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Por que o poder econômico odeia a Previdência Social?

Eduardo Fagnani | Publicado na Revista Brasileiros 

Os dados da PNAD 20111 revelam que 82,1% dos idosos brasileiros estavam protegidos pela Previdência Social (a média dos países da América Latina gira em torno de 30% da sua população).

A Previdência é um dos pilares da cidadania social brasileira. Entre 2001 e 2012, o total de benefícios diretos do segmento urbano cresceu 48% (passando de 11,6 milhões para 17,2 milhões de beneficiários), enquanto na Previdência Rural o acréscimo foi de 38% (de 6,3 milhões para 8,7 milhões). Segundo a PNAD (Pesquisa por Amostra de Domicílio) de 2001, do IBGE, para cada beneficiário direto há 2,5 indiretos (membros da família). Em 2012, a Previdência Social beneficiou, direta e indiretamente, mais de 90 milhões de brasileiros.

A maior parte desses benefícios corresponde ao piso do salário mínimo. Em dezembro de 2012, 46% dos benefícios pagos aos segurados urbanos (7,9 milhões de beneficiários diretos) e a totalidade paga aos rurais (8,7 milhões) tinham valor equivalente ao piso. A expressiva política de valorização do salário mínimo elevou a renda desse contingente em mais de 70% acima da inflação.

Os dados da PNAD 20111 revelam que 82,1% dos idosos brasileiros estavam protegidos pela Previdência Social (a média dos países da América Latina gira em torno de 30% da sua população).

Estudos do IPEA mostram que, entre 2001 e 2011, a Previdência Social contribuiu com 17% para a queda da desigualdade medida pelo índice de GINI. No entanto, no subperíodo 2009-2011, pela primeira vez, os rendimentos da previdência apresentaram a maior contribuição (55%) para a queda da desigualdade, superior à contribuição do mercado de trabalho (IPEA, 2012).

Em 2009, sem as transferências monetárias da Previdência, o percentual de pobres (considerando renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo) seria de 42,2%. Com as transferências previdenciárias, esse percentual cai para 29,7% (Musse, 2010).

Diversos estudos demonstram que as transferências monetárias da Previdência também produzem impactos positivos na redução do êxodo rural e na ativação da economia local, especialmente no caso das regiões mais pobres do País. Além disso, a experiência dos últimos dez anos demonstrou que a ampliação da renda das famílias foi peça importante para sustentar a demanda agregada e o mercado interno, base do crescimento econômico recente.

Esse fato derrubou diversos mitos sustentados por setores da ortodoxia econômica. Argumentava-se que a questão financeira da Previdência decorria exclusivamente do aumento explosivo das despesas. Havia uma única saída: novas reformas para suprimir direitos.

A realidade confirmou que, ao contrário, a questão financeira era agravada, sobretudo, pela retração das receitas em decorrência do baixo crescimento econômico e da crise do mercado de trabalho verificada entre 1990 e 2002.

Na década passada, o crescimento econômico voltou a ter espaço na agenda nacional. A forte recuperação do mercado de trabalho potencializou a arrecadação previdenciária e o segmento urbano voltou a ser superavitário, fato que não ocorria desde 1996. Isso aconteceu a despeito da expansão quantitativa dos benefícios, bem como da forte recuperação real de seus valores, decorrentes da agressiva política de valorização do salário mínimo. Ao contrário do que sentenciavam os terroristas do mercado, a recuperação real do salário mínimo não quebrou a Previdência. Ficou claro que o problema do financiamento refletia mais diretamente fatores exógenos (política econômica) do que fatores endógenos ao sistema (despesas com benefícios).

Em 2015, a adoção de uma estratégia ortodoxa de ajuste macroeconômico poderá conduzir o País para a recessão, com reflexos negativos sobre o mercado de trabalho. Esse cenário aponta para graves desequilíbrios financeiros nas contas da Previdência.
Essa passou a ser a senha para novas rodadas de reformas, para suprimir direitos. Hibernados por mais de uma década, os terroristas voltaram a apontar suas bazucas para o setor. A desonestidade intelectual leva-os a bater na velha tecla do suposto rombo financeiro. Para eles, a Previdência incorre em déficit sempre que suas receitas próprias (contribuições de empregados e de trabalhadores) são insuficientes para bancar os gastos com os segmentos urbano e rural.

Desconsideram o pacto social selado em 1988, pelo qual a sociedade brasileira decidiu incorporar um contingente enorme de trabalhadores rurais que começaram sua atividade na década de 1950, sem que tivessem tido direitos trabalhistas e sindicais. Para corrigir essa injustiça histórica, os constituintes de 1988 criaram novas fontes de financiamento (como a CSLL e a COFINS), por exemplo, que integram o Orçamento da Seguridade Social.

Os abutres não levam em conta esse fato. Nesse modelo, a Previdência também conta com receitas provenientes das demais fontes de financiamento que integram o Orçamento da Seguridade Social (Artigo 194). O mais recente estudo publicado pela ANFIP (2012) revela que o Orçamento foi superavitário em R$ 78 bilhões, a despeito da DRU (Desvinculação das Receitas da União) e das equivocadas desonerações fiscais, que afetam gravemente a sustentação financeira do setor.

