal, a lição do Cruzado estava viva na memória dos economistas. Mas a parte vencedora argumentou que tal fase deveria ser curta (não havia tempo, diziam). A fase de estabilização deveria chegar logo, deveria ocorrer pelo menos quatro meses antes das eleições de novembro de 1994. Caso contrário, perderiam as eleições, já que Lula estava bem na frente de FHC – em maio, as pesquisas apontavam a vitória do petista no primeiro turno (43% contra 17% de FHC) – a reviravolta eleitoral somente ocorreu depois de 1º de julho, quando entrou em cena a nova moeda, o real, em substituição à velha, o cruzeiro real.

A fase de sincronização da dança de preços via URV foi um fiasco econômico. Então, alguns céticos do plano Real pensaram que tudo daria errado porque os preços voltariam a dançar e subir, tal como no Plano Cruzado. Os economistas do PSDB sabiam que isto, de fato, poderia ocorrer. Lançaram mão de uma “âncora” inovadora: câmbio megavalorizado e abertura comercial. A âncora lançada em 1º julho não foi a do câmbio fixo e equilibrado, tal como estava no Plano Keynes, mas sim a do câmbio flutuante (para baixo) e do câmbio megavalorizado (inicialmente com R$ 1 comprava-se US$ 1,mas logo em seguida com 84 centavos de real comprava-se 1 dólar americano). Com esse câmbio e com a abertura comercial, as pressões por reajuste foram dissolvidas de forma truculenta com uma invasão avassaladora de produtos importados.

O caminho foi exatamente aquele anunciado pelo ministro Ricupero na conversa reservada que foi capitada pelas antenas parabólicas. Ele considerava que quem desejava fazer reajustes eram “bandidos” e que ele daria uma “pancada” promovendo importações. Disse:

– Eu vou fazer um troço firme.

– É pra tudo quanto é bem de consumo e tal. Importação de tudo. … Bens duráveis também.

– Vou fazer uma coisa grande.

– É tudo bandido.

O que manteve os preços estabilizados, após o lançamento da nova moeda em 1º de julho de 1994, foi a concorrência desleal de produtos importados – essa foi a principal “âncora” do plano Real – não existiu qualquer âncora cambial, tal como sugerida por Keynes ou aplicada em diversas experiências. Não houve acomodação de preços, mas sim o deslocamento de produtos nacionais e a introdução de produtos importados no mercado doméstico brasileiro. O valor das importações de bens de consumo era, em 1993, US$ 3,2 bilhões; em 1998, alcançou US$ 10,8 bilhões – mais que triplicou!

Dessa forma, os preços foram controlados e as pressões foram, dissolvidas pela exclusão de produtos domésticos do mercado brasileiro. Logo em seguida, para fazer crer que o que estava funcionando era a âncora cambial, foi permitida a concessão de crédito bancário em dólares – a operação era feita em real, mas era convertida de acordo com a taxa de câmbio do dia. Também a dívida pública interna foi, em boa parte, dolarizada para fazer crer que até o governo não aceitaria uma desvalorização.

Embora vendessem a fantasia do câmbio fixo, o crucial para os economistas do PSDB, à época, não era se o câmbio estava congelado, mas sim se ele estava megavalorizado para ser combinado com uma estratégia de abertura comercial. As importações cresceram, o saldo negativo com o exterior aumentou e os preços foram estabilizados, mas com taxas de juros estratosféricas com o objetivo de atrair dólares para o país. Essas taxas de juros bancavam a avalanche de importações de bens de consumo. Em 1994, a taxa de juros Selic média foi superior a 70% ao ano; em 1995, superior a 54%. No período que vigorou o plano Real, entre 1º de julho de 1994 a meados de 1999 (quando foi implantado o regime de metas de inflação), a taxa de juros Selic média foi de 38% ao ano.

Em 1998, a taxa de câmbio super-hiper-megavalorizada já não era mais suportável. Houve muitos debates internos entre economistas do PSDB e foi decidido pelo presidente-candidato à reeleição que a desvalorização somente ocorreria após as eleições de novembro. Vitorioso nas urnas com a promessa que não haveria desvalorização (veja a capa de O Globo de 31 de agosto de 1998: FH GARANTE QUE NÃO MEXE NOS JUROS NEM NO CÂMBIO). Mas em janeiro de 1999, FHC substituiu o presidente do Banco Central, que estava provavelmente entre aqueles que não queriam a desvalorização, e autorizou o desmonte da farsa eleitoral e econômica: o câmbio foi desvalorizado.