A Previdência gasta cerca de 8% do PIB. A indecente elevação dos juros básicos da economia fará com que, em breve, as despesas com juros da dívida pública consumam mais de 7% do produto. A alta dos juros beneficia um seleto grupo de milionários, investidores, especuladores e rentistas. Por que os críticos não escrevem uma linha que seja sobre os juros? Desonestidade intelectual ou conflito de interesses?

*Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit/IE-Unicamp) e coordenador da rede Plataforma Política Social

Artigo colhido no sítio http://plataformapoliticasocial.com.br/por-que-o-poder-economico-odeia-a-previdencia-social/

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Política econômica ortodoxa e a nova rodada de supressão de direitos

“O crescimento da expectativa de vida requer ajustes nas regras da previdência social. Mas esses ajustes devem levar em conta a especificidade da nossa situação de capitalismo tardio. Apesar dos avanços recentes, detemos a 15ª pior concentração de renda do mundo”, pontua o economista.

Eduardo Fagnani* | Originalmente publicado no IHU Unisinos 

“É preciso acabar com o Fator Previdenciário porque ele é socialmente injusto. Ele penaliza os trabalhadores mais pobres que entram mais cedo no mercado de trabalho”, defende Eduardo Fagnani à IHU On-Line. O economista explica que aqueles que ingressam no mercado de trabalho aos 15 anos de idade acabam contribuindo por 45 anos para conseguirem a aposentadoria integral, ao invés de cumprirem 35/30 anos de tempo de serviço. “Desde a implantação do fator (1999), houve sim uma redução expressiva do fluxo de novas ‘aposentadorias por tempo de contribuição’. Mas, de fato, outra parcela dos trabalhadores decide se aposentar mesmo com a incidência do fator, deixando de ter o benefício integral”, avalia.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, comenta a proposta de refazer o cálculo da aposentadoria a partir da fórmula 85/95. “Assim, por exemplo, uma mulher precisa ter no mínimo 30 anos de contribuição e, com 55 anos de idade, teria direito a se aposentar com benefícios integrais. No caso dos homens, eles precisariam ter no mínimo 35 anos de recolhimento e, com 60 anos de idade, poderiam se aposentar com o valor integral. Esta fórmula tem sido defendida pelas Centrais Sindicais e parece ser um bom ponto de partida para as negociações. Beneficia os trabalhadores mais pobres, porque, como mencionado, eles entram muito precocemente no mercado de trabalho”.

O pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho – CESIT enfatiza que na comparação internacional acerca da aposentadoria, “o Brasil, desde 1998, é um ponto fora da curva quando se analisa a combinação esperança de vida, idade para aposentadoria e tempo de contribuição. Aqui com esperança de vida de 74,9 anos exige-se 65/60 anos para se aposentar e 18 anos de contribuição (no caso da ‘Aposentadoria por tempo de serviço’), ou 35/30 de contribuição e 65/60 anos de idade (‘Aposentadoria por tempo de contribuição’)”.

Na avaliação do economista, “a questão de fundo” a ser enfrentada na agenda de desenvolvimento diz respeito “ao fato de que as elites políticas e econômicas do país jamais aceitaram os avanços na Seguridade Social obtidos na Constituição de 1988, mesmo quando se trata apenas de garantir direitos sociais básicos para a construção de uma sociedade democrática e justa. Pressionados por esses atores, desde 1989 os Poderes Executivo e Legislativo optaram por não implantar dispositivos constitucionais pétreos relativos à Seguridade Social (organização, financiamento e controle social)”.

Ele lembra ainda que a estratégia ortodoxa de ajuste macroeconômico do governo poderá não só conduzir o país para a recessão, mas terá “reflexos negativos sobre o mercado de trabalho”. O atual cenário “aponta para graves desequilíbrios financeiros nas contas da previdência. Esta será a senha para novas rodadas de reformas para suprimir direitos. Já vivemos isso nos anos 1990”, conclui.

Eduardo Fagnani é graduado em Economia pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Ciência Política e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Atualmente leciona no Instituto de Economia da Unicamp e coordena a rede Plataforma Política Social.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Pode nos explicar em que contexto e por que foi criado o Fator Previdenciário no Brasil? Ele conseguiu cumprir seus objetivos?

Eduardo Fagnani – Com base na experiência chilena, no início da década de 1990 o Banco Mundial elaborou o conhecido “modelo dos três pilares”. Ao Estado cabia somente atuar no “pilar inferior” (pobreza extrema). O setor privado atuaria nos pilares superiores. Após o Chile, nove países de América Latina privatizaram a previdência social na década de 1990.

O governo de Fernando Henrique Cardoso procurou seguir essa trilha. Em março de 1995, o Executivo encaminhou ao Congresso a PEC n. 33/95 que tratava da reforma da previdência. No final de 1998 foi concluída uma etapa importante, com a aprovação da Emenda Constitucional n. 20/98. Essa Emenda implicou retrocessos na Constituição de 1988. Além de suprimir direitos, seu objetivo último era fomentar, para o setor financeiro privado, o mercado de previdência complementar do Regime Geral da Previdência Social – RGPS e do Regime Próprio da Previdência do Servidor Público – RPPSP para o setor financeiro.

O primeiro passo foi tornar restritivas as regras de acesso ao RGPS e ao RPPSP. No caso do setor público, obteve-se êxito ao conjugar idade mínima (65 anos para homens e 60 para mulheres) e tempo de contribuição (35/30 anos).

No caso do RGPS, essa regra foi freada pelo Congresso, que instituiu duas formas de aposentadoria: 1) A “aposentadoria por idade” (65/60 anos, mais 18 anos de contribuição); 2) A “aposentadoria por tempo de contribuição” (35/30 anos e idade mínima de 53/48 anos). Nesse caso, até que os contribuintes atinjam 65/60 anos, incide o “Fator Previdenciário”, criado em 1999, que penaliza o indivíduo que cumpre o tempo de contribuição, mas não possui idade mínima para se aposentar. Ele suprime parcela do valor do benefício e incentiva a postergação da data da aposentadoria.

Além de restringir as regras para a aposentadoria, foi estipulado um teto nominal de benefícios extremamente baixo (atualmente de R$ 3.916,00). Com isso, os contribuintes (RGPS e RPPSP) que desejarem uma aposentadoria com valor acima desse teto seriam forçados a aderir aos fundos de previdência complementar geridos pelo setor financeiro.

O segundo passo foi a pronta regulamentação do Regime da Previdência Complementar – RPC, voltado para os trabalhadores do RGPS que pretendessem receber acima do teto.
O terceiro passo era fazer o mesmo com a previdência do servidor público, o que implica em transferir para o setor financeiro a gestão de parte expressiva da contribuição previdenciária de mais de seis milhões de funcionários ativos da União, dos estados e dos maiores municípios do país. A tramitação da medida foi longa e somente foi concluída em 2012 (governo Dilma Rousseff).

Ineficácia do setor previdenciário

A “eficácia” do Fator na redução das aposentadorias por “tempo de contribuição” é patente: o fluxo anual de novas aposentadorias reduziu-se pela metade a partir de 1999. É importante observar que a aposentadoria “por tempo de contribuição” é acessível para uma parcela restrita dos trabalhadores: aqueles que entraram no mercado de trabalho há cerca de 40 anos, período de crescimento econômico elevado, baixo desemprego e maior taxa de formalização do emprego. Aqueles que entraram no mercado de trabalho a partir dos anos 1990 dificilmente conseguirão comprovar 35 anos de contribuição, em decorrência das diversas modalidades de contratação flexível. Observe-se que, em 2011, 54,7% das aposentadorias concedidas foram “por idade” e apenas 28,0% por “tempo de contribuição”. As aposentadorias por “invalidez” representaram 17,2% do total.

IHU On-Line – Como o senhor está avaliando as articulações do governo Dilma com as centrais sindicais para acabar com o Fator Previdenciário? É preciso acabar com o Fator Previdenciário? Por quais razões? Quais são os prós e contras do Fator Previdenciário para o trabalhador?

Eduardo Fagnani – Aparentemente o tema não vinha sendo tratado pelo governo, a despeito das pressões do movimento sindical. Na semana passada, o Ministro da Previdência Social, Carlos Gabas, recolocou a questão na pauta. É provável que o atendimento a essa antiga reivindicação das Centrais Sindicais seja uma contrapartida para aliviar as tensões acirradas em virtude das medidas provisórias que afetam os benefícios previdenciários e o seguro-desemprego, duramente criticadas pelo movimento sindical.

É preciso acabar com o Fator porque ele é socialmente injusto. Ele penaliza os trabalhadores mais pobres que entram mais cedo no mercado de trabalho (por volta dos 15 anos). Os mais abastados estudam por um período mais longo e começam a trabalhar mais tarde (por volta dos 25 anos). Quem começa a trabalhar com 15 anos de idade, pode contribuir durante 35/30 anos antes de ter 65/60 anos de idade. Para cumprir a regra do Fator, para ter a aposentadoria integral ele acaba contribuindo por mais de 45 anos. Esse fato é inédito na experiência internacional. Além disso, anualmente o IBGE revisa a expectativa de vida do brasileiro; isso também afeta a regra do Fator, exigindo mais tempo de contribuição.

IHU On-Line – O ministro da Previdência Social, Carlos Gabas, declarou que “o Fator Previdenciário é ruim porque não cumpre o papel de retardar as aposentadorias. Agora nós precisamos pensar numa fórmula que faça isso e defendo o conceito do 85/95 como base de partida”. Pode nos explicar a nova fórmula sugerida pelo governo (85/95) (mulheres/homens)? O que muda com ela? O Ministro diz que ela beneficia os mais pobres. Como?

Eduardo Fagnani – Desde a implantação do fator (1999), houve sim uma redução expressiva do fluxo de novas “aposentadorias por tempo de contribuição”. Mas, de fato, outra parcela dos trabalhadores decide se aposentar mesmo com a incidência do fator, deixando de ter o benefício integral.

A fórmula 85/95 combina a soma da idade e do tempo de serviço, respectivamente, para mulheres e homens. Assim, por exemplo, uma mulher precisa ter no mínimo 30 anos de contribuição e, com 55 anos de idade, teria direito a se aposentar com benefícios integrais. No caso dos homens, eles precisariam ter no mínimo 35 anos de recolhimento e, com 60 anos de idade, poderiam se aposentar com o valor integral.

Esta fórmula tem sido defendida pelas Centrais Sindicais e parece ser um bom ponto de partida para as negociações. Beneficia os trabalhadores mais pobres, porque, como mencionado, eles entram muito precocemente no mercado de trabalho. Mas é preciso alertar que há determinados setores que defendem a chamada fórmula 95/105 e que é uma estultice sem tamanho para a realidade socioeconômica brasileira.