Os céticos erraram novamente. Pensaram: “agora a coisa afunda”. Não percebiam que a âncora do Real era outra. Apesar da desvalorização ocorrida dentro de uma “banda diagonal transversa”, segundo os termos quase ininteligíveis do novo presidente do Banco Central, o dólar continuava muito barato.

Esta foi a história do Plano Real. Entre 1999 e 2003/4 houve somente o aprofundamento dos fundamentos macroeconômicos ditados pelos economistas liberais do PSDB e pelo FMI. Os resultados dos anos de Plano Real foram dramáticos em termos de criação de empregos formais, de crescimento e concentração de renda.

A “responsabilidade” fiscal apregoada (pelo FMI e os economistas do PSDB) foi transformada em elevação da carga tributária e da dívida líquida pública como proporção do PIB. Os resultados fiscais somente viriam a melhorar (e muito) com o crescimento econômico da era Lula – tal como sugeria o Plano Keynes. Cabe lembrar que a primeira fase do Real, anterior à suposta sincronização de preços e à estabilização da inflação, era a fase da busca do equilíbrio das contas públicas. Neste ponto talvez resida o maior desastre do plano Real. A dívida líquida do setor público em relação ao PIB, de 38,2% em 1993, saltou para 48,7% em 1999.

A maior herança benigna do Plano Real foi a consciência antiinflacionária absorvida pela sociedade (para a qual o plano Cruzado também contribuiu). Sim, a inflação foi controlada, mas isso não isenta os organizadores e condutores do plano Real de seus graves equívocos. Por outras vias, mais aderentes ao plano Keynes, a inflação também teria sido debelada – é o que mostram inúmeras experiências. Não foi somente o Brasil que enfrentava um regime de alta inflação e não foi somente o Brasil que conseguiu superá-lo. Por exemplo, na Argentina, nos cinco primeiros anos pós-estabilização, a economia cresceu em média 7,8% ao ano – em seguida as orientações do FMI levaram a Argentina para uma crise profunda. Mas, no Brasil, o crescimento foi medíocre e, em decorrência, os custos sociais foram altos demais.

A primeira fase do Real promoveria um ajuste fiscal e melhoraria os resultados das contas públicas. Ocorreu o inverso. A segunda fase, a da sincronização do reajuste de preços, foi apenas “para inglês ver”. E a terceira fase, a da estabilização, obteve êxito, mas alcançou seu objetivo à custa de juros altos para conter a perda de reservas, desnacionalização da economia, geração de poucos empregos formais, baixo crescimento e concentração de renda. Poderia ter sido bem sucedida sem estes custos.

Ainda sobre a última fase do Real, a fase de estabilização, que foi de julho de 1993 a meados de 1999, vale uma observação muito importante: a inflação média desse período foi superior a 12% ao ano – uma inflação muito superior à inflação dos últimos dez anos, que é inferior a metade daquela registrada nos anos que são hoje comemorados pelo PSDB. Portanto, o que o plano Real fez, de fato, foi lançar as bases da estabilização consagrada apenas no último decênio – é o que está provado pelos números. Mas cabe uma observação: a sociedade brasileira precisa de muito mais do que uma economia com inflação controlada –  e tudo o que vai além disso não foi sequer iniciado nos governos do PSDB.

Vale o exame de alguns outros números. A concentração de renda foi extraordinária nos anos do plano Real: a participação dos salários no PIB caiu de 45,1% em 1993 para 38,2% em 1999. A carga tributária aumentou 11% entre 1993 e 1999. A taxa média de crescimento econômico foi de 2% (a mesma taxa de crescimento do governo Dilma). No primeiro mandato de FHC, que corresponde à aproximadamente ao período do plano Real, foram criados apenas 824 mil empregos formais (em 4 anos), um número ridículo se comparado à média da última década, que tem sido a criação de mais de 1 milhão de empregos formais por ano.

A concepção original do Plano Real era excepcional e tinha base teórica e histórica – contudo, não foi uma invenção de economistas brasileiros. Coube, sim, aos economistas do PSDB patrocinar o não aprofundamento da fase de sincronização dos preços, a promoção de uma enorme substituição de produtos nacionais por produtos importados durante a fase de estabilização e o agravamento da situação fiscal brasileira. Mas hoje, 20 anos depois, somente lembram do que chamam de derrubada da inflação. Não possuem sequer a honestidade intelectual para reconhecer os erros e os custos sociais pagos em nome de estratégias eleitorais e crenças neoliberais.

Artigo colhido no sítio http://www.cartacapital.com.br/economia/20-anos-depois-quem-sao-os-donos-do-plano-real-407.html

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