IHU On-Line – O ministro sugere reavaliar a idade média de aposentadoria, alegando que o cidadão se aposenta com 54 anos e fica 30 anos recebendo aposentadoria e isso onera o sistema. Essa discussão é factível? Qual seria a idade adequada para a aposentadoria?

Eduardo Fagnani – O Ministro de refere à expectativa de vida após o primeiro ano de vida. O indivíduo que sobreviva ao primeiro ano de vida teria, em média, uma expectativa de vida de 84 anos. Para efeitos de comparação, tomando-se a expectativa de vida ao nascer, a média calculada para os brasileiros é de 74,9 anos para ambos os sexos em 2013, segundo o IBGE. Mas existem diferenciais expressivas entre unidades da federação. Santa Catarina (78,1 anos) tem indicadores muito superiores aos registrados no Maranhão (69,7) ou Alagoas (70,4), por exemplo.

Na comparação internacional, o Brasil, desde 1998, é um ponto fora da curva quando se analisa a combinação esperança de vida, idade para aposentadoria e tempo de contribuição. Aqui com esperança de vida de 74,9 anos, exige-se 65/60 anos para se aposentar e 18 anos de contribuição (no caso da “Aposentadoria por tempo de serviço”), ou 35/30 de contribuição e 65/60 anos de idade (“Aposentadoria por tempo de contribuição”).

Assim, em 1998, com a Emenda Constitucional 20, conseguiu-se transpor para o Brasil padrões semelhantes ou superiores aos existentes em países desenvolvidos. No caso da “aposentadoria por idade”, a idade mínima de 65 anos não era adotada sequer em países como a Bélgica, Alemanha, Canadá, Espanha, França e Portugal (60 anos) e os EUA (62 anos) e equivale ao parâmetro seguido na Suécia, Alemanha e Áustria (65 anos), por exemplo.

No caso da “aposentadoria por tempo de contribuição”, o patamar (35/30 anos) era superior ao estabelecido na Suécia (30 anos) e se aproximava do nível vigente nos EUA (35 anos), Portugal (36), Alemanha (35 a 40) e França (37,5), por exemplo. Como se sabe, esses países têm renda per capita bastante superior à brasileira e a expectativa de vida ao nascer é superior a 80 anos.

De fato, o crescimento da expectativa de vida requer ajustes nas regras da previdência social. Mas esses ajustes devem levar em conta a especificidade da nossa situação de capitalismo tardio. Apesar dos avanços recentes, detemos a 15ª pior concentração de renda do mundo. Os parâmetros internacionais deveriam servir como referência para as negociações em curso.

IHU On-Line – O Ministro declarou que os ajustes anunciados pelo governo em relação ao aperto na concessão dos benefícios sociais, como as pensões por morte e auxílio-doença, não são novidade e já vinham sendo discutidos entre o governo e as centrais e que as centrais “sabem da necessidade de se manter uma Previdência equilibrada”. Como tem se dado essa discussão? Desde quando ela tem sido feita?

Eduardo Fagnani – Não saberia dizer o estágio de negociações entre governo e as Centrais sindicais. Mas propostas deste tipo têm sido recorrentemente colocadas em pauta pelas forças do mercado. Isso ocorreu, por exemplo, em 2007 no âmbito do Fórum Nacional da Previdência Social, e foram rechaçadas pelas Centrais Sindicais. Depois disso a economia cresceu, as contas da previdência melhoraram e o tema saiu da pauta. O ajuste fiscal ortodoxo em curso certamente recolocou o tema na ordem do dia.

IHU On-Line – Ainda sobre esse assunto, o Ministro informou que em 2014 o governo gastou R$ 94,8 bilhões com pensões por morte e esse dinheiro todo foi para 7,4 milhões de pensionistas, e com o auxílio-doença foram gastos R$ 25,6 bilhões para 1,7 milhão de beneficiados. Ele alega que o governo tem gasto uma fortuna com isso. O que precisa ser feito em relação a esses benefícios?

Eduardo Fagnani – Pessoalmente, não sou contrário à realização de mudanças para corrigir algumas distorções no sistema de pensões por morte. No caso do auxílio-doença, o maior problema parece relacionado ao represamento da concessão do benefício, além da reduzida participação do setor privado no seu financiamento.

O enfrentamento dessas questões deveria ter sido proposto pelo governo pela via do diálogo com o movimento social. Poderia ter proposto, por exemplo, um fórum para debater esses temas, como ocorreu em 2007. O problema foi a forma (sem qualquer negociação prévia com as centrais sindicais), o momento (imediatamente após a vitória eleitoral) e o conteúdo (na direção oposta do que foi prometido na campanha) das medidas provisórias. Essa conjugação de fatores acirrou desnecessariamente as tensões com o movimento sindical, uma das principais bases de apoio do governo democraticamente eleito.

Na ausência da busca de diálogo para o consenso prévio, joga-se a decisão para o Congresso Nacional ainda mais conservador e fisiológico. O resultado desse embate poderá ser dramático para a proteção social brasileira.

IHU On-Line – O ministro também fala na necessidade de manter a previdência equilibrada. O que isso significa?

Eduardo Fagnani – Na década passada, a questão do crescimento voltou a ser espaço na agenda nacional e a forte recuperação do mercado de trabalho potencializou a arrecadação previdenciária. O segmento urbano voltou a ser superavitário, fato que não ocorria desde 1996. A realidade derrubou o mito de que a expansão dos benefícios e a recuperação real dos seus valores (decorrentes da agressiva política de valorização do salário mínimo) “quebraria” a Previdência.

A experiência recente demonstra que o equilíbrio financeiro da previdência depende, fundamentalmente, do crescimento da economia (fator exógeno). Não se sustenta o mito de que esse equilíbrio depende tão somente do corte de despesas (fator endógeno), o que não signifique que ajustes pontuais devam ser realizados.

A recente adoção de uma estratégia ortodoxa de ajuste macroeconômico poderá conduzir o país para a recessão, com reflexos negativos sobre o mercado de trabalho e sobre as receitas governamentais. A elevação das taxas de juros ampliará o endividamento e as necessidades de superávit primário. Esse cenário aponta para graves desequilíbrios financeiros nas contas da previdência. Esta será a senha para novas rodadas de reformas para suprimir direitos. Já vivemos isso nos anos 1990.

IHU On-Line – O ministro diz que muitas forças políticas sugerem uma “grande reforma da Previdência”, mas ele é contrário. É preciso ou não uma reforma? Por que e em que consistiria?

Eduardo Fagnani – Propor uma “grande reforma da Previdência” é um despautério sem limites. Essa “grande reforma” já foi feita por FHC nos anos 1990 (EC 20/1998). Como mencionado, no caso da “aposentadoria por idade”, conseguiu-se transpor para o Brasil padrões semelhantes ou superiores aos existentes em países desenvolvidos. A exigência de 65/60 anos não era adotada sequer em países como Bélgica, Alemanha, Canadá, Espanha, França e Portugal, por exemplo. A própria Organização Mundial de Saúde (FIBGE, 2002:9) estabelece clara diferença entre a população idosa nos países desenvolvidos (acima de 65 anos) e nos países em desenvolvimento (acima de 60 anos). No caso da “aposentadoria por tempo de contribuição”, além do injusto Fator Previdenciário, passou-se a exigir a comprovação de 35 anos para os homens e de 30 anos para as mulheres. Esse patamar era semelhante ou superior ao adotado nos países escandinavos, por exemplo.

A vigência dessas regras mostra-se paradoxal, se consideramos que não há como demarcar qualquer equivalência entre esses países e o nosso contexto socioeconômico e demográfico de capitalismo tardio. Há um enorme hiato que nos distancia dos países desenvolvidos no tocante ao PIB per capita, à concentração da renda, à desigualdade social e à expectativa de vida.

O que eles querem fazer? Elevar a idade de aposentadoria para 70 anos? Querem que o brasileiro contribua para a previdência por mais de 40 anos? Estamos perto da liderança do campeonato mundial de concentração da renda. Também seremos campeões mundiais em regras de acesso à aposentadoria?

IHU On-Line – Quais são os principais problemas da previdência hoje? Que pontos deveriam entrar em discussão?

Eduardo Fagnani – O principal problema da previdência social hoje são os impactos que o ajuste macroeconômico ortodoxo terá sobre a perda de receitas e o consequente desequilíbrio nas contas previdenciárias. Este ponto é crucial.

Outro tema central, na perspectiva progressista, é cumprir a Constituição da República de 1988. O poder público jamais organizou a Seguridade Social como rezam os artigos 165, 194, 195 e 59 (este último, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). O Executivo jamais apresentou e executou o Orçamento da Seguridade Social rigorosamente como reza o artigo 195. O Executivo jamais instituiu o Conselho Nacional da Seguridade Social, mecanismo de controle social previsto no art. 194.

Em função desses fatos, desde 1989 o MPAS não considera a previdência como parte da Seguridade Social, resultando no mito do “déficit” da previdência, pois não tem amparo constitucional. A preservação das fontes de financiamento da Previdência Social também requer o fim da Desvinculação das Receitas da União – DRU, criada em 1994 e renovada continuamente. Estudos da Anfip demonstram que, em 2012, a DRU retirou da Seguridade Social R$ 52,6 bilhões. O acumulado, apenas para o período 2005/2012, totaliza mais de R$ 286 bilhões.

Também será preciso revisar a política de desonerações fiscais para setores econômicos selecionados. Caso isso não seja feito, a sustentabilidade da Seguridade Social, principal pilar do sistema de proteção social brasileira, será comprometida no médio prazo.

IHU On-Line – O senhor tem afirmado que nas últimas décadas o campo progressista deixou de tratar dos grandes temas nacionais relacionados ao enfrentamento do subdesenvolvimento político, econômico e social do país. Acerca dessas questões, quais temas centrais ficaram fora da agenda?

Eduardo Fagnani – O desafio para o campo progressista é enfrentar a crônica desigualdade social, cujas marcas profundas não foram apagadas pelo progresso recente. Ainda vivemos graves níveis de concentração de renda e de riqueza, miséria, injustiça fiscal, problemas estruturais no mercado de trabalho e acesso precário aos bens e serviços sociais básicos.

A universalização da cidadania social depende da realização de uma série de mudanças estruturais.

O financiamento das políticas universais depende de reforma tributária que promova a justiça fiscal, taxando-se o lucro e o patrimônio, e não o consumo. Também requer a revisão do pacto federativo, o enfrentamento dos processos de mercantilização e privatização da oferta de serviços e o fortalecimento da gestão estatal, enfraquecida pelo avanço de diversos mecanismos de gestão privada que cria duplicidades, fragmentação e dificuldades para assegurar um padrão de eficiência.

Não existem perspectivas favoráveis para a superação desses problemas sem o resgate da política e da democracia. Nesta perspectiva a reforma política é a mais importante das reformas.

Também não existem perspectivas favoráveis para a superação desses problemas sem o reforço do papel do Estado, o que é fundamental para a democracia e para o desenvolvimento.

Da mesma forma, crescimento econômico baseado na indústria de transformação é condição necessária para a inclusão social e a redistribuição da renda. No entanto, os pressupostos teóricos que dão substrato ao tripé macroeconômico (câmbio flutuante, superávit fiscal e metas de inflação) não convergem para esse objetivo. O aprofundamento da gestão ortodoxa do tripé interdita, em grande medida, o enfrentamento desta agenda.

IHU On-Line – Quais são as razões da fragmentação da luta política em torno de pautas setoriais específicas e por que elas têm prevalecido ante o debate de temas estruturais?

Eduardo Fagnani – De fato, nas últimas décadas o campo progressista deixou de tratar dos grandes temas nacionais relacionados ao enfrentamento do subdesenvolvimento político, econômico e social do país. A fragmentação da luta política em torno de pautas setoriais específicas tem prevalecido ante o debate de temas estruturais. Partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais e universidade parecem viver enredados e prisioneiros de seus próprios labirintos.

Este fato está relacionado à crise da democracia liberal representativa no contexto da concorrência capitalista sob a hegemonia do capital financeiro e do pensamento neoliberal. Existe clara assimetria na representação política, em favor dos interesses do poder econômico. A esfera pública foi esvaziada ante os valores do individualismo e da meritocracia. Os Estados Nacionais foram enfraquecidos e perderam a capacidade de coordenar projetos de transformação. No caso brasileiro, também é preciso levar em conta a “secular capacidade das elites, para preservarem o status quo social”, como ressaltada por Celso Furtado.

Esse quadro mais geral tem influenciado a ação dos movimentos sociais, partidos políticos e sindicatos do campo progressista. O papel que se espera dos partidos políticos progressistas como instituições articuladoras das demandas da sociedade numa perspectiva de transformação foi esvaziado nas últimas décadas. Os partidos e o sistema político como um todo estão submetidos à mercantilização do voto, tornando-se dependentes das bancadas particularistas de toda espécie. Infelizmente não temos unidade da esquerda no Brasil. E as possibilidades disso ocorrer são cada vez mais remotas.

IHU On-Line – Em artigo recente o senhor assinala que o atual “momento requer que se questionem as desonerações fiscais que estão corroendo as bases de financiamento da Previdência, Saúde, Assistência Social e do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. É hora de pressionar por mudanças na contabilização inconstitucional praticada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) desde 1989, que não considera a previdência como parte da Seguridade Social e que não contabiliza as renúncias fiscais como fonte de receitas da Previdência Social”. Pode desenvolver essa ideia? O que sugere?

Eduardo Fagnani – A questão de fundo que deve ser enfrentada na perspectiva da agenda de desenvolvimento diz respeito ao fato de que as elites políticas e econômicas do país jamais aceitaram os avanços na Seguridade Social obtidos na Constituição de 1988, mesmo quando se trata apenas de garantir direitos sociais básicos para a construção de uma sociedade democrática e justa. Pressionados por esses atores, desde 1989 os Poderes Executivo e Legislativo optaram por não implantar dispositivos constitucionais pétreos relativos à Seguridade Social (organização, financiamento e controle social).

Essa recorrente recusa em não reconhecer o que reza a Constituição Federal alimenta continuamente a campanha para “demonizar” a previdência social. Um dos mecanismos utilizados nesse sentido é a difusão do mito que existe “déficit” sempre que a contribuição dos empregados e empregadores para a previdência social urbana for insuficiente para bancar os gastos com o INSS Urbano e o INSS Rural. O suposto “rombo” decorre da Previdência Rural, um benefício típico da Seguridade Social que, pelo texto constitucional, deve ser financiado pelas demais fontes de recursos que integram o Orçamento da Seguridade Social (artigo 195). Portanto, essa leitura desconsidera que a previdência é parte da Seguridade Social.

Esse mito é alimentado por setores do mercado e, paradoxalmente, pela forma como os dados da Previdência Social têm sido contabilizados pelos órgãos do governo federal (MPAS, MPOG, MF e BC) desde 1989. Estudos da ANFIP demonstram que o Orçamento da Seguridade Social sempre foi superavitário. Em 2012, por exemplo, ela apresentou saldo positivo de R$ 78,1 bilhões. Portanto sobram recursos que são desviados para finalidades não previstas pela Constituição.

Superávit da Seguridade Social

O superávit da Seguridade Social tem sido obtido mesmo com a vigência da DRU e da política de desonerações fiscais para setores econômicos selecionados, adotada nos anos 1990 e revigorada na década seguinte. Segundo a ANFIP, em 2012, as isenções tributárias concedidas sobre as fontes da Seguridade Social (CSLL, PIS/PASEP, COFINS e Folha de Pagamento) totalizaram R$ 77 bilhões (1,7% do PIB). A previsão para 2014 é que elas atinjam R$ 123,2 bilhões (2,7% do PIB).

Essa política de desoneração foi intensificada a partir de 2011. O governo editou diversas medidas que desoneram a contribuição patronal de 20% sobre a folha de salários para a Previdência Social. Atualmente a desoneração da folha atinge mais de 60 setores. Para 2014, estima-se que essas renúncias atinjam R$ 25 bilhões.

O problema é que as renúncias concedidas pela a área econômica não são compensadas contabilmente pelo MPAS. Ao lançar a política de desoneração da contribuição patronal em 2011, o Ministro da Fazenda afirmou que “a União compensará qualquer perda de arrecadação previdenciária com recursos do Tesouro”. Todavia, isso não tem ocorrido na prática. Nesse sentido, propõe-se a promulgação de legislação específica que inclua a rubrica “transferências da União para compensação de renúncias previdenciárias” como fonte de receita da Previdência Social. O ponto de partida é recuperar a iniciativa impulsionada pelo próprio MPAS em 2007, que reconhecia a referida manipulação contábil e pretendia alterar a legislação mudando as regras de contabilidade das renúncias previdenciárias no sentido aqui proposto. Na época, essa orientação contava com o apoio das centrais sindicais. Mas esse debate foi abandonado, enquanto a política de isenções foi reforçada.

IHU On-Line – O senhor está entre aqueles que evidenciam uma virada neoliberal no segundo governo Dilma ou entre aqueles que veem uma continuidade do primeiro mandato? O que o segundo mandato sinaliza nesse sentido e como se difere do primeiro?

Eduardo Fagnani – O que de fato existe é um reforço do ajuste macroeconômico ortodoxo, o que distancia a presidente da República das promessas da campanha e a aproxima das promessas da oposição, assentadas no aprofundamento da gestão ortodoxa do “tripé” macroeconômico. Em parte, esse recuo está relacionado ao preocupante agravamento do cenário político-institucional, percebido pelo conservadorismo da composição do Congresso Nacional, pelas consequências imprevisíveis do escândalo da Petrobras e pela irresponsável campanha golpista orquestrada pela oposição. De toda forma, as perspectivas são sombrias, pois o reforço da ortodoxia interdita a agenda de transformações necessárias para a superação do nosso subdesenvolvimento político, econômico, social e cultural.

IHU On-Line – Quais tendem a ser os impactos e os reflexos da austeridade econômica na área social?

Eduardo Fagnani – Num cenário internacional adverso, a ortodoxia tende a levar o país para a recessão. A continuidade do ciclo de aumento da taxa de juros agravará o endividamento, exigindo mais superávit primário para pagar parte dos juros. Esse “enxugamento de gelo” restringirá o gasto social, o investimento e o papel dos bancos públicos no financiamento da infraestrutura.

O mercado de trabalho já dá os primeiros sinais de desaceleração em 2015 (redução de 86 mil postos de trabalho e aumento da taxa de desemprego). Essa tendência tenderá a se agravar nos próximos meses. Corre-se o risco de retrocesso da inclusão obtida nos últimos anos (movimento já observado desde 2013). O endividamento das famílias será ampliado e colocará dificuldades para as camadas sociais despolitizadas recém-incorporadas ao consumo manterem esse status.

A ortodoxia econômica interdita a agenda de transformações que o país necessita para superar o seu subdesenvolvimento. Políticas de “austeridade” abrem um ciclo perverso de desfinanciamento do Estado, o que exige novos cortes nos gastos públicos e agravamento da recessão. O exemplo da Europa é emblemático.

O aprofundamento da gestão ortodoxa do tripé econômico caminha na direção oposta até mesmo da visão de instituições que representam o establishment da ordem ideológica, econômica e política globais. A autocrítica dos erros da ortodoxia foi recentemente exposta pelo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional – FMI. A ficha caiu até para o editor econômico do “Financial Times”. Para Martin Wolf “esse é um modelo maravilhoso para banqueiros. Mas, e para o resto do mundo?”, pergunta. Joseph Stiglitz afirma que o grande problema em 2015 não é econômico. “O problema são nossas políticas estúpidas”, sentencia. No Brasil, a gestão do “tripé” macroeconômico tornou-se ideia fixa. Qualquer visão crítica é considerada herética.

IHU On-Line – Que medidas deveriam ter sido implantadas nos últimos 12 anos para que as mudanças sociais fossem sustentáveis? Onde o governo errou?

Eduardo Fagnani – A partir de 2006, o projeto “social-desenvolvimentista”, formulado antes da eleição de 2002, foi parcialmente resgatado. Impulsionado pelo comércio internacional favorável, o crescimento voltou a ser contemplado na agenda. O governo optou por políticas fiscais e monetárias menos restritivas. A economia voltou a crescer e teve repercussões positivas sobre mercado de trabalho, transferências de renda da Seguridade Social e gasto social. Essa melhor articulação das políticas econômicas e sociais contribuiu para a melhora dos indicadores de distribuição da renda do trabalho, mobilidade social, consumo das famílias e redução da miséria extrema.

Não obstante, um conjunto de problemas estruturais não foi enfrentado. Em grande medida, como aponta André Singer, esse fato decorre do “modelo de transformação lenta e dentro da ordem” que tem pautado a atuação dos governos do Partido dos Trabalhadores. Essa opção pelo “gradualismo extremo” explica, em grande medida, o fato de que muitos retrocessos nos direitos sociais, implantados nos anos 1990, não tenham sido enfrentados nesta quadra.

Reformismo fraco

Neste sentido, destaca-se, por exemplo, que, apesar de breves impulsos de afastamento, manteve-se a gestão macroeconômica por meio do ortodoxo “tripé” (meta de inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante) introduzido em 1999 por FHC. Também se destaca a ambiguidade com relação ao processo de desregulamentação dos direitos trabalhistas e sindicais, tendência predominante desde os anos 1990. O “reformismo fraco” também se revela no esvaziamento da proposta de Reforma Agrária “estrutural e massiva” elaborada em 2001 por um grupo de especialistas do partido. A grave questão da injustiça fiscal também não foi enfrentada nesta quadra. A consolidação da Seguridade Social de acordo com os princípios estabelecidos pela Constituição também não foi objeto dos governos petistas. Da mesma forma, também não foi revertida a recorrente captura das fontes de financiamento da Seguridade Social. A forma inconstitucional de contabilização dos dados da Previdência Social permaneceu inalterada. A Desvinculação das Receitas da União – DRU foi mantida – exceto para o setor da educação.

Os governos petistas aprofundaram a política de concessão de isenções fiscais para setores econômicos selecionados que vinha sendo praticada desde 1990, restringindo as receitas do governo, comprometendo o superávit primário e a expansão do gasto social. O esvaziamento do pacto federativo observado nos anos 1990 também não foi enfrentado. A mercantilização da oferta de serviços sociais foi mantida e incentivada em diversas frentes da política social.

Esses são alguns exemplos emblemáticos do não enfrentamento – e, em alguns casos, do aprofundamento – dos diversos mecanismos adotados nos anos 1990 que tinham por finalidade impor contramarchas à cidadania social consagrada pela Constituição da República.

No campo econômico, também se destaca a errática política econômica adotada: forte ajuste (2011); tentativa de retomar o crescimento com a adoção de política monetária menos restritiva (2012); recuo em função do “terrorismo econômico” difundido pelo mercado, visando às eleições presidenciais (2013 e 2014).

Apesar de tudo, os fundamentos macroeconômicos do Brasil são relativamente mais confortáveis do que foi observado nos países desenvolvidos e da América Latina. Era necessário corrigir os erros do passado? Sim. Mas, a terapia não exige remédios tão amargos que, dependendo da dose, poderão matar o paciente.

IHU On-Line – Quais alternativas existem para se atingir a meta do superávit primário sem cortar gasto social?

Eduardo Fagnani – A primeira é o crescimento que tem efeitos positivos na arrecadação governamental. Em contextos de crise são necessárias políticas anticíclicas. O que está sendo feito caminha na direção contrária: políticas pró-cíclicas que irão aprofundar a recessão. Superávit primário se faz quando a economia cresce.

A segunda é enfrentar o conflito de classes entre capital e trabalho na estrutura imposta. A dita “austeridade” é seletiva. Ela não atinge os detentores da riqueza. Quem paga o pato são os trabalhadores. A ampliação das receitas do governo poderia vir da revisão seletiva da política de isenções fiscais para setores econômicos, iniciada na década de 1990 e reforçada posteriormente. Estima-se que, em 2014, essas renúncias totalizarão R$ 193 bilhões (4,5% do PIB); somente as renúncias sobre a contribuição patronal para a previdência devem atingir R$ 25 bilhões. O equilíbrio orçamentário também pode vir da Reforma tributária.

Não basta taxar as grandes fortunas. Será preciso revisar o sistema tributário, cujos núcleos vigoram desde meados da década de 1960. Os tributos indiretos (incidentes sobre consumo), que atingem proporcionalmente os mais pobres, representaram 49,2% da arrecadação tributária total. Os tributos diretos, que incidem sobre a renda e o patrimônio, corresponderam a 19,0% e 3,7% da arrecadação, respectivamente. Nos países-membros da OCDE, o peso da tributação direta representa 33% da arrecadação total.

É verdade que não existe correlação política favorável para se enfrentar estes temas. A mudança desse quadro exige uma nova postura da esquerda no sentido da unificação da luta política em torno de um projeto nacional de transformação social. Também exige a mudança da postura do governo no sentido de disputar a hegemonia em torno dessas ideias. Ele precisa sair das cordas, superar a inação e travar a batalha pelo desenvolvimento. Isso passa pela questão da comunicação.

Não dá para entender o masoquismo oficial em transferir fortunas para a grande imprensa impulsionar o golpe institucional. Por que a meta do “superávit” primário não atinge essas verbas bilionárias? O que ocorreria se, em nome da “austeridade” fiscal, fosse decidido um corte linear de 50% nas verbas da propaganda oficial?

* – Eduardo Fagnani é Economista e professor do IE-Unicamp e coordenador da rede Plataforma Política Social.

Notícia colhida no sítio http://plataformapoliticasocial.com.br/politica-economica-ortodoxa-e-a-nova-rodada-de-supressao-de-direitos/

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